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Caso clínico: Balantidium coli

As diarreias em leitões são umas dos principais motivos de mortalidade. Na exploração apareceram diarreias às 9-10 semanas que sendo tratadas não passaram.

30 Abril 2003
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Descrição da exploração



Trata-se de uma exploração de ciclo semi-fechado (40% dos porcos são engordados noutra instalação até aos 165-170 kg enquanto que os 60% restantes são vendidos aos 35-40 kg) de 450 porcas localizada na região de Emilia-Romagna no Norte de Itália.

O estado sanitário da exploração é:

PRRS +
EA -
EP +
APP +
Sarna +

As primíparas de substituição nascem e são criadas na própria exploração a partir de um núcleo de porcas avós que entram 2 vezes por ano após um período de quarentena num local totalmente separado do resto da exploração.

Os reprodutores são vacinados contra: Parvovirus- Mal Rubro, Aujeszky e Gripe enquanto que o plano vacinal dos leitões se baseia na dupla vacinação contra Mycoplasma hyopneumoniae aos 5-7 dias de vida e aos 25 dias e contra a Doença de Aujeszky aos 70 e 90 dias de vida.

A produtividade é boa, cerca dos 23,5 leitões/porca produtiva/ano, 2,45 partos/porca produtiva/ano e 9,6 leitões/parto.

A mortalidade durante o período post-desmame (4 a 12 semanas de vida) no sítio 1 encontra-se perto dos 3% enquanto que durante a fase de engorda, no sítio 3 separado, se encontra ao redor de 1,5%.

Os leitões desmamam-se aos 22-26 dias de vida e procedem de duas salas de partos diferentes passando a ocupar uma nave de desmame vazia, lavada e desinfectada, com separações e grelhas de ferro galvanizado.

A ventilação realiza-se através de extracção automática, sendo o ar de entrada procedente do corredor da nave. As temperaturas regulam-se através de um termostato e um sistema de aquecimento.

O tipo de ração que consomem os leitões na lactação durante os primeiros dias do desmame é medicado com amoxicilina (350 ppm) e colistina (140 ppm). Depois é-lhes fornecida uma ração fabricada na exploração a partir de um núcleo comercial, suplementado com lincomicina-espectinomicina (44 ppm + 44 ppm) durante três semanas. No final da fase de desmame (10-11 semanas de vida) a ração utilizada já não leva medicação.

Aparecimento do caso



Durante o mês de Setembro de 2001, o suinicultor advertiu da presença de diarreia em porcos de entre 9 a 10 semanas de vida alojados numa única sala de desmame. O tratamento farmacológico realizado (fluoroquinolona via i.m., segundo o protocolo indicado pelo veterinário para casos de diarreia nesta fase) não deu nenhum resultado.

A exploração, positiva para coccidiose devido a Isospora suis durante a lactação, instaurou há vários meses um tratamento profilático com toltrazuril durante o 2°-3° dia de vida dando bons resultados, já que praticamente desapareciam os problemas de diarreias nas salas de parto.

Primeira visita à exploração



No momento da primeira visita a temperatura ambiental era excessivamente elevada para animais dessa idade e peso (Tª próxima aos 27ºC).



Os porcos afectados, cerca de uma vintena alojados pelo suinicultor em duas baterias de desmame mas procedentes de todas a baterias da sala, apareciam notavelmente débeis, ligeiramente deprimidos, com a cabeça e pescoço reclinados quando deambulavam, movendo-se de forma lenta e torpe quando se retiraram da bateria e se deixaram no corredor. Em um dos leitões observou-se ataxia (incoordenação) da parte posterior, particularmente durante as mudanças de direcção.






Alguns animais apresentavam uma atitude de falsa cifose, devido à dor abdominal. Ao tomar a temperatura corporal em alguns animais, observaram-se valores entre 40,5 e 41,3 °C .Observou-se também diarreia profusa, mucóide e pegajosa, de cor variável entre ocre-castanho claro a castanho-esverdeado, com presença de material não digerido. Em alguns animais observou-se presença de hemorragia. Num caso, a introdução do termómetro no recto provocou uma hemorragia evidente.

