Introdução
O trigo farinável hexaplóide ou trigo mole (Triticum aestivum) pertence à família das gramíneas, é uma herbácea monocotiledónea que se cultiva em todo o mundo sendo a principal área de cultivo a zona temperada do hemisfério norte. Por ser a variedade farinável utilizada para a panificação, é a mais cultivada, disponível e comummente utilizada na alimentação animal, ainda que, por vezes se encontre misturado com o trigo duro (Triticul durum), a variedade tretraplóide cultivada para a indústria da pasta e da sémea. Esta mistura pode induzir a variabilidade sobretudo no que aos conteúdos em fibra, proteína e energia se refere.
É composto, aproximadamente, por 2,5 % de gérmen, 15% de sémea (pericárpio e testa), e 82,5 % de endosperma (incluindo a aleurona). O trigo constitui uma das principais fontes de energia nas dietas para suíno, já que apresenta um conteúdo em amido de cerca de 59,5 % e é mais rico em proteína que outros cereais (10 - 12 %) como o milho (7,5 - 8 %) ou a cevada (9,5 - 11 %), facilitando a substituição do milho em dietas altas em energia e permitindo reduzir a incorporação de fontes de proteína (típica situação de dietas para leitões). Contudo, similar conteúdo em fibra, mas baixo conteúdo em lípidos (2 %) faz com que o trigo apresente um menor valor energético que o milho (EM/kg). Ainda que nos suínos seja menos relevante que na avicultura, a presença de pentosanos (4 - 5 %, entre eles os arabinoxilanos), que são cadeias de hidratos de carbono que aumentam a viscosidade da digesta, podem representar um problema sobretudo em animais jovens. O trigo mole é relativamente pobre em lisina (cerca de 2,9 % da proteína) mas devido ao seu maior conteúdo em proteína, o aporte total de lisina e de outros aminoácidos é superior a outros cereais tipicamente energéticos como o milho. Tal como ocorre noutros cereais de uso comum nos suínos, o trigo mole é pobre em minerais e vitaminas. Por último, o trigo possui uma actividade fitásica endógena não negligenciável quando se utiliza sob a forma de farinha, mas há que ter em conta que esta se neutraliza no processo de granulado. O trigo mole, basicamente melhorado devido ao seu conteúdo em amido e glúten (10 % de gluteínas na fracção do glúten) para optimizar os processos de panificação, confere às rações características reológicas de plasticidade e compactação que o tornam ideal para melhorar a qualidade do granulado e o rendimento do processo de granulação.
Produção e comércio
Nos gráficos apresentam-se os dados de produção e comércio do conjunto de trigos.
Produção
Comécio
Estudo comparativo dos valores nutricionais
Os sistemas utilizados na comparação são: FEDNA (Espanha), CVB (Holanda), INRA (França), NRC (EUA) e o do Brasil.
FEDNA1 | CVB | INRA | NRC | Brasil | |
MS (%) | 88,7 - 89,7 | 85,8 | 86,8 | 86,38 | 87,5 |
Valor energético (kcal/kg) | |||||
Proteína bruta (%) | 10,2 - 12,9 | 11,2 | 10,5 | 10,92 | 11,5 |
Extracto etéreo (%) | 1,4 - 1,6 | 1,4 | 1,5 | 1,4 | 1,6 |
Fibra bruta (%) | 2,3 - 2,4 | 2,3 | 2,2 | - | 2,4 |
Amido (%) | 58,4 - 60,6 | 58,9 - 60,3 | 60,5 | 60,0 | 56,7 |
Açúcares (%) | 1,5 | 2,7 | 2,4 | - | - |
ED crescimento | 3475 - 3570 | - | 3310 | 3450 | 3340 |
EM crescimento | 3390 - 3470 | - | 3210 | 3376 | 3243 |
EN crescimento | 2485 - 2500 | 2521 | 2510 | 2595 | 2498 |
EN porcas | 2500 - 2540 | 2521 | 2540 | 2595 | 2556 |
Valor proteico | |||||
Digestibilidade proteína bruta (%) | 86 - 87 | 81 | 84 | - | 86,4 |
Composição aminoácidos (% PB) | |||||
Lys | 2,72 - 2,82 | 3,10 | 3,10 | 3,21 | 3,03 |
Met | 1,55 - 1,61 | 1,80 | 1,70 | 2,01 | 1,75 |
Met + Cys | 3,80 - 3,91 | 4,30 | 4,20 | 2,84 | 4,11 |
Thr | 2.85 - 2,91 | 3,20 | 3,20 | 3,21 | 3,16 |
Trp | 1,10 - 1,13 | 1,30 | 1,30 | 1,28 | 1,33 |
Ile | 3,50 - 3,64 | 3,80 | 3,80 | 3,11 | 3,80 |
Val | 4,25 - 4,36 | 4,80 | 4,70 | 4,30 | 4,65 |
Arg | 4,55 - 4,83 | 5,30 | 5,30 | 4,76 | 5,13 |
Digestibilidade ileal standardizada (% PB) | |||||
Lys | 84 | 84 | 81 | 82 | 82,2 |
Met | 90 | 90 | 89 | 90 | 89,8 |
Met + Cys | 89 | 90 | 90 | 90 | 90,5 |
