O tracto gastrointestinal (TGI) dos porcos jovens é colonizado imediatamente, após o nascimento, por bactérias derivadas da vagina, das fezes e da pele da porca, bem como pelo ambiente externo, sobretudo em leitões nascidos em sistemas ao ar livre. A precoce implantação e estabilização da microbiota do TGI produz-se ao mesmo tempo que o desenvolvimento e a expansão funcional do sistema imunitário das mucosas, como foi claramente demonstrado com leitões nascidos livres de gérmenes, evidenciando os potentes e sustentados efeitos da colonização do TGI no sistema imunitário. Também há uma grande influência do ambiente de criação inicial e, portanto, do meio microbiológico em que vive o leitão neonato, sobre o desenvolvimento imunológico e fisiológico posterior. Os leitões, contudo, nascem em grande medida com um estado imunodeficiente e dependem, bssicamente, do fornecimento de factores imunológicos específicos e inespecíficos, como as imunoglobulinas e outras proteínas presentes no colostro e no leite materno, para a sua protecção imunitária, o seu desenvolvimento e, em última instância, a sua sobrevivência. A imaturidade funcional dos sistemas imunitários celular e secretor do leitão neonato implicam que este apenas possa gerar uma resposta imunitária celular T e B limitada quando se enfrenta com agentes patogénicos e antigenes, o que ainda contribui mais para o seu estado imunocomprometido (Stokes et al. 2004). Contudo, o porco jovem necessita converter-se em imunocompetente à medida que cresce, se desenvolve e adquire a capacidade de tolerar o amplo espectro de antigenes associados com agentes patogénicos, bactérias comensais e alimentos com os que se irá encontrar.
As células e as estruturas envolvidas na resposta imunitária da mucosa do TGI (epitelial) estão ausentes no momento do nascimento e normalmente aparecem no TGI do leitão jovem numa sequência muito definida e programada (ver tabela 1). Com base nisto, é evidente que o sistema imunitário da mucosa (inato e adaptativo) é relativamente imaturo durante o período de tempo que decorre até ao momento em que se produz o desmame nas condições comerciais actuais, ou seja ≈ 17 a 29 dias de vida. Isto coincide com a retirada dos componentes imunoreguladores e imunoprotectores do leite materno, pelo que numerosos estudos demonstraram os beneficios da inclusão de produtos lácteos ou factores derivados do leite nas dietas dos leitões recém desmamados para o desenvlvimento da sua imunocompetência e melhoria do seu rendimento. Quando o leitão atinge as ≈ 7-8 semanas de vida, a arquitectura e a função do sistema imunitário do TGI é comparável ao de um porco maduro (‘tipo-adulto’). Tendo em conta os desafios aos que o leitão tem que enfrentar e adaptar após o desmame, juntamente com a legislação e as restrições no uso de antimicrobianos na produção suína, há um considerável interesse em tentar alterar esta sequência de desenvolvimento fenotípico durante o período peridesmemte, por exemplo, mediante a manipulação nutricional, microbiana e (ou) ambiental.
Tabela 1. Resumo das fases de desenvolvimento dos diferentes componentes
do sistema imunitário da mucosa do leitão jovem (reproduzido de Bauer et al, 2007).
Período | Componentes do sistema imunitário da mucosa |
Nascimento |
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Primeiras duas semanas |
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Duas a quatro semanas |
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Cinco semanas em diante |
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A lâmina própria do epitélio do TGI é uma componente crítica do tecido linfóide associado ao intestino (GALT, nas suas siglas em inglês) na determinação das respostas imunitárias activas e da tolerância em porcos maduros (Stokes et al. 2004). Deduz-se que a compreenssão dos mecanismos pelos que se estabelecem e se mantêm nos porcos jovens e pelo impacto do desmame (e dos eventos que sucedem antes do desmame) sobre a homeostase imunológica pode fornecer informação para modular a resposta imunitária inata e adaptativa que, por sua vez, poderia modular favoravelmente a produção e (ou) os resultados sanitários. Por exemplo, o leitão é capaz de gerar uma imunoresposta activa frente a vírus vivos e a componentes da dieta aos 21 dias de vida, mas quantitativa e qualitativamente a referida resposta é muito diferente à de um animal maior, por exemplo de 9 semanas de vida (Bailey et al, 2004). A imunomodulação exógena específica/não-específica durante este período de relativa inactividade imunológica representa um foco profilático/terapêutico potencialmente importante para mitigar os eventos induzidos pela nutrição, pelo stress e pelas doenças que ocorrem durante o desmame.
Durante o desmame, o porco enfrenta grandes desafios (stressantes) fisiológicos, ambientais e sociais que podem predispô-lo para doenças posteriores e para outras perdas produtivas. Produz-se um período de ingesta subóptima de ração (e água) juntamente com grandes alterações fisiológicos na estrutura e função do TGI, incluindo um efeito deletéreo sobre a integridade e a função da barreira intestinal (Pluske et al, 1997). Esta fase "aguda" pós-desmame associa-se, nalguns casos, à proliferação de bactérias patogénicas no TGI. Colectivamente, estos alterações costumam associar-se a uma sobreregulação transitória de certas citoquinas proinflamatórias como IL-1β, IL-6 e TNF-α, que são mediadores inflamatórios produzidos em resposta ao dano tissular e ainda contribuem mais para as desordens anatómicas e funcionais vistas no TGI durante esta época (figura 1). A redução do crescimento após o desmame continua a ser um desafio para os nutrólogos, veterinários e produtores, pelo que se continua a realizar investigação sobre como a nutrição (p.ex, aminoácidos específicos, componentes fibrosos da dieta), maneio (p.ex idade do desmame, stress), ambiente (p.ex estabulação vs ar livre nas primeiras idades), uso de antimicrobianos ou aditivos na ração (p.ex probióticos, compostos imunoestimulantes) e a microbiota confluem para modificar a função imunitária.
Figura 1. Alterações na expressão dos níveis de RNA mensageiro de citoquinas proinflamatórias
(expressas em unidades arbitrárias) no jejuno durante a época do desmame (reproduzido de Pié et al. 2004).
Em resumo, o sistema imunitário do TGI mantém a sua capacidade de gerar respostas imunitárias activas frente a patógenos e à tolerância a antigenes alimentares e à microbiota comensal, mediante uma complexíssima rede de interacções celulares e moleculares. Isto ocorre em múltiplos sitios ao longo do TGI. A taxa e sequência da maturação da imunidade da mucosa desde o nascimento até à consecução de um "tipo adulto" é um determinante importante do rendimento, saúde e sobrevivência posteriores, bem como dos impactos sobre a eficiência e rentabilidade da produção suína.