Introdução
A segurança da ração é um problema importante nas explorações de porcos e deve-se prestar muita atenção à possível contaminação das matérias-primas e dos rações por fungos com o risco de produção de micotoxinas. As micotoxinas são metabolitos secundários produzidos por fungos filamentosos. Produzem-se numa ampla variedade de matérias-primas antes, durante e após a colheita. As principais micotoxinas consideradas importantes desde o ponto de vista da saúde dos porcos são os tricotecenos, especialmente o desoxinivalenol (DON), as aflatoxinas, as ocratoxinas, as fumonisinas e a zearalenona. Este caso clínico ilustra a importência de se analisar regularmente todas as micotoxinas nas matérias-primas para preservar a saúde dos porcos em crescimento.
Os responsáveis pela exploração consultam o veterinário em Fevereiro de 2016 devido a problemas clínicos em leitões desmamados numa exploração de 350 porcas de ciclo fechado na Bretanha (França). Os sinais clínicos, que apareceram poucos dias após uma alteração de ração, foram inchaço das pálpebras e da testa, descoordenação, dispneia e morte súbita. A análise laboratorial de leitões vivos com sinais clínicos confirmou a presença de E. coli O139K82.
Descrição da exploração e contexto
A exploração está situada numa zona de elevada densidade suína. Os leitões são desmamados aos 28 dias e são vacinados contra Mycoplasma hyopneumoniae (Mhyo) e Circovirus Suíno Tipo 2 (PCV2).
O peso vivo dos leitões ao desmame é de 7,5 - 8 kg, em média. Os leitões são alimentados com uma ração comercial na primeira fase pós-desmame e até aos 12-14 kg. Após uma transição realizada em 3 dias, os leitões são alimentados, até aos 25 kg, com uma ração feita na exploração.
Tabela 1. Formula da ração de 2ª fase fabricada na exploração em Fevereiro de 2016
Trigo | 40% |
Cevada | 30% |
Farinha desidratada (soja, colza) e óleo + prémix de vitaminas e minerais | 30% |
Os sinais clínicos apareceram poucos dias após a mudança de ração (cerca de 40 dias de idade).
O estado sanitário da exploração pode-se descrever da seguinte maneira:
Tabela 2. Estado sanitário da exploração em Fevereiro de 2016
Mhyo SIV |
Sem sinais clínicos nos desmamados |
PRRSV | Exploração positiva estável |
PCV2 | Leitões vacinados |
Relatório clínico
Parte 1 (Fevereiro – Junho 2016)
Diagnóstico laboratorial
Quando se visita a exploração, todos os leitões doentes apresentam boa condição corporal. Os sinais clínicos foram inchaço das pálpebras e da testa, descoordenação, dispneia e morte súbita.
Resultados na necrópsia
Dois leitões vivos com sinais clínicos, não medicados, foram alvo de necrópsia no laboratório Labofarm (Grupo de laboratórios veterinários de Finalab, Loudéac, Bretanha, França). Observou-se evidência de edema no tecido subcutêneo da cabeça (foto 1), pálpebras e no mesénterio do cólon espiral (foto 2). Também se observaram gânglios linfáticos mesentéricos edematosos e abundância de líquido na cavidade peritoneal. Estas lesões associadas a sinais clínicos eram bastante sugestivas de Doença dos Edemas (DE).
Bacteriologia
Realizaram-se cultivos bacterianos do intestino delgado, gânglios linfáticos mesentéricos, cérebro, meninges e sangue do coração.
Isilou-se E. coli 0139K82 hemolítico em todas as amostras.
Factores de virulência
Realizou-se a genotipagem por PCR múltiplex para praticar a determinação de genes específicos de pilus e de toxina presentes no cultivo isolado.
Tablea 3. Factores de virulência da estirpe de E.coli isolada
Factores de virulência | 0139K82 |
STa | Negativo |
STb | Negativo |
LTa | Negativo |
Stx2e | Positivo |
F18 (F107) | Positivo |
F4 (K88) | Negativo |
Aida | Negativo |
De acordo com os sinais clínicos e com o diagnóstico laboratorial nos animais desmamados, a Doença dos Edemas poderia ser responsável pela elevada taxa de mortalidade nesta exploração
Investigação dos factores de risco
O primeiro passo, antes de formular as estratégias de controlo, foi estudar os factores de risco predisponentes ao aparecimento da Doença dos Edemas nos desmamados.
