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Ácidos orgânicos: estrutura química, mecanismo de acção e benefícios da utilização

Esta primeira ficha informativa sobre os ácidos orgânicos descreve a estrutura química, os mecanismos de ação e os principais benefícios da sua utilização na alimentação dos suínos.

Introdução

Os ácidos orgânicos (AO) são utilizados na alimentação dos suínos através da água ou da ração, especialmente na fase de transição, devido aos seus efeitos positivos sobre:

  • saúde gastrointestinal
  • digestibilidade dos nutrientes
  • rendimento produtivo

A nível gastrointestinal, os AO podem atuar como acidificantes, bactericidas e bacteriostáticos, acções que dependem principalmente do pKa, do coeficiente de partição (LogP Kow) e do peso molecular de cada AO e do pH do meio em que se encontram. O seu efeito depende da dose e da combinação dos AO utilizados, da formulação da ração e da idade do suíno, factores que dificultam a comparação entre estudos.

Por outro lado, os AO são também utilizados como conservantes de alimentos para animais, graças à sua capacidade de inibir o crescimento de bactérias patogénicas, fungos e leveduras indesejáveis nos alimentos para animais.

Estrutura química dos ácidos orgânicos

Do ponto de vista bioquímico, os AO são ácidos carboxílicos caracterizados como compostos orgânicos constituídos por uma cadeia de ácidos gordos de comprimento variável e um ou mais grupos carboxilo (R-COOH) que são a fonte doadora de H+.

Os AO são ácidos fracos, com diferentes graus de solubilidade em água e com capacidade de reacção reversível. Os AO devem ser distinguidos dos ácidos inorgânicos, como o ácido fosfórico ou o ácido clorídrico, uma vez que estes últimos são ácidos fortes que se dissociam completamente em contacto com a água e têm uma elevada capacidade de acidificação, mas não são capazes de penetrar no interior das bactérias. Além disso, a sua reacção é irreversível e o seu manuseamento é complicado devido à sua elevada corrosividade. O quadro 1 resume os principais AO utilizados na alimentação dos suínos, com a respectiva fórmula química, valor pKa, peso molecular e valor LogP Kow.

Tabela 1. Fórmula química, valor de pKa, peso molecular e LogP Kow dos principais ácidos orgânicos utilizados em nutrição suína (Dibner y Buttin, 2002; Zentek et al., 2011).

Ácido Fórmula química pKa Peso molecular, g/mol LogP Kow
Ácidos Gordos de Cadeia Curta (AGCC)
Ácido fórmico (1C) HCOOH 3,83 46,03 -0,54
Ácido acético (2C) CH3COOH 4,76 60,05 -0,17
Ácido propiónico (3C) CH3CH2COOH 4,88 74,08 0,33
Ácido butírico (4C) CH3CH2CH2COOH 4,82 88,12 0,80
Ácido Fórmula química pKa Peso molecular, g/mol LogP Kow
Ácidos Gordos de Cadeia Média (AGCM)
Ácido caproico (6C) CH3(CH2)4COOH 4,88 172,26 1,92
Ácido caprílico (8C) CH3(CH2)6COOH 4,89 144,21 3,05
Ácido cáprico (10C) CH3(CH2)8COOH 4,89 172,26 4,09
Ácido láurico (12C) CH3(CH2)10COOH 5,13 200,32 4,60
Ácido Fórmula química pKa Peso molecular, g/mol LogP Kow
Ácidos tricarboxílicos
Ácido fumárico COOHCH:CHCOOH 3,02
4,76
116,07 0,46
Ácido cítrico CH2(COOH)COH
(COOH)CH2(COOH)
3,13
4,76
6,49
192,14 -1,70
Ácido Fórmula química pKa Peso molecular, g/mol LogP Kow
Outros
Ácido láctico CH3CH(OH)COOH 3,75 90,08 -0,70
Ácido sórbico CH3CH:CHCH:CHCOOH 4,76 112,14 1,33
Ácido benzoico C6H5COOH 4,19 122,12 1,88

Principais benefícios do uso de ácidos orgânicos em nutrição suína

  1. Favorece a saúde gastrointestinal graças à sua actividade bacteriostática, reduzindo o pH do meio através da libertação dos seus iões H+, e à sua actividade bactericida na sua forma não dissociada.

