Nos últimos tempos não param de aparecer, nos meios de comunicação social, noticias contrárias ao sector pecuário e das carne, tornando-o responsável, em grande parte, por muitos dos problemas sanitários, ambientais e de sustentabilidade que existem no nosso planeta.
Neste contexto recordamos o relatório de peritos da OMS do ano 2015 sobre o consumo excessivo de carne vermelha e processada, à que acusavam de ser cancerígena.
Em 2019, as noticias contra o sector pecuário centraram-se, fundamentalmente, no relatório do painel de peritos da ONU sobre as alterações climáticas (IPCC) onde se responsabiliza o sector pecuário de ter um efeito muito pernicioso sobre o meio ambiente devido à emissão de gases que produz, contribuindo de forma importante para as alterações climáticas.
Ao mesmo tempo, não param de aparecer noticias sobre a produção sintética de carne artificial a partir de tecidos celulares, bem como de produtos pseudo-cárneos como os hambúrgueres vegans.
Tudo isto num contexto de humanização dos animais onde uma parte crescente da sociedade, mas ainda muito minoritária, põe em causa a produção de animais domésticos para a obtenção de carne, leite, lã, …
Segundo um relatório do jornal El País de 11-8-2019, baseado em artigos da Science, Latern e Google Trends, estima-se que em Espanha um pouco mais de 7% da população seja “veggies”, nas suas diferentes acepções: 0,2 % vegans que não experimentam produtos de origem animal, 1,3 % vegetarianos que não comem carne mas bebem leite, ovos e mel e a maior parte são flexitarianos 6,3% que apenas consomem carne de forma muito esporádica. Um número baixo, mas a crescer, não esqueçamos que nos dois últimos anos 800 mil pessoas se juntaram a este modo de alimentação e filosofia de vida em Espanha.
Tudo isto leva-nos a colocar algumas perguntas que queremos responder:
Consumimos muita carne?
Nos tempos já longínquos da Faculdade explicavam-nos a muito elevada correlação entre nível de rendimento e consumo de carne e isto continuou a acontecer até certo limite.
Efectivamente, os habitantes de países com altos rendimentos consomem níveis excessivos de carne, tal como muitos outros componentes da dieta (não esqueçamos a epidemia da obesidade de que sofre o mundo rico). Já há países ricos onde a tendência de consumo de carne está a baixar, apesar de que continua a aumentar o seu rendimento. Em Espanha, o consumo total de carnes baixou 7,35 % entre 2007 e 2017 (Tabela 1).
Tabela 1: Consumo de carnes frescas nos lares espanhóis.
Consumo total de carnes frescas (mil toneladas) | Junho 2006- Junho 2007 | Junho 2016- Junho 2017 | Junho 2017- Junho 2018 | Variação 2017/2007 (%) | Variação 2018/2017 (%) |
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Frango | 571,46 | 596,20 | 588,93 | 4,33% | -1,22% |
Porco | 506,34 | 444,12 | 447,68 | -12,29% | 0,80% |
Bovino | 315,46 | 240,43 | 231,23 | -23,78% | -3,83% |
Ovino/caprino | 118,56 | 68,29 | 66,12 | 42,40% | -3,18% |
Coelho | 68,77 | 53,79 | 48,40 | -21,78% | -10,02% |
Outras carnes frescas (*) | 141,04 | 192,31 | 193,18 | 36,35% | 0,45% |
Total consumo de carnes frescas | 1.721,63 | 1.595,14 | 1.575,54 | -7,35% | -1,23% |
Fonte: Produção INTERPORC a partir do MAPA
Nota (*): Em "outras carnes frescas e/ou refrigeradas" incluem-se outros tipos de carnes: equino, perú e outras aves, salsichas frescas, miudezas frescas, caça e similares.
Em 2015, o consumo anual “per cápita” de carne situava-se em 92 quilos em países de economias muito ricas contra os 24 quilos no Norte de África e 18 no Sudeste asiático.
Segundo a consultora Lantern (2017) no The Green Revolution, os motivos para se terem dietas sem carne são: 57 % por motivos éticos e animalistas, 21 % por sustentabilidade e 17 % por motivos de saúde.
Mas como afirmam muitos peritos, o relatório IPCC sobre as alterações climáticas está feito com a perspectiva dos países ricos e esquece-se uma parte muito importante do planeta. Há 3818 milhões de pessoas que vivem em países com um nível de desenvolvimento alto ou muito alto, mas há outros 3659 milhões que vivem em países com nível médio ou baixo e que aspiram e necessitam melhorar a sua dieta com produtos de origem animal. As recomendações são, portanto, úteis nos países sobre-alimentados, mas podem ser prejudiciais se se aplicam às pessoas sub-nutridas.