Animais: Misturaram-se três ninhadas por parque. Não se observou qualquer relação com onúmero de parto das mães.
Instalações: A gestão das instalações era boa. O responsável respeita o sistema "tudo dentro-tudo fora" com uma escrupulosa higiene. Os factores de stress ambiental são baixos (poucas variações de temperatura, ventilação correcta, bom conforto).
Qualidade da água: A qualidade bacteriológica e microbiológica da água potável era boa no momento da recolha da amostra. A linha de água é purgada todas as manhãs e o controlo regular da concentração de cloro foi realizado pelo tratador.
Nutrição: O suinicultor começou a fabricar a sua ração de 2ª etapa pós-desmame poucas semanas antes do surto.
- Distribuição: Os leitões foram alimentados ab libitum. Quando o suinicultor deu conta dos primeiros sinais da Doença dos Edemas, colocou os leitões em jejum durante, pelo menos 24 horas.
- Formulação da dieta: Não se observou nenhum erro na formulação da dieta nem uma diferença prejudicial nos níveis de proteína e energia entre a primeira e a segunda ração.
- Tamanho das partículas da ração: Uma velocidade do trânsito intestinal mais lenta ou a imobilidade intestinal dão, à E. coli, a oportunidade de aderir e o tempo para se multiplicar (Pluske et al 2002) e produzir toxinas. De acordo com este facto, podemos supor que um tamanho grande de partícula pode predispor a surtos da Doença dos Edemas. Por outro lado, moer demasiado "fino" o grão pode ter consequências adversas na prevalência de doenças entéricas (úlceras gástricas, por exemplo). Na produção de ração na exploração, a granulometria deve ser revista regularmente, os resultados, no nosso caso, apresentam-se na tabela seguinte:
Tabela 4. Tamanho de partícula da ração de 2ª fase pós-desmame produzida na exploração em Fevereiro de 2016
Tamanho de partícula | Valores críticos | Ração própria | |
Referência 1 | Referência 2 | ||
>3,15 mm | 0% | 0,50% | 0% |
>2 mm | 25-35 % | 2,00% | 1,80% |
>1 mm | 25,00 % | 35,80 % | |
>0,5 mm | 20-40 % | 39 % | 32,00 % |
>0,3 mm | 10-20 % | ||
>0,25 mm | 27,00 % | 20 % | |
<0,25 mm | 10-20 % | 6,50 % | 10 % |
Em Fevereiro, o tamanho das partículas era correcta segundo as recomendações do fabricante (referência 1 e 2).
- Micotoxinas: Existem vários métodos de análise disponíveis para o diagnóstico de micotoxinas. Em França, as fábricas de ração, em geral, só controlam o nível de desoxinivalenol (DON) com uma análise ELISA. Este kit de análise é rápido e relativamente barato. Nesta exploração, as taxas de micotoxinas em todas as matérias-primas controladas (trigo, cevada) e ração completa estavam abaixo do limite definido. Supunha-se que as matérias-primas e as rações eram de baixo risco relativamente à presença de micotoxinas.
Estratégias de controlo
Vacinação: Aconselhamos o suinicultor a fazer uma vacinação para melhorar a imunidade dos leitões. Em França só há uma vacina comercial injectável disponível para a prevenção da E. coli causadora da Doença dos Edemas. Esta vacina consiste numa toxina Stx2e geneticamente modificada. Administra-se aos leitões lactantes aos 12 dias de idade desde finais de Maio. Segundo o produtor da vacina, os leitões desenvolvem uma protecção correcta aos 40-45 dias de idade, momento do aparecimento dos problemas.
Administração de antibióticos: Para os lotes anteriores ao início da vacinação e para os lotes afectados pela Doença dos Edemas, decidiu-se usar uma combinação de trimetoprim (5 mg / kg PV) - sulfamidas (25 mg / kg PV) de acordo com a sensibilidade da estirpe E. coli.
Parte 2 (Junho 2016 – Janeiro 2017)
Em Junho aparecem alguns casos de diarreia pós-desmamte causando bajixs. A estirpe de E. coli implicada nas diarreias pós-desmame foi a K88 Stb. Apesar da vacinação, diagnosticaram-se alguns casos de Doença dos Edemas (E. coli O139K82) de forma regular (diagnóstico laboratorial em Julho e Agosto) e a taxa de mortalidade foi maior em comparação com os meses e anos anteriores.
