Introdução
A colza é uma planta da família das crucíferas, de um metro e meio de altura que produz sementes esféricas, de 2 a 2,5mm de diâmetro e que, uma vez maduras, são de cor castanho avermelhado ou negro. Estas sementes apresentam um conteúdo de 45% de óleo de alta qualidade nutricional e uso agro-industrial. No entanto, a semente de colza apresenta níveis consideráveis de ácido erúcico (35%) e glucosinolatos. O primeiro é um ácido gordo de cadeia longa muito difícil de oxidar e metabolizar que se arrasta com o óleo mas que pode não ficar na pequena fracção de gordura remanescente e os glucosinolatos são glucósidos que actuam como factores anti-nutricionais e que estão presentes integramente nos bagaços de colza utilizados como fonte de proteína na alimentação dos porcos. No entanto, as variedades melhoradas e actualmente utilizadas denominadas -00- ou Canola (termino canadiano que significa “Canadian Oil Low Acid”) já apresentam baíxo conteúdo em ácido erúcico (< 1% da fracção gorda) e glucosinolatos (< 15 micromoles/g). Outro factor anti nutricional da colza é a sinapina (0,6-1,8%), que é um éster de ácido sinápico e colina, com sabor amargo, que pode apresentar problemas de palatabilidade para os suínos (sobretudo nas primeiras idades). Os produtos de extracção do óleo diferenciam-se segundo o método de extracção utilizado e classificam-se em função do conteúdo remanescente de gordura apresentado pelo bagaço. No caso do prensado no frio o conteúdo em gordura pode variar entre 5 e 14% enquanto que é menor (<2,5%) ao usar outros métodos. Também o conteúdo em fibra pode condicionar o conteúdo final em proteína. O bagaço de colza apresenta um baixo conteúdo em amido depreciável, mas apresenta um alto conteúdo em fibra solúvel (FND >25%) e um conteúdo alto em pectinas. É uma boa fonte de proteína e aminoácidos sulfurados para suínos, sobretudo porcos e engorda e porcas reprodutoras. Em função da qualidade e variedade utilizada (garantia de baixa concentração em factores anti-nutricionais) pode ser um bom ingrediente também para as rações starter e pré-engorda.
Estudo comparativo dos valores nutricionais
Os sistemas utilizados na comparação são: FEDNA (Espanhola), CVB (Holandesa), INRA (Francesa), NRC (EUA) e de Brasil.
FEDNA1 | CVB1 | INRA2 | NRC1 | BRASIL2 | |
MS (%) | 91,6-88,5 | 90,4-90,6 | 88,7 | 93,1 | 89,5 |
Valor energético (kcal/kg) | |||||
Proteína bruta (%) | 29,7-36,0 | 31,6-38,8 | 33,7 | 35,2-37,5 | 36,2 |
Extracto etéreo (%) | 12,7-2,2 | 9,9-1,6 | 2,3 | 9,97-3,2 | 2,55 |
Fibra bruta (%) | 11,3-11,8 | 12,1-11,5 | 12,4 | 9,8-10,5 | 10,9 |
Amido (%) | 0,0 | 0,7-1,1 | 0,0 | 3,8-6,1 | 5,1 |
Açúcares (%) | 7,5-8,0 | 7,5-8,9 | 7,7 | - | - |
ED crescimento | 3460-2915 | - | 2760 | 3779-3273 | 2983 |
EM crescimento | 3200-2645 | - | 2530 | 3540-3013 | 2746 |
EN crescimento | 2190-1605 | 2102-1620 | 1510 | 2351-1890 | 1709 |
