Descrição da Exploração
Trata-se de uma engorda numa zona de alta densidade suína. A exploração actualmente é composta por dois pavilhões com uma capacidade de 350 porcos cada um.
A construção dos dois pavilhões é similar mas um deles é um pavilhão isolado (situado em paralelo com o outro) e o outro está unido a uma casa já que é uma antiga exploração de porcas reformada para uma engorda.
A estrutura interior dos pavilhões é a de uma engorda convencional: 7 metros de largura aproximadamente, um corredor, ventilação natural com janelas manuais, parques de 10-12 animais, com alimentação automática e uma tolva tipo holandês com um bebedouro por parque.
Os animais habitualmente chegam entre 15-18 kg e saem aos 95-110 kg. A origem dos animais é o mesmo nos dois pavilhões, uma exploração de porcas com boa produção e situada numa zona de baixa densidade suína. O estatuto sanitário dos animais é bom (livres de Aujeszky, negativos à PRRS e sem outros problemas patológicos destacáveis) e conhecido.
A exploração está vedada, não há demasiado movimento de pessoal aparte do tratador e os ajudantes mas as normas de biosegurança não são muito apertadas. Por exemplo, é habitual que o tratador não mude de roupa para ir da exploração ao povoado e voltar, a casa está junta à exploração e o caminho de acesso é comum, todos os carros estacionam no mesmo sítio: ao lado da exploração...etc.) A exploração também se encontra situada mesmo ao lado de uma estrada de muito trânsito numa zona com uma densidade de explorações suínas muito elevada.
Aparecimento do Caso
Estes animais são híbridos comerciais (Ld x Lw x Pi) com um bom estatuto sanitário. A exploração de mães é indemne a Aujeszky e estável de PRRS, os animais entram na engorda negativos e de vez em quando têm algum problema respiratório a finais desta. O mais frequente que temos observado nesta origem são pneumonias por APP ou Pasteurella (ou infecções mistas) que provocam algumas mortes súbitas, sintomas respiratórios mas que habitualmente se resolvem com tratamento antibiótico.
O tratador desta engorda é um homem já com alguma idade e com muita experiência na criação de porcos, conhece muito bem esta origem de animais e habitualmente detecta as doenças em estádios muito prematuros.
Durante esta engorda não se medicou nenhuma vez os animais, que tinham já 3 meses na engorda. No momento que apareceu o caso, a mortalidade era de 1,4% e as baixas foram de animais pouco viáveis, durante os primeiros meses. O crescimento dos porcos, com falta de doenças, tinha sido muito rápido e alguns animais já tinham o peso de abate.
O tratador chamou o dono dos animais a 10 de Janeiro porque notava que algo não ia bem. Segundo o tratador, os animais poderiam estar a iniciar um processo respiratório, como tinha acontecido já noutras engordas anteriores. Dizia que os animais tinham tosse, dispnea, espirravam e apresentavam-se deprimidos.
Visita à Exploração
O proprietário dos animais visitou a exploração, os animais não apresentavam sintomas graves nem se apresentavam deprimidos mas tinham tosse e dispnea muito leve. Ao conhecer os problemas habituais destes animais pensou que seria o inicio do típico processo bacteriano e decidiu como prevenção, já que os animais tinham crescido tão bem, administrar um tratamento injectável de 3 dias. Com isto queria-se evitar começar a ter baixas. Estes processos têm bastante repercussão económica já que frequentemente os animais que morrem são animais que pesam cerca de 90kg.
Os animais trataram-se com enrofloxacina injectável durante 3 dias, a 13, 14 e 15 de Janeiro. Os animais tinham bom aspecto segundo o proprietário mas ao aparecer a primeira baixa, o tratador insistiu em que nos chamassem para os visitarmos.
A 19 de Janeiro visitámos a exploração e não observámos muitas alterações relativamente ao problema inicial. Os animais apresentavam-se atentos e muito alegres, ainda havia um pouco de tosse residual e havia mais ou menos um animal por parque com dispnea leve.
Realizou-se a necropsia do animal morto e observou-se broncopneumonia catarral purulenta nos lóbulos apicais, médios e parte superior dos diafragmáticos. Além do mais, também se observou pleurite fibrinosa. Enviou-se o pulmão para o laboratório para ser analisado.
Medidas Implementadas e Resultados do Laboratório
Tendo em conta a situação dos animais e de que se tinham tratado há muito poucos dias com enrofloxacina injectável, decidiu-se não fazer nada salvo injectar os animais que apresentaram sintomas, que eram muito poucos e esperar pelo resultado do laboratório. Nesse momento pensámos que o surto estava na sua etapa final, pelo que em poucos dias os animais estariam bem.
No laboratório isolaram uma estirpe de Streptoccocus suis do pulmão. Segundo o antibiograma, a bactéria era sensível à enrofloxacina, amoxicilina e outros antibióticos habituais. Nem a necropsia, nem estes resultados tinham tido nenhuma coincidência com os quadros habituais de Actinobacillus pleuropneumoniae ou Pasteurella. Com o conjunto, confirmamos a nossa primeira ideia que seria um processo leve e que o tratador tinha sido um pouco alarmista.
