Características e ecologia da E. coli
Características bacterianas da E. coli patogénica
A E. coli é uma bactéria gram-negativa de forma bacilar que habita na microflora ou ecossistema intestinal da maioria das espécies de mamíferos e aves, incluindo o porco. A E. coli pode classificar-se em 150 a 200 serotipos ou serogrupos segundo os antígenes somáticos (O), capsulares (K), fimbriais (F) e flagelares (H) (figura 1). A maioría das E. coli são comensais, ou seja, residem no intestino mas não são prejudiciais para o hospedeiro. Só uma pequena proporção de estirpes são patogénicas e se classificam em categorías ou patótipos. Dentro de cada patótipo, as estirpes classificam-se em virótipos, segundo a combinação de factores de virulência. As estirpes de um patótipo específico pertencem a um número limitado de serotipos ou clones.
Figura 1. Representação esquemática de uma bactéria E. coli mostrando os factores de virulência
e antígenes de superfície utilizados para a classificação bacteriana por virótipo e serotipo.
As estirpes do patótipo mais importante em porcos, a E. coli enterotoxigénica (ETEC), produz uma ou várias toxinas de uma classe, chamadas enterotoxinas, que actuam nas células epiteliais intestinais para induzir a secreção de água e electrólitos para o lúmen intestinal, causando os sinais clínicos de diarreia.
A ETEC é capaz de aderir e colonizar a mucosa intestinal para permitir a libertação de uma quantidade suficiente de enterotoxina para produzir a diarreia. Esta adesão é mediada por estruturas da superfície bacteriana, similares a pêlos, chamadas fimbrias ou pili (figuras 1 e 2). Enquanto que a ETEC com F5 (K99), F6 (987P) ou F41 se limita principalmente a leitões até à primeira semana de idade, a ETEC positiva a F4 (K88) associa-se à diarreia em leitões após o destete. A ETEC positiva a F18 só se encontra no período pós-desmame.
Figura 2. Bactéria ETEC produzindo adesinas fimbriais similares a pêlos na sua superfície e aderindo às células epiteliais intestinais num porco com diarreia, como se observa mediante microscopía electrónica.
Com efeito, a ETEC associada à diarreia pós-desmame normalmente produz F4 (K88) ou, as recentemente identificadas, fimbrias F18. A importência relativa na diarreia pós-desmame da produção por ETEC destes 2 tipos de fimbrias varia de um país para outro. Quase todos os F4 (K88) examinados pertencem à variante F4ac (K88ac) e com frequência, simplesmente, se faz referência a estes como F4(K88). No caso de F18, há 2 variantes conhecidas, ab e ac. Até há pouco tempo, a F18ac associava-se normalmente à diarreia pós-desmame, enquanto que F18ab se associava à doença dos edemas.
Agora descobriu-se que ambas variantes podem estar relacionadas com casos de diarreia e de doença dos edemas.
Ecologia
As infecções intestinais devidas a ETEC são, frequentemente, contagiosas e é encontrada a mesma estirpe em grandes quantidades em porcos doentes e de um lote para outro. Normalmente estas estirpes só se eliminam durante poucos dias após aa infecção, provavelmente devido ao desenvolvimento da imunidade.
Tabela 1. Relação entre os sinais clínicos, prevalência e período associado às diferentes
doenças clínicas causadas por E. coli.
Doença clínica | Período1 | ||||
Neonato2 | Lactante | Desmamado | Engorda | Adulto | |
Diarreia neonatal3 Diarreia aquosa intensa, desidratação, mortalidade até 70% nas ninhadas afectadas |
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Septicémia Choque, depressão, morte, poliartrite |
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Diarreia em porcos jovens Baixa mortalidade, diarreia menos intensa, descida no ganho de peso |
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Colibacilose entérica complicada por choque Morte rápida, cianose das extremidades, diarreia |
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Doença dos edemas3 Morte súbita, possível paralisia e edema das pálpebras, mortalidade esporádica até 65% |
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Diarreia pós-desmame3 Mortes ao início, com diarreia de intensa a moderada, descida no ganho de peso, mortalidade até 25% em porcos não tratados |
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Infecção urogenital Cistite esporádica a frequente depois da cobrição, pielonefrite às 2 semanas pós-parto |
1 Períodos de idade mais frequentemente afectados a cor de laranja; 2 Primeiros dias; 3 Doenças clínicas mais importantes
Aspectos clínicos e factores de risco
Sinais clínicos, alterações patológicas e patogénese das infecções por E. coli
Cerdos destetados
A moerte súbita de um ou vários porcos, a descida do consumo de ração e a diarreia aquosa estão relacionadas com a infecção por ETEC positiva a F4 ou a F18, normalmente durante a primeira semana após o desmame. Os síntomas da diarreia pós-desmame podem ser menos intensos que os observados ao nascimento e frequentemente leva a uma descida no ganho de peso. Os aspectos patológicos e o mecanismo que causa a doença são parecidos aos observados nos neonatos (figura 3).
Figura 3. Descrição do mecanismo pelo que a ETEC causa a doença.
Na doença dos edemas devida à infecção por E. coli positiva a F18 e produtora de shigatoxina (STEC), pode-se observar morte súbita sem sinais de doença prévia. Pouco antes da morte pode produzir-se diarreia, por vezes hemorrágica e movimentos respiratórios forçados.
Factores de risco para a doença por E. coli
Porcos desmamados
Os porcos são mais susceptíveis à infecção por ETEC no período posterior ao desmame. Isto é devido a diversos factores, incluindo o stress do desmame, a perda de anticorpos procedentes do leite materno e mudanças na dieta.
A idade do desmame pode ser um factor de risco para o desenvolvimento da diarreia pós-desmame, já que porcos desmamados às duas semanas de idade ou menos têm o dobro da probabilidade de desenvolver diarreia que os desmamsdos às 5 semanas de idade.
A dieta é um dos factores mais importantes que influenciam no curso da doença em porcos desmamados. A presença de certos ingredientes na ração, como a soja, parece favorecer o aparecimento de diarreia pós-desmame. Isto poderia ser devido à presença de ihibidores da tripsina ou antígenes que induzem uma resposta imune localizada.
A presença de ETEC no ambiente dos porcos é um factor de risco importante na diarreia, já que estas bactérias são capazes de sobreviver durante, pelo menos, seis meses no ambiente se estiverem protegidas pelos efluentes.
A presença de infecções por outros agentes patogénicos pode promover o aparecimento de diarreia pós-desmame. Por exemplo, a infecção pelo vírus do Sindroma Reprodutivo e Respiratório Suíno (PRRSv) que leva a uma diminuição da eficácia do sistema imunitário, permitindo à ETEC causar uma septicémia que conduz à morte.
Há uma variação individual na susceptibilidade à infecção por ETEC nos porcos. Certos animais não têm receptores para a aderência de F4 nas células epiteliais intestinais e, portanto, são geneticamente resistentes à infecção por ETEC positivo a F4.
Do mesmo modo, alguns porcos não têm o receptor para as fimbrias F18 e são, portanto, resistentes à colonização por ETEC positivo a F18.