O impacto relativo dos problemas digestivos na produção suína está a ser cada vez maior. O desmame é um momento crítico para a fisiologia digestiva do leitão porque coincidem uma série de factores predisponentes bem conhecidos que acarretam um grande stress para um animal ainda muito imaturo. Entre eles destacam-se a separação da mãe e o fim do fornecimento de leite, a mudança de lugar (por vezes com transporte), as misturas, a nova ordem social, etc. Um factor fundamental é a mudança para uma dieta sólida, que deve ser muito especializada e adaptada à fisiologia digestiva do leitão.
Muitas das explorações tecnologicamente avançadas actualmente estão a desmamar acima dos 28 leitões por porca e ano, que frequentemente são alojados em instalações desenhadas há muito tempo, quando o número de leitões desmamados por porca era consideravelmente menor. Isto conduz a uma sobre-lotação e uma maior dificuldade de acesso ao comedor e ao bebedouro que são factores que também contribuem para as alterações digestivas. No mesmo sentido, estes leitões procedem de porcas cada vez mais magras e hiperprolíficas, que pariram ninhadas muito numerosas cujos leitões receberam uma quantidade menor de leite que a desejável.
Os agentes infecciosos que podem intervir na etiologia da diarreia ao desmame são muito numerosos. As mudanças na fisiología digestiva do leitão fazem que, nesta fase, possam actuar tanto os agentes que afectam principalmente o intestino delgado como outros que exercem a sua acção patogénica principalmente sobre o intestino grosso. Os principais agentes implicados são:
- Escherichia coli
- Salmonelas
- Diarreia por espiroquetas: Brachyspira pilosicoli
- Disenteria: Brachyspira hyodysenteriae
- Enteropatia proliferativa: Lawsonia intracellularis
- Clostridium perfringens tipo A
- Rotavirus
- Vírus da diarreia epidémica suína
- Criptosporidios
- Nemátodos: Trichuris suis
- Outros: Campylobacter coli, Yersinia enterocolitica
Muitas das explorações actuais têm um estatuto sanitário muito elevado e estão livres de agentes claramente patogénicos para o leitão desmamado. Nestas explorações a diarreia pós-desmame é frequentemente causada por uma disbiose intestinal, que tem sido definida como “um estado instável com alterações quantitativas e qualitativas na flora intestinal, na sua actividade metabólica ou a sua distribuição local” ou também como um “estado no qual a microbiota produz efeitos negativos através de alterações qualitativas e/ou quantitativas na própria microbiota intestinal, alterações nas suas actividades metabólicas ou alterações na sua distribuição local”.
Bateria de alta qualidade e produtividade sem estar sobrelotada
Gestação com alimentação automática |
Na maioria destes casos (explorações de alta produtividade e sanidade) o agente que é isolado no diagnóstico de laboratório é Escherichia coli com mais ou menos factores de virulência, Clostridium perfringens ou ambos. Na nossa opinião, estes isolamentos são a “ponta do iceberg”: estes E. coli patogénicos ou o Cl. perfringens também se encontram no intestino de leitões sãos, portanto o que há na realidade e uma alteração qualitativa e quantitativa na microbiota, ou seja, uma disbiose.
A solução clássica após o isolamento e, neste caso, o antibiograma, é a aplicação de tratamentos antibióticos, que em muitas ocasiões não resolvem o problema, ou agravam-no. Além disso, as próprias empresas proprietárias destas explorações estão a pedir aos veterinários assistentes que reduzam ao máximo o uso de antibióticos pelas pressões legislativas e pela procura dos consumidores e das cadeias de distribuição.
É conssiderado que, nestas circunstâncias, é especialmente importante abordar o problema da diarreia pós-desmame de um ponto de vista mais amplo. É necessário entender o que é que está a acontecer e que circunstâncias estão a ocorrer para que bactérias que estão também na microbiota dos leitões sãos se multipliquem de tal forma que sejam capazes de causar diarreia.
O estudo da microbiota intestinal humana é um campo que está a alcançar um enorme crescimento nos últimos anos pela sua influência na saúde, especialmente na saúde digestiva. Actualmente, estão ao alcance técnicas e ferramentas de biologia molecular que permitem realizar estudos impossíveis não há muito tempo, tanto pela sua complexidade como pelo seu custo.
A aplicação destas ferramentas em medicina veterinária possibilita caracterizar a microbiota digestiva e a disbiose que causa a diarrreia. Do mesmo modo, é possível determinar a resposta que esta microbiota tem perante qualquer factor que possa influir nela. Estudar a resposta a modificações na dieta ou no manejo ou à aplicação de vacinas, antibióticos, probióticos, prebióticos, fitobióticos, etc. permite corrigir a disbiose pontualmente e, o que é mais importante, estabelecer a causa da eficácia ou da ineficácia de qualquer medida de controlo que se pretenda aplicar com a finalidade também de a prevenir em lotes posteriores de leitões.