Descrição da Exploração
A exploração encontra-se situada numa comarca de Lérida (Espanha) de alta densidade suína, com um total de 600 porcas produtivas em ciclo fechado e que no momento do aparecimento do caso se encontra em plena ampliação do seu efectivo. Trata-se de uma exploração de alta produtividade, com uma média em 2006 de 28 leitões desmamados/porca/ano. O maneio é semanal e os leitões são desmamados aos 21 dias.
A exploração está dividida em duas fases praticamente independentes:
Fase I e II: 600 porcas e 1.200 lugares de leitões (15 kg peso)
Fase III: 5.000 lugares de engorda a uns 800m de distância. |
Estatuto sanitário
Até ao momento do aparecimento do caso a exploração era:
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Aparecimento do Caso
Até à data da ampliação a exploração encontrava-se fechada à entrada de animais mas, para duplicar o seu efectivo, foi necessária a entrada de 60 avós numa engorda a uns 50 metros de distaância. 2 meses após a entrada destes animais a exploração sofre una grave recirculação de PRRS e aparecem graves problemas produtivos nas mães, juntas com baixas súbitas, abortos e aumento da mortalidade tanto nas maternidades como nas baterias. Relativamente às engordas, estas permaneciam estáveis mas também 2 meses após a entrada das avós as baixas nas engordas, que até ao momento apresentavam uma distribuição de maneira mais ou menos estável, aumentaram em grande medida durante três meses e sobre tudo em 3 salas determinadas. A distribuição das baixas está resumida no quadro 1.
Quadro 1. Distribuição das baixas nas diferentes salas de engorda
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Sala 3
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Sala 4
|
Sala 5
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Sala 6
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Sala 7
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Sala 8
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Sala 9
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Sala 10
|
Sala 11
|
Sala 1
|
Sala 2
|
Total
|
Março
|
14
|
1
|
5
|
|
|
|
|
|
|
|
|
20
|
Abril
|
3
|
6
|
4
|
13
|
7
|
|
|
|
|
|
|
33
|
Maio
|
5
|
7
|
11
|
5
|
14
|
9
|
86
|
|
|
|
|
137
|
Junho
|
11
|
7
|
13
|
2
|
5
|
2
|
23
|
32
|
57
|
5
|
|
157
|
Julho
|
4
|
|
7
|
12
|
7
|
15
|
37
|
37
|
37
|
23
|
7
|
186
|
Agosto
|
|
|
1
|
|
2
|
1
|
1
|
3
|
3
|
9
|
4
|
24
|
Setembro
|
|
|
|
|
4
|
|
|
4
|
1
|
6
|
5
|
20
|
Outubro
|
|
|
|
|
|
|
|
|
2
|
3
|
4
|
9
|
Novembro
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
3
|
16
|
19
|
Total
|
37
|
21
|
41
|
32
|
39
|
27
|
147
|
76
|
100
|
49
|
36
|
|
Sintomatologia clínica nas engordas
O quadro clínico que apresentavam estes animais antes de morrer era um quadro respiratório e nervoso com os seguintes sintomas:
|
|
|
Detalhe atordoamento | Descoordenação |
A morbilidade da doença era elevada, havendo parques com 80% dos animais afectados tal e como se apresenta na seguinte imagem.
Provas de Diagnóstico
Após o inicio dos primeiros sintomas os animais eram seguramente baixas não respondendo aos tratamentos por antibióticos aplicados até ao momento (enrofloxacina, amoxiciclina, sulfamidas,…).
De seguida descrivem-se os resultados das distintas provas de diagnóstico praticadas:
Necropsias de animais: as lesões observadas eram quatro e muito claras: | |
|
|
Seroperfil e PCR contra o virus da PRRS: observa-se uma seroconversão destes animais durante este momento da engorda com presençaa de virus amplificado por PCR. | |
Histopatologia: as lesões tissulares observadas foram chave para clarificar a sintomatologia. |
Diagnóstico Diferencial
Num primeiro momento, a falta dos resultados histopatológicos e tendo em consideração as lesões na necropsia, crê-se que se tratava de um quadro agudo de circovirose. A nossa surpresa foi ao reciber as análises hispatológicas: não se encontrou nem lesões ganglionares nem alterações cardíacas típicas desta doença. Pelo contrário, encontrou-se uma nítida fibrose intersticial na zona profunda do córtex renal.
Rim afectado | Rim são |
Fibrose no córtex renal |
Também se detectaram níveis altos de ureia e creatinina no soro sanguíneo que indicavam uma falha renal.
Com base nestes resultados descartou-se a circovirose e começou-se a suspeitar de uma intoxicação alimentar que provocava uma lesão renal.
Possível Intoxicação Alimentar
Esta exploração utilizava um sistema de alimentação líquida com vários subprodutos da industria alimentar. Nesse momento o proprietário estava a dar 4 tipos de rações, segundo a idade dos animais, compostas por diferentes subprodutos e rações, tal e como se descreve na tabela 1.