EN porcas | 2300-1700 | 2102-1620 | 1630 | 2351-1890 | 1840 |
Valor proteico | |||||
Digestibilidade proteína bruta (%) | 76-75 | 74 | 75 | 75-74 | 72,1 |
Composição aminoácidos (%) | |||||
Lys | 5,60-5,70 | 5,5 | 5,3 | 4,49-5,52 | 5,58 |
Met | 2,01-2,02 | 2,00 | 2,00 | 1,73-1,89 | 2,15 |
Met + Cys | 4,40 | 4,5 | 4,5 | 3,98-4,19 | 4,83 |
Thr | 4,42-4,49 | 4,4 | 4,3 | 3,47-4,13 | 4,34 |
Trp | 1,34-1,35 | 1,3 | 1,2 | 0,91-1,15 | 1,27 |
Ile | 3,95-3,97 | 3,9 | 4,00 | 4,74-3,79 | 3,62 |
Val | 5,10-5,15 | 5,1 | 5,1 | 4,63-4,75 | 4,61 |
Arg | 6,10 | 6,1 | 6,00 | 5,00-6,08 | 6,22 |
Digestibilidade ileal standartizada (%) | |||||
Lys | 71-75 | 74 | 75 | 71-74 | 76,2 |
Met | 83-85 | 81 | 87 | 83-85 | 85,9 |
Met + Cys | 79-81 | 75,5 | 84 | 79,5 | 81,7 |
Thr | 70-73 | 71 | 75 | 70 | 74,5 |
Trp | 73-76 | 71 | 80 | 73-71 | 76,1 |
Ile | 76-78 | 75 | 78 | 78-76 | 77,9 |
Val | 73-76 | 72 | 77 | 73-74 | 76 |
Arg | 76-83 | 84 | 87 | 83-85 | 85,3 |
Minerais (%) | |||||
Ca | 0,7 | 0,69-0,72 | 0,83 | 0,69 | 0,63 |
P | 1,15-1,10 | 1,02-1,07 | 1,14 | 1,15-1,08 | 1,14 |
Pfítico | 0,87-0,70 | 0,77-0,81 | 0,684 | 0,87-0,65 | 0,75 |
Pdisponível | 0,28-0,40 | - | - | - | 0,39 |
Pdigestível | 0,37-0,31 | 0,29-0,28 | 0,3648 | 0,37-0,35 | 0,4 |
Na | 0,06-0,05 | 0,04-0,01 | 0,04 | ND-0,07 | 0,1 |
Cl | 0,04-0,08 | 0,04-0,05 | 0,07 | ND-0,11 | 0,11 |
K | 1,20-1,27 | 1,14-1,26 | 1,23 | ND-1,69 | 0,55 |
Mg | 0,48-0,42 | 0,39-0,41 | 0,49 | 0,52-0,28 | - |
1Para os sistemas de avaliação FEDNA, CVB e NRC é apresentado o intervalo de valores (mínimo e máximo) procedentes da integração das diferentes classificações que estes sistemas de avaliação consideram basicamente em função do conteúdo em proteína, que difere basicamente pelo tipo de processamento e sistema de extracção da gordura e quantidade residual de gordura no bagaço, sendo FEDNA quem mais categorias de produto apresenta.
2Para os sistemas de avaliação INRA e BRASIL apenas é apresentado o dado médio já que o sistema de avaliação francês considera apenas uma qualidade como valor médio.
O intervalo de qualidades considerado pela maioria dos sistemas de avaliação para os concentrados de proteína vegetal procedentes da extracção é muito amplo, à excepção dos produtos da soja. Os intervalos dependen do sistema de extracção e da sua capacidade para extrair o óleo, que é o principal interesse desta cultura. A maioria dos sistemas de avaliação, à excepção de INRA e BRASIL que apenas consideram uma única qualidade, como mínimo consideram duas categorias em função do sistema de extracção (física ou por solventes). Este é o caso de CVB e NRC que apresentam duas qualidades ou categorias claramente diferenciadas segundo o sistema de extracção. Pelo contrário, FEDNA classifica os bagaços de colza por conteúdo em proteína e claramente destaca o nível de gordura residual da extracção como um parâmetro de classificação secundário, apresentando 4 categorias.