Com uma população a crescer cada vez mais e grande consumidora de recursos, devemos pensar num estilo de vida mais racional que utilize menos recursos, não só alimentares como também energéticos, de transporte, de hábitos de consumo, etc. Devemos por em dieta a nossa forma de vida para salvar o Planeta.
No futuro desaparecerá a produção pecuária com a implantação da carne artificial sintetizada em laboratório?
Cremos que não e, apesar dos fortes investimentos que grandes grupos empresariais estão a fazer a nível mundial, a carne artificial fabricada a partir de culturas celulares terá o seu nicho de mercado, mas pensamos que será pequeno, em parte pelo seu elevado custo de fabrico.
Além disso, a produção de carne sintética servirá para ser processada sob a forma de hambúrgueres, salsichas, mas produtos cárneos como o costeletão, o presunto, o cordeiro de leite, serão impossíveis de reproduzir, inclusive com tecnologias de impressão como o 3D ou novas tecnologias que surjam no futuro.
Se certos animais deixam de ser úteis, desaparecerão de forma alarmante limitando-se a sua existência a animais de companhia, zoológicos (cada vez mais em questão) ou reservas animais e nem toda a gente quererá ter uma vaca como animal de estimação. Evidentemente, o desaparecimento dos animais domésticos irá acompanhado pela extinção dos produtores pecuários e, com eles, o trabalho social e de coesão e conservação territorial que desempenham.
Mas o mais preocupante é o controlo e a concentração económica da produção de carne nas mãos de poucos e grandes grupos empresariais que disporãon de mais poder económico do que já têm. Muito poucos grupos empresariais controlariam o processo de produção de carne já que disporão da tecnologia e dos meios de produção e distribuição da carne a nível mundial.
O futuro é a chamada pecuária ecológica?
Ainda que a pecuária ecológica cumpra e continuará a cumprir e sua função de abastecer um nicho de mercado pequeno com elevado poder de compra, a sua generalização seria um forte retrocesso por ser muito menos eficiente desde todos os pontos de vista, também do ponto de vista da sustentabilidade.
A pecuária ecológica necessita consumir muitos mais recursos e é muito menos eficiente desde o ponto de vista produtivo. Em poucas palavras voltar a produzir como os nossos antepassados para alimentar os actuais 7400 milhões de habitante do planeta é impossível, sem contar que para no ano 2050 as projecções apontem para 9800 milhões de habitantes.
Tampuoco podemos voltar a sistemas de produção onde os produtores eram praticamente escravizados tratando dos animais os 365 dias do ano, sem poder ter férias, feriados, … Ou será que estamos dispostos a retroceder noutras áreas e produzir como o faziam os nossos antepassados? Voltaríamos a trabalhar nas minas utilizando apenas picaretas e pás ou a trabalhar no campo manualmente sem a ajuda de tractores e maquinaria agrícola?
Em que medida a pecuária é responsável pela emissão de gases com efeito de estufa (GEE)?
Sobre este tema há muita controvérsia nos dados e nas diferentes maneiras, às vezes muito enviezadas, de os calcular.
Em 2009 o Worldwatch Institute de Washington asegurava que 51% dos GEE no mundo provinham da pecuária. Mas de acordo com a a Agência Estatal de Protecção Ambiental dos Estados Unidos, em 2016, a pecuária apenas representava 3,9 %, longe da indústria de transporte com 28 % de GEe. Pelo seu lado, a FAO em 2016 publicava que a pecuária produzia 18 % de GEE, mas pouco depois esta afirmação foi desmentida por Henning Steinfeld, principal autor do relatório, evidenciando erros metodológicos e reduzindo o impacto para 5 %. A FAO, num relatório mais recente, estima que as emissões da pecuária são de 14,5 % à escala mundial longe dos efeitos do transporte e da indústria.
Tendo clara a controvérsia sobre estes dados e as formas de os calcular, este é um tema importante e o sector pecuário tem a responsabilidade de ser mais eficiente e sustentável, mas necessitamos de estudos mais rigorosos e transparentes.
Que futuro espera a pecuária?
Os produtores podem esperar um bom futuro sempre que haja compromisso com as mudanças em bom sentido que se iniciaram nos últimos anos. Devemos trabalhar cada vez mais no contexto da chamada Economia Circular e explicar à sociedade os esforços que estamos a fazer nesse sentido. Produzir melhor utilizando menos recursos e minimizando a pegada ecológica e os resíduos, ou que estes se possam utilizar como fertilizantes substituindo os fertilizantes químicos.
A pecuária também serve para estruturar o território e facilitar que se fixe população em meio rural que tão necessitado está de gente e de postos de trabalho.
Como produtores devemos ser muito auto-críticos e exigentes connosco mesmos, sendo mais eficientes e sustentáveis, reduzindo os nossos níveis de contaminação, consumindo menos recursos possíveis para contribuir, como devem contribuir os demais sectores da sociedade, para um planeta mais sustentável. Assim teremos o futuro assegurado.