As consequências da dinâmica de infecção do circovírus suíno tipo 2 (PCV2) em explorações de porcos podem depender de diferentes factores tais como o genótipo do vírus, a via de transmissão, a carga viral, o momento da infecção, a presença de certas co-infecções, as práticas de manuseamento e a genética do hospedeiro e o sistema imunitário. Especificamente, esta revisão tem como foco o efeito da carga viral do PCV2 no soro sobre o ganho médio diário (GMD) de suínos na fase de pós-desmame.
Inicialmente o PCV2 foi relacionado com a doença sistémica por circovírus suíno tipo 2 (ES-PCV2, anteriormente conhecida como PMWS: síndrome da ausência de crescimento multisistémico pós-desmame). Um dos critérios diagnósticos que deviam ser cumpridos era a presença de uma quantidade, entre moderada e alta, de PCV2 nas lesões linfóides. Em consequência, a carga de PCV2 é tida como um indicador de ES-PCV2 em diversos estudos (com um umbral diagnóstico entre >104,7 e 107,4 cópias de genoma de PCV2/ml de soro, dependendo do laboratório de análise). Além disso, foi sugerido o diagnóstico de ES- PCV2 a nível de população mediante a medição da carga de PCV2 em pools de soro, a avaliação clínica e o diagnóstico de outras doenças concomitantes no momento do surto clínico. Quando a vacinação frente a PCV2 começou a ser comum, foi descrita uma nova patologia relacionada com PCV2: a infecção sub-clínica por PCV2 (SI-PCV2). Trata-se da patologia por circovírus com uma maior prevalência, já que corresponde a porcos infectados com uma carga viral pequena ou moderada e sem sinais clínicos evidentes, mas com um atraso do crescimento que, por norma, não se detecta à primeira vista. Um sinal característico de ambas as patologías (ES-PCV2 e SI-PCV2) é a redução do GMD no pós-desmame, no entanto, seguem com diferentes severidades, o que sugere que a carga viral pode influenciar a gravidade da clínica.
Imagem 1. É normal encontrar porcos com pesos heterogéneos nas explorações afectadas por ES-PCV2 e SI-PCV2. Um dos factores que contribuem para essa situação é a diferente carga vírica no soro de cada porco durante o periodo pós-desmame.
Para ilustrar o efeito da carga de PCV2 sobre o GMD, serão apresentados e discutidos os resultados de um estudo realizado no campo. Dito estudo pretendia avaliar se a infecção sistémica por PCV2, em termos de duração e quantidade de virémia, produzia um efeito carga-dependente sobre o GMD desde a semana 3 (desmame) à 21 (matadouro). Para isso foi realizado um estudo em duas explorações que não vacinavam frente a PCV2 com casos de ES-PCV2 e SI-PCV2. O desenho incluía três linhas de machos finalizadores diferentes que eram utilizadas para inseminar 117 porcas em ambas as explorações. Foram seleccionados um ou dois leitões por porca (60, 61 e 51 leitões de linha paterna Pietrain, Pietrain x Large White e Duroc x Large White, respectivamente). Foram-lhes recolhidas amostras de sangue às 3, 9, 15 e 21 semanas para calcular a carga de PCV2 no soro mediante uma PCR quantitativa (qPCR). Os porcos foram pesados às 3 e 21 semanas para calcular o GMD entre o desmame e o abate. Um método para calcular a duração e a quantidade de virémia por PCV2 em cada indivíduo é o cálculo da área por baixo da curva (ABC) que se forma ao desenhar a linha que une cada valor obtido mediante a qPCR em cada momento (fig. 1).
Figura 1. Exemplo do cálculo da área por baixo da curva das qPCR frente a PCV2 em cada indivíduo (neste caso no porco nº 84).
Então as ABC das qPCR foram classificadas como “negativa ou baixa” (para os valores <104,3 cópias de genoma PCV2 /ml de soro), “média” (≥104,3 a ≤105,3) ou “alta” (>105,3). Na análise estatística também foi tido em conta o sexo dos leitões, o título de anti-corpos frente a PCV2 ao desmame e ao número de parto da porca. Foi utilizado um modelo linear generalizado, do qual foi deduzido que a linha genética paterna e a ABC da qPCR estavam relacionadas com o GMD. O GMD observado em cada categoria de ABC de PCR é mostrado na figura 2. O GMD estimado era de 76,5 e 43,6 g/dia menor para os porcos com uma carga sérica de PCV2 “alta” e “média”, respectivamente, que para os que a tinham "negativa ou baixa", mostrando uma diferença significativa entre eles. Este cenário implica uma perda média de 13,1 € e 7,5 €/porco às 21 semanas de vida para os porcos com uma carga de PCV2 "alta" e "média", respectivamente, comparada com os que a tinham "negativa ou baixa", (assumindo um preço de 1,361 €/kg peso vivo e um periodo pós-desmame de 18 semanas). Além disso, o coeficiente de variação (CV) do GMD desde o desmame ao abate aumentou com a carga de PCV2 no soro dos leitões, sendo de 11, 13 e 19% para uma carga viral "negativa ou baixa", "média" e "alta", respectivamente.
Figura 2. GMD observada (média ± erro standart) para cada classificação de PCV2 segundo a ABC de qPCR.
*a, b, c indicam diferenças estatísticas entre os grupos experimentais (p<0,05).
Este estudo descreve as diferenças no crescimento (GMD) nas 3 populações suínas com diferentes graus de virémia por PCV2 nas que, quanto maior era a carga viral de PCV2 no soro desde o desmame ao abate, menor era o GMD. Estes resultados reforçam a noção de um efeito clínico (e económico) gradual do PCV2 sobre as populações suínas, que podia explicar os benefícios da vacinação frente a PCV2 inclusive nas explorações sem ES-PCV2, mas com SI-PCV2.