Ninguém tinha imaginado, apenas há alguns meses atrás, um cenário mundial como o que está a ser vivido com a crise do COVID-19. O maior risco que se colocava para o sector era a Peste Suína Africana, mas nenhum de nós pensou eme algo semelhante ao que está a acontecer.
Acreditávamos que 2020 seria um ano de bom preço para o sector suíno, devido às dificuldades decorrentes da PSA da China e de outros países asiáticos, com o consequente déficit de carne de porco em todo o mundo.
O presente voltou a surpreender-nos com um cenário inesperado e muito negativo.
O Covid-19 irrompeu com força e o confinamento mudou radicalmente os hábitos de consumo. Todos os produtos de carne que eram consumidos pela via da restauração, o chamado canal HORECA (HOTEIS, RESTAURANTES E CAFETERIAS) tiveram uma descida de consumo radical, alterando os preços dos produtos comercializados por esta via. Isto impactou especialmente ao sector da carne de bovino e de ovino e, no sector suíno, aos produtos cujo principal destino é a hotelaria.
Além disso, devido ao confinamento, as celebrações familiares (casamentos, batizados, aniversários), festas populares, festivais e Congressos estão proibidas, o que afectou o consumo de certos produtos muito ligados a estes eventos. A campanha de viagens e turismo de 2020, que tanto influi no consumo de suíno de certos países, está praticamente por perdida.
INFLUÊNCIA NOS MERCADOS
Presentemente, certos sectores, como o porco branco em Espanha, estão a sofrer o impacto da crise do Covid-19, graças às previsões de exportações para a China. Há uma queda significativa nos preços, mas eles não afundam e a procura permanece relativamente forte.
Por outro lado, a crise do Covid-19 afectou substancialmente o mercado americano. Nos EUA, o encerramento de alguns dos matadouros mais importantes, devido ao contágio, em muitos de seus funcionários, pelo coronavírus, causou uma queda notável nos preços. A incapacidade de abater uma percentagem significativa dos porcos, apesar de uma ordem directa do presidente Trump, forçando os matadouros a permanecer abertos para evitar escassez, criou uma crise sem precedentes. Essa crise contagiou o México, o principal destino das exportações dos EUA, e o Canadá, que exporta muitos leitões e porcos para os Estados Unidos. Na Espanha, embora com alguns problemas laborais em alguns matadouros devido à infecção de seus funcionários pelo Covid-19, até hoje a maioria continua a trabalhar normalmente.
No resto de Europa, tanto o confinamento como a impossibilidade de realizar churrascos, em determinados países, causaram uma descida de preços mais rápida e importante que em Espanha.
Em sectores dedicados a produtos de carne de qualidade e associados à restauração, a crise veio repentinamente e com dureza agravada. No porco ibérico, os preços dos porcos vivos caíram e há até problemas para abater algumas remessas de animais.
ALGUNS LIÇÕES PARA O FUTURO
Uma análise do que está a acontecer agora pode fornecer elementos e ideias sobre como enfrentar o futuro a curto e médio prazo e, provavelmente, seremos capazes de extrair novas lições. Mas neste fórum, pretendo lançar algumas primeiras reflexões e lições aprendidas.
A primeira, e mais essencial, é a importância do sector primário para toda a sociedade. Muitos sectores pararam de operar, mas o sector de produção de alimentos continuou activo, considerado essencial para a sociedade como um todo. Continuou a trabalhar com a máxima responsabilidade e produzindo alimentos com os mais altos níveis de qualidade e segurança. Em crises como esta, o sector primário mostra e reafirma sua importância para o futuro.
A crise do porco ibérico, um produto de qualidade por excelência, deve fazer reflectir sobre a importância dos custos, também em produtos à base de carne de alta qualidade, porque quando chega uma crise económica, que ocorre ciclicamente, o consumo cai abruptamente e os preços afundam. A carne de porco branca é um item básico do carrinho de compras, e as crises económicas, mesmo afetando-a, fazem-no em extensão muito menor do que o que acontece com produtos de alta qualidade. Parafraseando Darwin: NÃO SOBREVIVEM OS MAIS FORTES MAS SIM AQUELES COM MAIOR CAPACIDADE DE SE ADAPTAR AO MEIO AMBIENTE.
A biossegurança e a saúde animal são fundamentais para a sobrevivência do sector suíno. Produzir com um "status sanitário" alto é mais barato e mais eficiente relativamente a qualquer outra situação sanitária, mas para isso devemos investir e trabalhar com altos níveis de biossegurança, para impedir a entrada de novos agentes patogénicos nas nossas explorações e erradicar alguns já presentes. Apenas assim, poderemos ser competitivos e, além disso, transmitir uma boa imagem ao conjunto da sociedade. Neste sentido, a crise do Covid-19 está a ensinar-nos que apenas com políticas conjuntas e coordenadas, planos nacionais e controlando a mobilidade se pode fazer frente a determinadas doenças. E é assim que certas doenças (PSA, PSC, febre aftosa, Aujezsky) foram controladas e erradicadas e só assim avançaremos contra outras doenças de grande importância económica para o sector, como o PRRS. Para erradicar, ou reduzir a pressão, sobre o PRRS é necessário estabelecer planos nacionais de controlo sob a direcção do sector e supervisionados pela administração, que estabelecem directrizes realmente eficazes para o controlo e erradicação desse tipo de doença infecciosa.
Salvaguardando as distâncias comparativas, e com o maior respeito que as vítimas causadas pelo Covid-19 merecem, não paramos de pensar em hospitais e casas de repouso como as áreas quentes da pandemia do Covid-19, semelhante aos nossas áreas de isoweans e desmame, para as quais devemos estabelecer planos sanitários mais agressivos que incluam vazios frequentes e funcionem em sistemas all-in / all-out, essenciais quando as virémias estão activas.
Num mundo cada vez mais global, e a menos que essa pandemia mude muito, as doenças tornar-se-ão cada vez mais universais devido ao maior movimento de pessoas e mercadorias, incluindo nesta secção os alimentos, que favorecerão que as doenças tenham mais facilidade de se espalhar por todo o planeta. É por isso que a biossegurança assume importância num sentido amplo e global, não apenas ao nível da exploração, mas como o conjunto de medidas destinadas a impedir a entrada de novos agentes patogénicos no nosso país.
Por último, outro grande problema que ficou manifesto nesta crise, e que nos deve preocupar enormemente, é a protecção dos nossos colaboradores durante as crises como a que estamos a viver. Os colaboradores são essenciais para o desenvolvimento de qualquer actividade. Sem eles, não funcionam nem matadouros, nem fábricas, nem explorações, nem o transporte e, portanto devem existir planos de contingência, como os aplicados perante o Covid-19, para preservar ao máximo a saúde dos nossos colaboradores, pelo seu bem-estar, em primeiro lugar, e com o objectivo de possibilitar que as cadeias de produção alimentar não parem e se possa garantir o abastecimento de alimentos tão necessários ao conjunto da sociedade.