  2. Aumenta a digestibilidade e a absorção de nutrientes como as proteínas e os minerais, com um impacto elevado durante a fase de transição, graças à acidificação do conteúdo estomacal e à modulação da microbiota.

  3. Conserva as matérias-primas e os alimentos para animais, graças à sua capacidade de inibir o crescimento de bactérias, fungos e leveduras patogénicas indesejáveis.

Mecanismo de acção dos ácidos orgânicos a nível digestivo

Dependendo do pH do ambiente gastrointestinal, do pKa e do LogP Kow do AO, este pode estar na forma não dissociada (RCOOH, AO que mantém toda a sua estrutura química intacta) ou na forma dissociada (RCOO- + H+, AO que libertou pelo menos um ião H+ para o ambiente).

Um AO não dissociado tem uma elevada capacidade de se difundir através da membrana bacteriana para o citoplasma, onde o ácido se dissocia, alterando o equilíbrio do pH interno do citoplasma bacteriano, o que levará à supressão da actividade dos seus sistemas enzimáticos e de transporte de nutrientes, resultando na lise da bactéria (Dibner e Buttin, 2002). Enquanto um AO dissociado tem uma capacidade acidificante devido à libertação de iões H+ para o meio, inibindo o crescimento de bactérias sensíveis ao ácido, como a Salmonella spp ou a E.Coli, e promovendo efeitos positivos na saúde gástrica e intestinal que desenvolveremos mais tarde.

Os AOs que podem libertar um único H+, como o ácido fórmico, são chamados monopróticos e os AOs com a capacidade de libertar mais do que um H+, como o ácido cítrico, são chamados AOs polipróticos. Na Figura 1, está representada a estrutura química da forma não dissociada e dissociada do ácido fórmico, do ácido lático e do ácido propiónico.

Figura 1. Fórmula química do ácido fórmico, ácido láctico e ácido propiónico na sua forma não dissociada e dissociada.
Figura 1. Fórmula química do ácido fórmico, ácido láctico e ácido propiónico na sua forma não dissociada e dissociada.

Mas de que depende o facto de uma maior proporção do ácido se encontrar na forma dissociada ou não dissociada no trato gastrointestinal? Depende basicamente de dois factores: o pKa do ácido e o pH do ambiente gastrointestinal.

O pKa de um AO (Tabela 1) é o valor de pH ao qual 50% do ácido permanece dissociado e os restantes 50% não dissociados. Um AO tem tantos valores de pKa quantos os grupos carboxilo existentes. No caso dos AOs polipróticos, o seu valor de pKa aumenta com cada dissociação, pelo que a primeira libertação (pKa1) define a força de acidificação do AO em causa. Se o pH do meio for inferior ao pKa do AO, > 50% do AO encontrar-se-á na forma não dissociada, ao passo que, se o pH do meio for superior ao pKa do AO, > 50% do AO encontrar-se-á na forma dissociada. Consequentemente, à medida que o pH do meio se distancia acima ou abaixo do valor pKa do AO, a percentagem de moléculas de AO dissociadas ou não dissociadas aumenta, respetivamente (Figura 2).

Figura 2. Percentagem de moléculas de ácido butírico, ácido fórmico e ácido láctico dissociadas/não dissociadas segundo o pH do meio (Sieiro et al., 2013).
Figura 2. Percentagem de moléculas de ácido butírico, ácido fórmico e ácido láctico dissociadas/não dissociadas segundo o pH do meio (Sieiro et al., 2013).

A nível fisiológico, quanto mais baixo for o valor de pKa do AO, maior será o efeito na redução do pH gástrico e menor será o efeito antimicrobiano nas porções distais do trato intestinal.