Mudanças na estratégia de controlo
Tamanho da partícula da ração: O tamanho de partícula foi verificado novamente em Agosto de 2016:
Tabela 5. Tamanho de partícula na ração de 2ª fase pós-desmame produzida na exploração em Agosto de 2016
Tamanho de partícula | Valores Críticos | Ração própria | |
Referência 1 | Referência 2 | ||
>3,15 mm | 0% | 0,50% | 0,20 % |
>2 mm | 25-35 % | 2,00% | 9,30 % |
>1 mm | 25,00 % | 48,80 % | |
>0,5 mm | 20-40 % | 39 % | 24,60 % |
>0,3 mm | 10-20 % | ||
>0,25 mm | 27,00 % | 12,10 % | |
<0,25 mm | 10-20 % | 6,50 % | 5 % |
O tamanho de partícula foi maior que os valores habitualmente recomendados. O processamento foi corrigido para obter o mesmo tamanho que em Fevereiro.
Formulação da ração: Em Outubro mudou-se a formula da ração. Preparou-se, na exploração, uma dieta rica em fibra. Reduziu-se o valor nutritivo da dieta. O nível de proteína e de energia digestível foram reduzidos ao se ter aumentado a taxa de inclusão de cevada.
Tabela 6. Formula da ração de 2ª fase pós-desmame fabricada na exploração em Fevereiro e após a alteração de Outubro de 2016
Ração 2ª fase baterias antes de Outubro | Ração 2ª fase baterias depois de Outubro | |
Trigo | 40% | 20% |
Cevada | 30% | 50% |
Suplemento comercial | 30% | 30% |
Vacinação: Em Dezembro, realizou-se um ensaio com uma vacina viva avirulenta oral, que continha uma estirpe F4 positiva, F18 positiva e Stx2e negativa. Os 2 lotes seguintes vacinaram-se aos 21 dias de idade. Todos os porcos lactantes foram vacinados oralmente de forma individual. Apesar deste novo protocolo de vacinação, apareceram diarreias pós-desmame e Doença dos Edemas que se confirmaram por diagnóstico laboratorial em Dezembro.
A taxa de mortalidade foi maior durante o segundo semestre apesar da melhoria nas estratégias de controlo na exploração.
Parte 3 (Janeiro 2017)
Ante estas falhas de vacinação e episódios recorrentes de diarreia pós-desmame e de Doença dos Edemas, decidimos voltar a ter em consideração todos os factores de risco (qualidade da água, racionamento do alimento, condições de alojamento) e analisar os níveis de micotoxinas em cada matéria-prima por cromatografia no laboratório Labocea (Ploufragan, França).
Análise de micotoxinas
O Labocea utiliza uma combinação de cromatografia líquida de alto rendimento (HPLC) e espectroscopia de massas para fornecer resultados quantitativos. Esta técnica está a ser desaproveitada para o diagnóstico rotineiro de micotoxinas em França. O método permite detectar mais do que um tipo de micotoxina. Para cada familia, a análise detecta todas as micotoxinas na amostra. Os resultados de tricotecenos na cevada e no trigo armazenados na exploração são apresentados na tabels seguinte:
Tabela 7. Concentração de tricotecenos (mg / kg de alimento, 12% de humidade) em trigo e cevada em Janeiro de 2017
Micotoxinas | Valor crítico | ||
Materia prima | Cevada | Trigo | |
Tricotecenos tipo A | |||
Diacetoxiscirpenol (DAS) | 0 | 0 | |
15monoacetoxiscirpenol | 0 | 0 | |
Toxina T-2 + toxina HT-2 | 0,055 | 0 | |
T-2 tetraol | 0,03 | 0 | |
T-2 triol | 0 | 0 | |
Verrucarol | 0 | 0 | |
Tricotecenos tipo B | |||
Deoxinivalenol | 0,02 | 0,195 | |
Deoxinivalenol-3-glucosido (D3G) | 0,01 | 0,015 | |
De-epoxy Deoxinivalenol (DOM-1) | 0 | 0 | |
15-O-Acetil Deoxinivalenol | 0 | 0 | |
3 Acetildeoxinivalenol | 0 | 0 | |
Fusarenona X | 0 | 0 | |
Nivalenol | 0,015 | 0,02 | |
Equivalente DON | 0,9 (intoxicação aguda) 0,2 (intoxicação crónica) |
0,955 | 0,31 |
Outras micotoxinas estavam ausentes ou abaixo dos valores significativos.