Para a presente revisão foram escolhidos os valores máximos e mínimos coincidindo com os extremos utilizados a nível comercial contemplados nas tabelas dos sistemas de avaliação. Ao contrário do que ocorre para outros concentrados de proteína vegetal procedentes de processos de extracção, o conteúdo em proteína não está directamente condicionado pelo nível de fibra (já que a semente de colza é processada inteira, devido às suas características), de modo que o conteúdo final em fibra entre produtos é pouco variável (CV~5%). No entanto, o tipo de processamento e eficiência do sistema de extracção determina o conteúdo residual de gordura que actúa como factor de diluição e determina maioritariamente o conteúdo final de proteína nos bagaços comercializados (R2 = -0,58). Com excepção do BRASIL que dá um coeficiente de digestibilidade da proteína mais baixo que a média (-3%), o resto dos sistemas apresentam coeficientes de digestibilidade muito semelhantes entre eles. Se bem que os coeficientes de digestibilidade da proteína sejam semelhantes entre FEDNA, INRA e NRC, os coeficientes de digestibilidade aplicados para CVB às diferentes categorias são menores. É importante destacar que, em termos de energia neta (EN), embora INRA apresente um valor mais baixo (entre -350 relativamente à média e -840 kcal/kg que as avaliações mais extremas), o valor EN para o resto de sistemas FEDNA, BRASIL, NRC e CVB é muito semelhante e claramente dependente do sistema de extracção e sua eficiência, indicando uma clara relação positiva entre o conteúdo em gordura dos produtos e o valor de EN (R2 >0,80). Cabe destacar que a diferença entre aqueles bagaços procedentes de sistemas de extracção muito eficientes com níveis residuais de gordura <3,5% claramente apresentam um diferencial de quase 500kcal EN/kg relativamente ao resto. Em termos gerais e da mesma forma que para o conteúdo em proteína, a estimativa do valor EN basicamente vem determinado pelo conteúdo em gordura dado que a fibra é constante. O conteúdo em amido (que é considerado nulo para FEDNA e INRA ou quase depreciável para CVB (<1%) mas, >5% para NRC e BRASIL) apresenta uma influência depreciável sobre o conteúdo em energia da mesma forma que o conteúdo em açúcares.
Em termos de aminoácidos totais, tomando como referência a lisina, pode-se observar que não há grandes diferenças entre FEDNA, CVB e BRASIL (<2%) embora INRA estime valores quase <7% à média e NRC de <15% para o bagaço de baixo conteúdo em proteína (~ 35%CP). No entanto, cabe destacar que o bagaço de colza apresenta alta concentração de aminoácidos sulfurados relativamente ao resto dos concentrados de proteína vegetal e, à excepção de NRC que para o mesmo bagaço dá valores mais baixos (<15%) o resto dos sistemas de avaliação apresentam valores muito estáveis com uma média >2% do conteúdo de PB (FEDNA, INRA, CVB e BRASIL). Os valores para o resto dos aminoácidos totais são bastante proporcionais à lisina para as diferentes qualidades de bagaço. O coeficiente de digestibilidade da lisina apresenta um intervalo entre 74% e 75% (FEDNA, INRA, CVB e NRC) com um extremo para o superior 96,2% de BRASIL e dois extremos para inferior de 71% para FEDNA e NRC para aqueles bagaços de baixo conteúdo em proteína <35%PB.
Descobertas recentes
1. Metanálises dos efeitos do bagaço de colza/canola duplo zero sobre o crescimento de porcos desmamados e de engorda-acabamento
Foi realizada uma meta-análise para quantificar o efeito da relação de inclusão de bagaço de colza / canola (HCC) no ganho médio diário (GMD), consumo médio diário (CMD) e conversão em leitões desmamados e em engorda - acabamento. A inclusão na dieta de HCC baixo em glucosinolatos reduziu o CMD para leitões desmamados, mas não para leitões de engorda-acabamento e teve pouco ou nenhum efeito sobre o GMD e conversão. Conclui-se que o HCC pode ser incluído como fonte proteica em dietas nutricionalmente balanceadas de porcos em crescimento e engorda, sem efeitos adversos no rendimento.