Por outro lado, dois AOs com um pKa semelhante e administrados na mesma dose podem ter capacidades bactericidas diferentes devido ao seu peso molecular. Por exemplo, quando se aplica a mesma quantidade, o ácido fórmico tem um efeito bactericida maior do que o ácido lático, uma vez que o seu peso molecular é menor. Isto deve-se ao facto de, para uma quantidade igual, existirem mais moléculas de ácido fórmico do que de ácido lático: em 1 kg de ácido láctico existem 11,1 moles, enquanto que em 1 kg de ácido fórmico existem 21,7 moles.

A acção dos AO sobre os microrganismos depende também da complexidade da parede/membrana celular externa do microrganismo. Os ácidos gordos de cadeia média (AGCM) têm uma forte acção bactericida em bactérias Gram-positivas, como Clostridium perfringens ou Streptococcus spp, enquanto os ácidos gordos de cadeia curta (AGCC) têm uma maior actividade bactericida em bactérias Gram-negativas, como E. coli, Campylobacter jejuni ou Salmonella spp. Coli, Campylobacter jejuni ou Salmonella spp. Isto deve-se ao coeficiente de partição octanol-água (LogP Kow, Tabela1) de cada AGCC, que indica se um ácido tem um carácter mais hidrofóbico ou hidrofílico. No caso dos AGCC, estes têm valores de LogP Kow superiores a 1,0, indicando o seu carácter lipofílico que lhes permite interagir mais eficazmente com a membrana celular das bactérias Gram-positivas, enquanto a presença de lipopolissacáridos na parede celular das bactérias Gram-negativas confere resistência aos AGCM.

Para melhorar a acção dos AO ao longo do trato gastrointestinal, é interessante trabalhar com misturas de AO com propriedades diferentes. Chaveerach et al. (2002) observaram que a combinação simultânea de ácido propiónico, ácido acético e ácido fórmico oferece um maior poder bactericida em comparação com a utilização destes ácidos individualmente. Por outro lado, Hanczakowska et al. (2013) concluíram que a inclusão de uma mistura de 0,5% 1:1 de ácido propiónico e ácido fórmico e 0,2% de ácido cáprico tem um impacto positivo no rendimento produtivo e aumenta a digestibilidade dos nutrientes dos leitões pós-desmame devido à melhoria da saúde da mucosa intestinal.

Alguns ácidos orgânicos são utilizados sob a forma de sais de sódio, cálcio ou potássio. Em comparação com os ácidos orgânicos livres, os sais são mais fáceis de manipular durante o fabrico dos alimentos para animais devido à sua menor corrosividade e são geralmente inodoros devido à sua forma sólida e à sua menor volatilidade. A nível fisiológico, o sal é libertado a nível gástrico, chegando o AO não dissociado ao nível intestinal, onde pode actuar quer acidificando o meio quer agindo como bactericida, dependendo do seu valor de pKa. Exemplos de sais de AO são o formiato de sódio (1k237), o propionato de sódio (1k281) ou o propionato de cálcio (1a282). A combinação de AO e sais de AO com diferentes valores de pKa e LogP Kow para obter uma acção acidificante e bactericida ao longo do tracto gastrointestinal é uma boa ferramenta nutricional.

Os ácidos orgânicos e os seus sais podem ser utilizados na alimentação dos suínos na forma livre ou microencapsulada. A microencapsulação evita que o ácido se dissocie rapidamente no estômago, permitindo que os ácidos actuem nas partes mais distais do intestino para actuar como bacteriostáticos ou bactericidas (Cho et al., 2014).

Na próxima ficha informativa, serão descritos os principais AO utilizados na alimentação dos suínos e o seu mecanismo de acção, juntamente com uma breve revisão da literatura de estudos científicos sobre o efeito do ácido fórmico, do ácido lático e do ácido propiónico na saúde gastrointestinal e no rendimento produtivo dos suínos.

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