A toxicidade da combinação de micotoxinas não se pode prever com base nas suas toxicidades individuais. Os estudos sobre o efeito das micotoxinas levaram-se a cabo tendo em conta apenas uma micotoxina, mas o efeito das combinações de micotoxinas podem ser antagonistas, aditivos ou sinérgicos (Oswald, 2015). De acordo com estes efeitos das combinações, propõem-se equações para a equivalência de DON tendo em conta todos os tricotecenos testados, mas não temos conhecimento que exista consenso científico para propor equações standartizadas para avaliar o efeito de uma combinação de micotoxinas.
Na Europa são propostas recomendações para os valores críticos das micotoxinas nas rações. A recomendação da Comissão Europeia de 17 de Agosto de 2006 poderá ter-se em conta para o DON, a zearalenona, a ocratoxina A e para as fumonisinas. Para aflatoxina e para a cravagem do centeio, dispõe-se da Directiva 2002/32/CE do Parlamento Europeu.
Consideramos, segundo a recomendação da Comissão Europeia de 17 de Agosto de 2006, um valor de DON maior que 0,9 mg/kg (12% de humidade) como crítico para intoxicações agudas e um valor maior que 0,2 mg/kg (12% de humidad)e como crítico para intoxicações crónicas (consumo diário de ração).
No nosso caso, o nível de tricotecenos expresso em equivalente DON em trigo e cevada foi superior ao nível aceitável segundo a equação utilizada. Inclusive diluído na ração completa de 2º fase pós-desmame, o nível de tricotecenos foi superior ao valor de risco crítico para um alimento consumido diariamente pelos leitões.
Estratégias de controlo adaptadas
De acordo com estes resultados, decidiu-se agregar 2000 ppm de um produto para a desactivação de micotoxinas nas rações fabricadas na exploração (rações de 2ª fase pós-desmame, as três rações da fase de engorda e as rações de gestação e lactação). Todos os silos de armazenamento foram limpos e desinfectados. O processamento da cevada, do trigo e do milho foi modificado. Agora, o pó do grão produzido durante a colheita, manipulação e armazenamento é eliminado antes de moer os grãos com a finalidade de reduzir o risco de micotoxinas.
A vacina contra a Doença dos Edemas é mantida por agora.
Resultados
O estado sanitário global da exploração melhorou depois destas mudanças, em todas as idades. As taxas de mortalidade diminuiram nos desmamados mas também nos porcos em crescimento e na engorda. O tratador observou menos problemas na fase do parto e da lactação e o peso dos leitões ao desmame aumentou.
Conclusão
Há que prestar muita atenção à possível contaminação das matérias-primas e da ração por fungos e ao risco de produção de micotoxinas. A ingestão de alimentos contaminados com micotoxinas pode induzir doenças agudas e a ingestão de doses baixas de toxinas fúngicas também provoca danos no caso de exposição repetida (Bryden, 2012; Maresca et al., 2010). Dentro do grande painel de efeitos tóxicos que apresentam as micotoxinas, foram descritas propiedades imunomoduladoras (Oswald, 2015). Este efeito aumenta a susceptibilidade a doenças infecciosas: no nosso caso, os desmamados tinham mais probabilidades de desenvolver a Doença dos Edemas e diarreia pós-desmamte. A imunidade adquirida através da vacinação vê-se afectada pela ingestão de micotoxinas. A toxina T-2 reduziu a resposta vacinal ao antigene modelo, ovoalbúmina, actuando sobre a resposta celular e humoral respectivamente (Oswald, 2015).
Este caso ilustra a importância de realizar medições regulares, uma vigilância rigorosa e controlo de micotoxinas na auto-produção de ração. A eleição do tipo de análises é importante e, apesar do custo, recomienda-se uma análise completa. Esta técnica, facilmente disponível no Labocea, é pouco aproveitada para realizar o diagnóstico rotineiro de micotoxinas em França.