Evolução do Caso
Na semana seguinte fomos novamente chamados pelo proprietário porque os animais tinham tido uma recaída. O tratador tinha-o chamado muito alarmado porque os animais de um pavilhão não se levantavam. O proprietário tinha visitado a exploração e observou que efectivamente os animais tinham os mesmos sintomas respiratórios leves mas desta vez apresentavam-se muito deprimidos, não se levantavam nem entrando no parque. Ao invés, os animais do outro pavilhão continuavam na mesma.
O proprietário chamou-nos, decidimos administrar um antitérmico durante 3 dias no pavilhão afectado para recuperar a ingesta dos animais. Até esse momento os animais tinham comido com normalidade. Dois dias depois os animais do outro pavilhão também tiveram febre e também se lhes administrou antitérmico. Nesta semana realizou-se uma colheita de sangue para o Plano de Erradicação de Aujeszky já que a primeira carga de animais para matadouro estava planificada para a semana seguinte.
Visitámos a exploração pela segunda vez na semana seguinte, no dia 30 de Janeiro. A situação tinha-se estabilizado mas havia uma baixa de um animal de muito peso. Realizámos a necropsia e não se observaram lesões significativas no pulmão. Apesar de não se observarem lesões decidimos enviar o pulmão para o laboratório já que estávamos desconcertados.
Nesse momento pensámos nas possíveis infecções víricas que nos podem afectar e que eram compatíveis com o processo. Pensámos no vírus da influenza e no da Aujeszky. No caso de ser uma positivização de Aujeszky, advertimos o tratador que não desse de comer nenhum pedaço de carne dos porcos mortos aos dois cães que tem na exploração.
Já fora da exploração, ao redigir o relatório para o laboratório pedimos, na análise do pulmão, provas para influenza e Aujeszky. Nesse momento recordámos ter recebido no mesmo dia um alerta sobre vários casos de positivizações de Aujeszky na zona, várias engordas eram 100% positivos. Também nos recordámos do facto de que o pavilhão que primeiro foi afectado com a hipertermia era o que tem as janelas do lado da estrada.
Ao fim de uns dias, o dia 3 de Fevereiro fomos novamente chamados pelo tratador que nos disse que tinha encontrado os seus três gatos mortos. Pôde controlar o que consumiam os cães porque estavam presos mas os gatos comeram carne dos cadáveres.
Com este dado concluímos que tinhamamos tido uma positivização do vírus de Aujeszky com sintomatologia, coisa não muito habitual nos últimos anos. Os resultados oficiais do sangre que se enviou para o Plano de Erradicação de Aujeszky também foram positivos em 100%. Pelo contrário, os resultados do último pulmão foram negativos tanto a microbiologia como aos dois vírus. Falámos com o pessoal do laboratório e concluímos que a amostra não era a mais adequada no que ao vírus de Aujeszky diz respeito.
Conclusões
Os animais desta engorda, entraram no dia 14 de Outubro e vacinaram-se com vacina oleosa de Aujeszky no dia 17 de Outubro. A segunda vacinação fez-se com vacina oleosa 28 dias depois da primeira, no dia 14 de Novembro. A terceira dose (obrigatória na zona) administrou-se com vacina aquosa no dia 29 de Dezembro, 45 dias depois que a segunda.
Tendo em conta que era uma zona de alto risco, a pauta de vacinação não é a ideal. A segunda vacina poder-se-ia ter dado uma semana antes e a terceira definitivamente deu-se demasiado tarde.
De todas as formas, com as duas primeiras doses de vacina oleosa bem administrada teria que ter sido suficiente para não haver infecção em condições normais. Não sabemos até que ponto a elevada pressão de infecção pode superar a barreira da vacina ou a administração da vacina não é tão correcta como deveria ser.
Comentários
O seguinte caso ocorreu numa engorda de uma zona de alta densidade onde habitualmente se engordam animais da mesma exploração. Os animais tinham bons crescimentos e um bom estatuto sanitário mas historial de infecções por APP no final da engorda.
Ao fim de 3 meses de estarem na engorda, os animais estavam entre 89 e 90kg e começaram a apresentar sintomas respiratórios leves. Os animais foram tratados 3 dias com enrofloxacina, os animais continuaram na mesma situação. Os dias seguintes pareceu que os animais se tinham recuperado e que só se tratava de um processo respiratório leve causado por alguma infecção bacteriana.
Poucos dias depois os porcos apresentaram um episódio de febre grave, os animais não se levantavam e deixaram de comer. Foram recolhidas amostras de dois animais mortos e nem as necropsias nem os isolamentos microbianos foram muito significativos. No primeiro dos casos isolou-se Streptoccocus suis sensível à enrofloxacina, que nesse momento confirmou a nossa hipótese e na segunda amostra não conseguiram isolar nenhum patógeno.
O facto de haver um episódio de febre tão importante e que a enrofloxacina não tivesse nenhum efeito sobre a patologia fez-nos pensar num processo vírico. Os vírus mais habituais nesta etapa do crescimento do porco são a influenza e a Aujeszky. Na zona onde a exploração está situada, durante esses dias tinha havido vários casos de positivizações de Aujeszky. Além do mais, o pavilhão que primeiro se afectou foi o que está junto à estrada que tem muito transito de camiões. Tampouco podemos esquecer as escassas medidas de biosegurança da exploração, há sempre a possibilidade de que a infecção tenha entrado por outras vias. O contacto com vizinhos, que na sua grande maioria também tem explorações, seempre pode ser perigoso.