Thr | 85 | 86 | 83 | 85 | 82,6 |
Trp | 88 | 88 | 88 | 88 | 87 |
Ile | 90 | 90 | 89 | 90 | 88,8 |
Val | 87 | 88 | 86 | 87 | 86,7 |
Arg | 89 | 90 | 88 | 89 | 87,6 |
Minerais (%) | |||||
Ca | 0,04 - 0,05 | 0,04 | 0,07 | 0,03 | 0,06 |
P | 0,29 - 0,30 | 0,28 | 0,32 | 0,3 | 0,32 |
P fítico | 0,19 - 0,20 | 0,18 | 0,14 | 0,2 | 0,22 |
P disponível | 0,15 | - | - | - | 0,1 |
P digestível | 0,1 | 0,08 | 0,1 | 0,17(*) | 0,16(*) |
Na | 0,02 | 0,01 | 0,01 | 0,01 | 0,01 |
Cl | 0,08 - 0,09 | 0,05 | 0,09 | 0,08 | 0,08 |
K | 0,32 - 0,40 | 0,38 | 0,40 | 0,46 | 0,39 |
Mg | 0,11 - 0,14 | 0,09 | 0,10 | 0,11 | 0,12 |
1Para o sistema de valorização FEDNA apresenta-se o intervalo de valores (mínimo e máximo) provenientes da integração das 4 classificações que este sistema de valorização considera, baseadas principalmente no conteúdo de proteína e a humidade (Trigo Mole Nacional com conteúdos de PB de 10,2%, 11,2% e 12,9% e Trigo Mole Inglês, em representação da importação de trigo proveniente de zonas com condições de cultivo similares ao Reino Unido e Bretanha).
(*) Valores sujeitos a dietas em farinha que contemplam actividade fitase endógena do trigo. Em dietas granuladas estes valores podem reduzir-se na ordem dos 30-35%.
Diferentemente das restantes tabelas, a FEDNA claramente distingue entre três qualidades de trigo mole classificadas em função do conteúdo de proteína e duas origens, que basicamente se diferenciam pelo grau de humidade. Os restantes, CVB, INRA e NRC consideram uma só qualidade de trigo mole com valores intermédios de proteína (10,5 - 11,2 %) salvo o BRASIL (11,5%), que se coloca num valor médio entre os valores médio e alto da FEDNA. Quanto ao grau de humidade, o valor proposto pela FEDNA para o trigo Europeu (Reino Unido e Bretanha) parece-se mais ao grau de humidade proposto pelo CVB, INRA, NRC e BRASIL. Existe uma ligeira correlação positiva entre o conteúdo em matéria seca e a proteína (r2 = 0,24) e uma notória correlação negativa (r2 = 0,67) entre o conteúdo em proteína e amido (com excepção do BRASIL que penaliza muito o conteúdo em amido).
Estas relações têm um impacto directo sobre a estimativa do valor da energia net (EN) já que a clara correlação positiva entre o conteúdo em amido e a EN é evidente (com excepção do NRC que estima uma EN muito alta para valores intermédios de amido comparado com os restantes sistemas de valorização, onde esta relação é mais directa e ocasionalmente não valoriza a fibra).
Deve-se destacar que, diferentemente dos restantes sistemas de valorização, o BRASIL dá valores mais altos de proteína (mais 11 % em relação ao valor da FEDNA baixo em proteína e maior humidade) e de gordura (mais 13 % que o valor da FEDNA para os trigos nacionais ainda que seja igual ao do trigo do Reino Unido), contudo o conteúdo em fibra é pouco variável. Os valores estimados para a energia pelos distintos sistemas são parecidos, com variações inferiores a 2,5%, com excepção do NRC que dá um valor claramente superior (até 5,2%). Em termos de EN, a variação interna que apresenta a FEDNA devido à segregação em função do conteúdo em proteína não é superior a 0,6%.
Em termos de aminoácidos totais, tomando como referência a lisina, e para o mesmo conteúdo de proteína (11,1 ± 1,3 %), pode-se observar que todos os sistemas de valorização comparados dão valores similares e são superiores aos da FEDNA. O INRA e o CVB apresentam um aumento de 10 % no conteúdo de lisina enquanto que no BRASIL é de 8 %. Mais extremo é o caso do NRC que apresenta um valor de lisina 13% superior. Os valores para os restantes aminoácidos totais são bastante proporcionais à lisina, apresentando-se como mais variáveis os aminoácidos sulfurados. O coeficiente de digestibilidade da lisina apresenta um intervalo entre 86 - 87 % (BRASIL e FEDNA), ficando num valor intermédio o INRA com 74 % e com um valor mais baixo o CVB.
Descobertas recentes
1. Determinação da composição química, do conteúdo em energia e da digestibilidade de aminoácidos em diferentes cultivares de trigo fornecidos a porcos em crescimento.