As condições corporais dos animais afectados eram francamente péssimas, com desidratação e uma perda de peso estimada de 50% em comparação com os demais animais da mesma idade e nave de desmame.



A morbilidade observada encontrava-se cerca dos 11 a 12% (20 animais afectados de 163 desmamados), enquanto que a mortalidade foi próxima aos 20% (4 animais mortos de 20 afectados).

Resultados



Lesões anatomo-patológicas

As primeiras autópsias realizaram-se em quatro porcos. Os dois primeiros foram entregues no laboratório após a sua morte na exploração enquanto que os outros dois, ainda vivos, foram abatidos para se poder apreciar as lesões.

Em todos os animais se observou uma enterite localizada no intestino grosso (tiflocolite) com conteúdo fluido e uma intensa hiperemia da mucosa. Num caso se observou também um leve edema do mesocólon.

Análises laboratoriais

As análises realizadas sobre o intestino foram dirigidas para os principais agentes patógenos causantes de enterite.

As técnicas de isolamento e de cultivo enriquecido foram negativas para Salmonella spp., E.coli K88+ e Brachyspira spp. A PCR para Lawsonia intracellularis também foi negativa. A busca de vírus entéricos (Rota e Corona) em amostras do conteúdo intestinal através de microscopia electrónica resultou negativa.

Realizou-se também um exame microscópico do conteúdo intestinal fresco para determinar a presença de protozoários intestinais flagelados/ciliados, Balantidium cuela e Trichomonas spp.) ou de ovos de helmintas mediante flutuação em solução ZnCl2/NaCl. O exame resultou positivo só para os protozoários, com infestação de B. coli que o médico veterinário, com uma experiência de vários anos no laboratório, referiu como "nunca vista".

Os dados serológicos (indirectos) e virológicos (directos) excluíram a circulação dos vírus do PRRS, Gripe e Aujeszky. O único resultado positivo (mediante PCR) foi para o PCV2, mas em ausência de um quadro clínico evidente de síndroma do emagrecimento pós-desmame (PMWS).

Exame microscópico das fezes frescas

O exame microscópico realizou-se várias vezes sobre amostras de fezes diarreicas recolhidas do recto pelo veterinário.



A 100 aumentos tornaram-se evidentes muitas formas ovaladas móveis, que foram identificadas como trofozoíto de Balantidium coli. Os movimentos, muito velozes no princípio, em poucos minutos tornavam-se mais lentos, pelo esfriamento do material fecal.

A presença do parasita nas fezes foi confirmado em todas as amostras, com um número de trofozoíto por campo visual (100x) que, em alguns casos, foi superior a 10.




Medidas tomadas

Devido às más condições em que se encontravam os animais e a uma falta de apetite decidiu-se realizar os tratamentos via parenteral. Num primeiro momento, e antes de realizar qualquer hipótese sobre o diagnóstico, utilizou-se uma fluoroquinolona, sem êxito.

Seguidamente procurou-se um tratamento específico para B. coli que, segundo a bibliografia, devia realizar-se à base de derivados de imidazóis (p.e dimetridazol), não registrado para seu uso em porcos ainda que se utilize como fármaco em humanos.

Outras fontes indicaram a utilização de sulfamidas, tetraciclinas e aminosidina, todos eles antibióticos que deram escassos resultados clínicos.

Os porcos crónicos, com más condições corporais, foram eliminados, enquanto que outros animais, mais recuperados, foram levados para o matadouro.

Apareceram novos casos, mas a incidência não foi constante nas diferentes bandas de leitões desmamados.

Comentarios



O problema aparece numa exploração de 450 porcas localizada na região de Emilia-Romagna no Norte de Itália onde 40% dos porcos se engordam noutra exploração enquanto que os restantes 60% se vendem aos 35-40 Kg.

Os leitões desmamam-se aos 22-26 dias de vida e procedem de duas salas de partos diferentes passando a ocupar uma nave de desmame.

Durante o mês de Setembro de 2001, o Suinicultor observou a presença de diarreia em porcos de entre 9 a 10 semanas de vida alojados numa única sala de desmame. No início deste caso de diarreia na fase pós-desmame observaram-se já umas características clínicas particulares, tornando problemática qualquer relação com os patógenos entéricos mais comuns durante esta fase.