2. Substituição de bagaço de soja por bagaço de colza e feijão em dieta de porcos em crescimento acabamento: Efeito sobre o crescimento, qualidade da carne e mudanças de metabolitos
O bagaço de colza e feijão (RSM / FB) podem ser uma alternativa ao bagaço de soja importado (SBM). A inclusão de RSM / FB alterou as quantidades de ácidos gordos individuais, mas não o total de SFA, MUFA e PUFA. Reduziu o nível de glicose na carne e ácido piroglutâmico, indicando uma redução do stress oxidativo nas células musculares antes do rigor. A inclusão de RSM / FB aumentou a abundância de aminoácidos livres, metabólitos de sabor adocicado, reduziu o excesso de sabor ao aquecimento e os atributos de sabor indicaram propriedades desejáveis da carne. Para concluir, MSW / FB em dietas para suínos ajudou no crescimento e qualidade da carne de uma forma comparável ao SBM e teve um efeito positivo na qualidade da carne.
3. Dieta à base de colza modula funções imputadas ao microbioma intestinal em porcos de engorda e acabamento
O bagaço de colza é um ingrediente sustentável que pode ser usado como alternativa ao bagaço de soja importado, na produção suína europeia. A microbiota intestinal joga um papel importante na fisiologia e saúde suína mas ainda não é bem conhecido o impacto sobre a microbiota do uso da colza. Foi usada uma dieta controlo com bagaço de soja (CON) ou uma dieta experimental elevada em fibra onde foi incluído 20% de bagaço de colza (RSF) como alternativa ao bagaço de soja da CON. Foi analisada a composição e função do microbioma em amostras de conteúdo intestinal sequenciando o gen 16S rRNA e com cultivos bacterianos. Em comparação com o grupo CON, o microbioma intestinal do grupo RSF possuia um maior potencial para o metabolismo dos hidratos de carbono e energia e um menor potencial para as vias relacionadas com a patogenicidade bacteriana.
4. Aquecimento excessivo do bagaço de colza 00 não só reduz digestibilidade dos aminoácidos mas também a energia metabolizável quando quando fornecida a porcos de engorda
O presente trabalho avaliou a hipótese de que tanto o grau de aquecimento como o tempo durante o qual é aplicado o calor afectarão a concentração de ED e EM, a digestibilidade ileal aparente (AID) e a digestibilidade ileal standartizada (SID) dos aminoácidos (AA) do bagaço de colza 00 (HC-00) em porcos de engorda. Foi observado que não houve efeitos do autoclavado a 110 °C sobre a ED, a EM nem sobre a AID nem a SID de AA em HC-00, mas a ED, a EM, a AID e a SID de AA foram menores quando a HC-00 foi autoclavada a 150 °C em comparação com 110 °C. A 150 °C, houve redução da ED, a ME, a AID e a SID de AA à medida que o tempo de aquecimento foi aumentado. Em conclusão, o autoclavado a 110 °C não afectou a EM nem SID de AA na HC-00, mas o autoclavado a 150 °C teve efeitos negativos sobre a EM e a SID de AA que se tornaram mais fortes à medida foi aumentado o tempo de aquecimento.
5. Previsão dos valores líquidos de energia no bagaço de colza extraída com dissolvente e prensada em porcos de engorda
Este estudo foi realizado para determinar a energia líquida (EN) do bagaço de colza prensado (HCP) e extraído com dissolvente (HCED) e estabelecer as equações para prever a EN do bagaço de colza na alimentação de porcos de engorda. Os valores de EN foram 10,80 e 8,45 MJ/kg MD para HCP e HCED, respectivamente. O valor EN estava positivamente correlacionado com a energia bruta (EB), energia digestível (ED), energia metabolizável (EM) e extracto etéreo (EE) e isto poderá se utilizado para determinar rapidamente a EN no bagaço de colza quando é desconhecida a ED ou a EM. O valor de EN do bagaço de colza pode ser previsto correctamente com base no conteúdo de energia (EB, ED e EM) e uma análise posterior.
Referências
FEDNA: http://www.fundacionfedna.org/
FND. CVB Feed Table 2016. http://www.cvbdiervoeding.nl
INRA. Sauvant D, Perez, J, y Tran G, 2004, Tables de composition et de valeur nutritive des matières premières destinées aux animaux d'élevage.
NRC 1982. United States-Canadian Tables of Feed Composition: Nutritional Data for United States and Canadian Feeds, Third Revision.
Rostagno, H,S, 2017, Tablas Brasileñas para aves y cerdos, Composición de Alimentos y Requerimientos Nutricionales, 4° Ed.