Em diferentes cultivares de trigo fornecidas a porcos em crescimento observaram-se diferenças significativas nos valores de ED, EM e digestibilidade aparente do tracto total da EB. Também houve diferenças na DIA e DIE da PB e AA indispensáveis. Em conclusão, a composição química, os conteúdos em energia e a maior digestibilidade de AA em diferentes cultivares de trigo variaram amplamente.
2. Degradação da fibra dietética no estômago, intestino delgado e intestino grosso de porcos em crescimento alimentados com dietas à base de milho ou trigo sem ou com xilanase microbiana.
As xilanases microbianas podem contribuir para a degradação da fibra e das dietas baseadas em trigo, em trigo + milho e em milho ao longo do tracto intestinal dos porcos. A suplementação com xilanasea "A" melhorou a concentração de ED e EM nas dietas dos intermediários de trigo-farinha de soja-trigo e a xilanase "B" melhorou a concentração de ED nas dietas baseadas em trigo e na concentração da ME na dieta de trigo-farinha de soja. Portanto, a suplementação com xilanases melhora a digestibilidade da fibra dietética no estômago e no intestino posterior e no estado energético dos porcos alimentados com dietas à base de trigo.
3. Aditividade da digestibilidade ileal aparente e estandartizada de aminoácidos, determinada por óxido crómico e dióxido de titânio em dietas mistas que contêm trigo e múltiplas fontes de proteínas fornecidas a porcos em crescimento.
Nas dietas baseadas em trigo combinado com diferentes fontes de proteínas, a previsão mais precisa da digestibilidade ileal de PB e AA consegui atingir-se utilizando DIE em vez de DIA em dietas mistas que contêm trigo, farinha de milho, farinha de carne e ossos e DDGS. A determinação de perda endógena, DIA e DIE de PB e AA não se viu afectada pelo tipo de marcador. Além disso, a aditividade de DIA e DIE de PB e dos AA mais indispensáveis em dietas mistas não se viu afectada pelo tipo de marcador.
4. Impacto das xilanases na microbiota intestinal de porcos em crescimento alimentados com dietas à base de milho ou trigo.
Os suplementos de xilanase nas dietas à base de trigo, reduziram a influência dos Bacteroidetes e promoveram os taxões principais, a maioria dos quais pertenciam ao filo Firmicutes. Para maximizar a eficácia da suplementação com xilanase, sugeriu-se que a xilanase originada a partir de Bacillus subtilis foi mais efectiva quando se aplicou a dietas baseadas em trigo, enquanto que a xilanase originada de Fusarium verticillioides foi mais benéfica quando se aplicou a dietas baseadas em milho.
5. Conteúdo energético e digestibilidade de nutrientes de dietas que contêm cevada ou trigo fermentados com Lactobacillus fornecidas a porcos desmamados.
O conteúdo de energia e a digestibilidade aparente do tracto total (ATTD) dos nutrientes das dietas que contêm cevada ou trigo fermentados com Lactobacillus fornecidas a porcos desmamados podem ser substituídos benéficamente por trigo não fermentado, melhorando o ATTD de nutrientes e energia, a retenção de azoto e o conteúdo energético. Além disso, é preferível o hetero-inóculo ao homo-inóculo para a fermentação de grão, tendo em conta o maior conteúdo de energia em porcos desmamados.
6. Efeitos da suplementação com xilanase em dietas baseadas em trigo sobre o rendimento de crescimento, a digestibilidade de nutrientes e os micróbios intestinais em porcos desmamados.
A suplementação com xilanase em dietas à base de trigo aumentou o rendimento do crescimento e a digestibilidade dos nutrientes até 2,000 U/kg. Além disso, a suplementação com xilanase (2,000 U/kg) diminuiu a riqueza das bactérias intestinais mas diminuiu o crescimento de bactérias patogénicas nocivas, como Escherichia-Shigella, no cólon nas baterias.
7. Efeito do uso do trigo nas dietas starter de transição sobre a digestibilidade e o crescimento.
Coloca-se a hipótese de que pode ser completamente substituído por milho nas dietas de desmame. Tanto os resultados do rendimento como da digestibilidade (em termos de N, EE, EB, P e FND) demonstram que o trigo pode ser substituído total o parcialmente pelo milho nas dietas de transição. Além disso, a adição de enzima carbohidrase nas dietas starter melhorou a digestibilidade dos nutrientes, ainda que tenha dado como resultado um pior rendimento de crescimento.
Referências
Foreing Agricultural Service. USDA. https://apps.fas.usda.gov/psdonline/app/index.html
FEDNA: http://www.fundacionfedna.org/
FND. CVB Feed Table 2016. http://www.cvbdiervoeding.nl
INRA. Sauvant D, Perez, J, e Tran G, 2004, Tables de composition et de valeur nutritive des matières premières destinées aux animaux d'élevage,
NRC 1982. United States-Canadian Tables of Feed Composition: Nutritional Data for United States and Canadian Feeds, Third Revision.
Rostagno, H,S, 2017, Tablas Brasileñas para aves y cerdos, Composición de Alimentos y Requerimientos Nutricionales, 4° Ed