A perda notável generalizada de condição corporal de curso crónico, depressão, hipertermia, as características da diarreia a a falta de resposta terapêutica a diferentes antibióticos com actividade de amplo espectro fez considerar hipóteses etiológicas alternativas às mais comuns.

Com os dados anatomo-patológicos e o diagnóstico de laboratório nas mãos a hipótese que Balantidium coli estava a ter um papel importante foi a mais aceite, ainda que a bibliografia encontrada sobre este tema seja pouca.

Balantidium coli é um protozoário ciliado, considerado hóspede comensal do intestino grosso dos porcos. Existem, por outro lado, algumas fontes que lhe atribuem uma acção patógena, em particular na fase de pós-desmame, nos casos em que a sua colonização alcança níveis de invasão real da mucosa e submucosa do intestino grosso. Cabe comentar que o veterinário se encontrava ante um agente zoonótico, vista também a sua capacidade de provocar enterite no homem, com carácter hemorrágico-ulcerativo, com resultados também fatais nos casos mais graves.

Durante o diagnóstico diferencial consideraram-se os agentes patógenos mais comuns que provocam enterite em porcos durante esta idade. Em particular, dado o curso crónico do quadro clínico, se orientou ante tudo para Brachispira hyodysenteriae e B. pilosicoli, este último particularmente devido à idade dos animais. À parte das duvidas provocadas alguns sinais clínicos (febre, características da diarreia), as análises de laboratório excluíram estes dois agentes. A presença de hipertermia e o curso crónico da doença fizeram pensar na possível presença de Salmonella spp., mas esta hipótese foi eliminada após a observação das lesões macroscópicas e os resultados negativos das análises realizadas. A hipótese de presença de Lawsonia intracellularis, também foi descartada mediante o diagnóstico do laboratório. A possibilidade de que a doença fosse causada por E. coli hemolítica foi descartada quase em seguida visto o curso crónico do quadro clínico e a falta de resposta terapêutica às fluoroquinolonas. Um eventual quadro de coccidiose grave devida a Isospora suis, raramente assinalada na bibliografia sobre animais desta idade, foi excluída pela falta de resposta terapêutica à utilização de sulfamida via parenteral. As análises para agentes virais Rota e Corona e para parasitas intestinais sempre deram um resultado negativo.

Fica sem esclarecer o porquê deste parasita comensal ter podido, no caso descrito, encontrar as condições óptimas para invadir de forma massiva o intestino dos porcos afectados. Na ausência de qualquer diagnóstico dos agentes patógenos primários clássicos (bactérias, vírus ou endoparasitas, que teriam podido desenvolver uma acção de tipo "door-opener"), não sobrava outra alternativa que a hipótese de uma relação com factores nutricionais, entre os que têm uma particular importância os hidratos de carbono da dieta, sobretudo por um excesso em relação à fracção proteica. Desde o ponto de vista fisiopatológico, a acidose láctica que se consegue ao nível do cólon é capaz de prejudicar a integridade da mucosa, criando assim as condições óptimas para uma proliferação anormal de B. coli.

Para finalizar parece interessante descrever o que ocorreu 4 meses depois:

O quadro clínico gastroentérico não desapareceu nunca completamente, ainda que as perdas não tenham sido relevantes, menos de 5% durante todo o período pós-desmame. Mas, a partir de Janeiro de 2002, e sempre cerca das 9-10 semanas de vida, começaram a observar-se graves problemas respiratórios (pneumonias intersticiais), perda de peso rápido dos porcos afectados e uma mortalidade ao redor dos 15%. Ainda se observava diarreia e o diagnóstico clínico, virológico e anatomo-patológico concluiu que se tratava de PMWS.

É possível que 4 meses antes a exploração se encontrasse ante a presença de uma forma de PMWS "entérica", menos grave que o habitual? E se a origem do PMWS não é tanto o PCV2 como uma desordem do sistema imunitário que o torna patogénico, a grande proliferação de B. coli não poderia ser um sinal de imunosupressão como no homem?

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