Os acordos económicos e comerciais globais entre a UE e outras zonas geográficas do planeta, como o recentemente subscrito com o Canadá, conformam um novo e curioso quadro jurídico ao qual os operadores económicos que pretendam aceder a estes mercados se devem adaptar. O sector suíno, com o seu potencial exportador, é um dos mais interessados em conhecer as principais mudanças que, a nivel jurídico, podem orientar as novas relações comerciais.
O Acordo Económico e Comercial Global (AECG), conhecido também como CETA, é o primeiro acordo comercial entre a UE e uma das principais economias mundiais, o Canadá. O acordo comercial bilateral é o mais amplo, negociado até à data, e vai afectar especialmente as exportações de bens e serviços da UE para o Canadá, e vice-versa.
A assinatura do acordo não implica um reconhecimento directo da legislação própria de cada mercado de destino, mas sim a necessidade de adoptar medidas de cooperação entre os organismos legislativos e de que as normas entre a UE e o Canadá sejam mais compatíveis, garantindo ao mesmo tempo a protecção dos seus cidadãos contra os riscos para a saúde, a segurança e o meio ambiente. Isto supõe um difícil equilíbrio entre a defesa do mercado e a protecção dos direitos básicos dos seus respectivos cidadãos.
A abordagem da situação pode ser diferente, atendendo, principalmente, à tipologia de normativa a aplicar em cada caso. Assim, com alguns pressupostos, os operadores económicos podem cumprir uma única legislação, sempre que a normativa afectada tenha o mesmo efeito, e em outros ambas as partes poderão aproximar as suas legislações próprias a aspectos reconhecidos internacionalmente para reconhecerem mutuamente uma livre circulação de produtos em ambos os territórios comerciais. E, no caso de normas muito divergentes, a fórmula a desenvolver seria a de uma adaptação consensual na aplicação das mesmas em cada caso concreto.
Num futuro imediato a fórmula de trabalho passa por uma melhor coordenação entre os legisladores de cada zona comercial, a fim de adoptar ou actualizar legislações aplicáveis aos produtos mais compatíveis entre ambos os mercados. De momento, as inovações, marcas comerciais e produtos tradicionais europeus vão ter, no Canadá, uma protecção similar à que possuem no quadro jurídico da UE. A protecção especial alcançará uma grande variedade de produtos da UE vinculados a um lugar concreto e a uma qualidade diferenciada (indicações geográficas protegidas, denominações de origem,…), e no qual terão acolhimento diferentes derivados cárneos (por exemplo, o presunto de Teruel ou o presunto de Parma, entre outros).
E como diziamos, o Acordo não implica que a normativa da UE ou do Canadá seja reconhecida de forma directa em cada uma das zonas de aplicação. No entanto, ambas as partes propuseram-se a uma melhoria na transparência e uma maior cooperação entre os organismos de normalização, assim como o reconhecimento dos resultados de alguns dos controlos oficiais realizados pela outra parte para garantir que os produtos cumpram as normas.
As autoridades da UE e do Canadá, atendendo aos protestos e à polémica gerada em alguns sectores sociais, não tardaram a manifestar que o Acordo não afectará as normas de saúde, segurança alimentar nem de meio ambiente aplicáveis, ou que sejam de aplicação, no futuro em cada território. E anunciaram que, neste sentido, continuará tudo como até agora, ou seja, que os produtos canadianos ou da UE, para poderem ser importados ou vendidos nos mercados objecto do Acordo, devem estar conformes com a normativa da zona de destino. Portanto, segundo manifestam, e num início, em nada afecta o Acordo às restricções que são aplicadas na UE relativamente aos OMG ou à carne tratada com determinadas hormonas de crescimento.
O que é evidente é que ambos os sistemas legislativos não são homogéneos e que, para evitar problemas à importação e comercialização dos mesmos em ambas as zonas comerciais, os critérios vinculados à conformidade legal dos produtos irão passar por uma necessária evolução em direcção a uma harmonização de princípios básicos para garantir que os alimentos comercializados sejam seguros e não afectem a saúde do consumidor final, além de garantir, de forma adicional, o cumprimento de outros factores vinculados à qualidade comercial, sustentabilidade, respeito cultural e religioso, ética, bem-estar animal e competitividade leal entre operadores.
A partir de agora, devemos permanecer muito atentos e expectantes com a interpretação de ambos os reguladores no que respeita ao princípio de precaução, direitos fundamentais dos consumidores, diferentes elementos que compõem a análise de risco ou a extensão da responsabilidade derivada de não conformidade e da insegurança dos alimentos importados. Fica a parte mais complexa de todo o Acordo internacional, a aplicação, o controlo da conformidade legal e a interpretação do mesmo em ambos os territórios, e que compete principalmente aos operadores alimentares, às autoridades encarregadas do controlo oficial e aos órgãos judiciais, tanto dos Estados Membros como da UE.