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Higienização do presunto curado em fatias através do processo por altas pressões

As propriedades listericidas da alta pressão hidrostática fazem com que actualmente seja um tratamento de aplicação industrial durante o pós-embalamento de alimentos prontos para consumo.

10 Julho 2017
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O processamento dos alimentos por alta pressão hidrostática (AP), também chamada pasteurização a frio, é uma tecnologia de conservação que permite obter produtos mais seguros e com uma vida útil maior, preservando as propriedades nutricionais, sensoriais e/ou funcionais termo-sensíveis. Actualmente, e graças às suas internacionalmente reconhecidas propriedades listericidas (capacidade de inactivar a Listeria monocytogenes), a AP aplica-se industrialmente como tratamento pós-embalamento em produtos prontos para consumo (Tonello, 2011).

Um claro exemplo de aplicação, com êxito, do processamento por AP em produtos de carne é constituído pelo presunto curado exportado para os EUA. Este país aplica uma política muito restritiva ("tolerância zero") contra a L. monocytogenes nos alimentos prontos para consumo, inclusive naqueles que não favorecem o crescimento do agente patogénico, como é o caso do presunto curado. Por outro lado, a administração americana reconhece a AP como um tratamento pós-letalidade e as empresas que a aplicam podem ser acolhidas nas denominadas alternativa 1 ou 2 de controlo de L. monocytogenes, o que supõe uma menor frequência de amostragens de verificação por parte da administração, devido a menor risco de contaminação do produto final relativamente aos produtos não submetidos a tratamentos de pós-letalidade (FSIS 2014). Por este motivo, algunas empresas exportadoras optaram pela aplicação de AP para a higienização do seu produto.

A implementação de uma nova tecnologia como medida de controlo destinada a garantir ou melhorar a segurança e qualidade microbiológica de um produto requer a sua integração dentro do plano de HACCP e, por tanto, de uma adequada validação que demonstre que a medida de controlo é capaz de controlar satisfatoriamente o perigo microbiano (CAC 2008). No caso do presunto pressurizado, deve-se validar que o tratamento de letalidade (AP) reduz a carga de L. monocytogenes abaixo dos níveis toleráveis de acordo com a legislação ou requisitos comerciais (ex. certificações BRC ou IFS). A validação é um procedimento que será aplicado a priori, ou seja, nas fases de desenvolvimento do produto antes da sua comercialização.

A validação do processamento por AP é específica do produto e processo e deverá ter em conta aqueles factores que possam limitar a eficiência do tratamento. No caso do presunto curado os parâmetros críticos seriam: a actividade da água (aw) em relação ao produto, devido ao considerável efeito piezoprotector (redução da eficácia da AP) sobre os microorganismos e o nível de pressão e duração do tratamento em relação ao processo. Por este motivo, um estudo de validação requer tarefas preliminares de caracterização do produto e sua variabilidade com base no histórico de dados fisico-químicos e microbiológicos da empresa e uma pesquisa bibliográfica na literatura científica sobre a aplicação da tecnologia em produtos semelhantes. De seguida pode-se proceder à validação através de dois procedimentos complementares: os modelos de previsão e os ensaios de inoculação (challenge tests).

Desde há alguns anos a avaliação e gestão dos riscos microbiológicos baseia-se nos conceitos recolhidos na equação proposta pela International Commission on Microbiological Specifications for Foods (ICMSF) e adoptada pelo Codex Alimentarius no âmbito da gestão de riscos microbiológicos : H0-ΣR+ΣI≤FSO (ICMSF, 2002), onde H0 é o nível inicial de contaminação, ΣR e ΣI representam os fenómenos que reduzem e incrementam, respectivamente, os níveis do perigo no alimento e FSO é o objectivo de segurança alimentar ou nível máximo tolerável do perigo (ex. L. monocytogenes) num alimento no momento do consumo, e portanto durante toda a sua vida útil.

No exemplo da Figura 1 são considerados, com base em dados bibliográficos, níveis de contaminação inicial de L. monocytogenes no presunto curado de 10 ufc/g (H0 = 1 log ufc/g) e nenhum aumento durante a vida útil (ΣI = 0 logs) já que o produto não permite o crescimento do agente patogénico. Assim, o cumprimento do objectivo de segurança alimentar, no momento do consumo, (ausência em 25g de produto, i.e. FSO< -1,4 log ufc/g) necessitaria de um processo capaz de reduzir os níveis de L. monocytogenes em 2,4 unidades logarítmicas (ΣR= 2,4 logs). Trata-se pois, de estabelecer quais são os parâmetros de processamento que permitiriam obter uma letalidade compatível com este requisito.

Figura 1.&nbsp;Exemplo&nbsp;de aplica&ccedil;&atilde;o de modelos de previs&atilde;o atrav&eacute;s do&nbsp;simulador HP3 e&nbsp;ensaio de inocula&ccedil;&atilde;o&nbsp;para validar o&nbsp;processamento por AP no presunto curado.
Figura 1. Exemplo de aplicação de modelos de previsão através do simulador HP3 e ensaio de inoculação para validar o processamento por AP no presunto curado.

Neste ponto, as ferramentas da microbiologia de previsão, e concretamente o simulador HP3, podem ajudar a decidir as condições de pressurização óptimas para obter esta redução. O HP3 é um simulador online da inactivação de microorganismos por AP desenvolvido a partir do Programa de Segurança Alimentar do IRTA (Bover-Cid y Garriga, 2012, INIA RTA2012-00030). Seleccionando de entre os modelos disponíveis, o de inactivação de L. monocytogenes em presunto curado, o simulador permite-nos introduzir a redução desejada e fixar um dos parâmetros do processo, por exemplo o nível de pressão a 600 MPa, e dá-nos o tempo de pressurização necessário para reduzir as contagens de L. monocytogenes 2,4 unidades logarítmicas (ex. 5,9 min). O sistema mostra também um diagrama de iso-redução onde se podem ver outras combinações de parâmetros de processamento (pressão-tempo) que permitiriam conseguir a mesma redução (Figura 1).

No modelo matemático de inactivação de L. monocytogenes em presunto curado incluido no simulador HP3 foi elaborado ​​a partir de experiências com presunto curado de aw relativamente baixa, uma abordagem conservadora que considera o efeito piezoprotector do baixo aw deste tipo de produto. Portanto, é frequentemente necessário realizar ensaios específicos com o produto concreto destinado a processamento por AP, com o objetivo de verificar o alcance da letalidade e inclusive quantificar a possível margem de segurança. Neste caso, e continuando com o exemplo da Figura 1, a realização de um ensaio de inoculação num presunto curado de aw=0,92 evidenciou que a redução experimental observada com a aplicação de 600MPa/6min (3,9 logs) foi maior que a prevista pelo simulador HP3. Estes resultados validam a pressurização como tratamento pós-letalidade em presunto curado em fatias de aw 0,92 com uma margem de segurança satisfatória. Por fim, há que ter em conta que, devido ao efeito protector contra a inactivação por AP que tem uma baixa aw, também seria aconselhável realizar um ensaio de inoculação em presunto de aw menor e que representaria um cenário do tipo "na pior das hipóteses".

Há que ter em conta que a modificação da formulação ou propriedades fisico-químicas do presunto, assim como de algum dos parâmetros de processamento utilizados requererá uma avaliação do impacto e possivelmente uma nova validação. Adicionalmente à validação, a implementação do processamento por AP na produção rotineira requer o estabelecimento de procedimentos de vigilância em tempo real e de verificação a posteriori para assegurar que a medida de controlo (tratamento de AP) funciona correctamente.

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