Tabela 1. Rações de alimentação líquida segundo intervalo de pesos.
Intervalo pesos (kg) |
12-18
|
18-23
|
23-70
|
70-100
|
Ração 1
|
Ração 2
|
Ração 3
|
Ração 4
|
|
MS |
%
|
%
|
%
|
%
|
Concentrado 1 |
|
|
20
|
19
|
Concentrado 2 |
100
|
50
|
|
|
Iogurte |
|
16,2
|
15
|
15
|
Levedura cerveja |
|
9
|
5
|
|
Bagaço amêndoa |
|
7
|
10
|
6
|
Soro leite |
|
3,03
|
8,5
|
10,20
|
Pão |
|
14,8
|
41,5
|
49,8
|
Total |
100
|
100
|
100
|
100
|
Começaram-se a procurar compostos na sopa que provocassem intoxicações com sintomatologia nervosa e lesão renal, suspeitando dos seguintes compostos:
|
Medidas Tomadas
Enquanto tanto se analizou a sopa para os compostos acima descritos, o suinicultor decidiu tirar todos os subprodutos da ração e dar alimento composto e água. Os animais menos afectados melhoraram imediatamente ainda que os mais graves continuassem a morrer.
Intoxicações Descartadas
- Intoxicação por cianeto: ainda que o cianeto não dê nem sintomatologia nervosa nem lesão renal suspeitou-se dele porque a exploração tinha sofrido um caso de intoxicação à 3 anos atrás. Procurou-se cianeto na sopa mas o resultado foi negativo.
- Intoxicação por cádmio e mercúrio: estes dois compostos dão sintomatologia nervosa e lesões renais ainda que não do córtex renal. A utilização de subprodutos elaborados poderia conter algum destes compostos. A análise da sopa deu negativa.
-
Oxalatos: este composto encontra-se em algumas plantas. Ainda que não fosse provável que alguma destas plantas se encontrasse na ração analizou-se para descartar que estivesse contaminando algum subproduto. O resultado foi também negativo.
Tabela 2. Resultado das análises de cianeto, oxalatos e metais pesados
CianetosOxalatosCádmioMercúrioRação 3 < 10 ppb< 5 ppm<0,01 ppm<0,01 ppm - Intoxicação por sal: ainda que a sintomatologia clínica poderia coincidir com o nosso caso não se encontrou a eosinofilia típica no cérebro e não explicava a lesão renal.
-
Avitaminose E e D e deficiência em Se: Sintomatologia nervosa e locomotora que poderia explicar o comportamento dos porcos afectados. Analizou-se a sopa e efectivamente saiu baixa nestes compostos. Ainda assim não podíamos explicar a lesão renal. De todas formas aumentou-se a dose de corrector na ração para corrigir este déficit. Os porcos não melhoravam.
Tabela 3. Resultado das análises de selánio e vitaminas E e D
SelénioVitamina EVitamina DRação 3 101 ppb3,5 ppm168 UI/kgRação seca 200 ppb10 ppm1000 UI/kgResultados expressos a 88% SMS - Ocratoxina: é a única micotoxina que dá lesão renal. A sintomatologia não estava muito clara. Procurou-se ocratoxina na sopa e deu negativo.
Decidiu-se acrescentar outra vez os subprodutos um a um à ração para ver qual era o problemático.
Medidas Tomadas e Evolução
Os subprodutos foram sendo adicionados um a um, excepto a mistura de soro de leite e pão, que se adicionou como uma mistura já que o tratador a utilizaba para fornecer o pão de forma líquida. Os porcos voltaram a piorar quando esta mistura se adicionou à ração. Este dado levou-nos a suspeitar outra vez do sal. Analizou-se a ração e o resultado indicou uma concentração no sal 20 vezes superior à de uma ração comercial. Suspeitou-se do soro de leite mas este não era fácil de analizar já que o suinicultor usava soro de 9 fornecedores distintos partilhados com outra exploração próxima onde não tinha havido nenhum problema. Para descartar que o problema pudesse vir da fábrica de ração ou do pão, analizou-se o sal no concentrado e no pão seco (tabela 5).
Tabela 5. Resultado das análises da percentagem de sal na ração, pão e alimento composto.
Hu
|
NaCl
|
|
Ração 3 |
90,5
|
15,2
|
Ração seca |
12
|
0,7
|
Pão |
7,18
|
2,2
|
Resultados expressos a 88% SMS |
Uma vez descartadas a ração e o pão decidiu-se analizar os soros dos diferentes fornecedores obtendo os seguintes resultados:
Tabela 6. Resultado das análises dos diferentes fornecedores de soro de leite.
Fornecedor |
NaCl (% MF)
|
MS soro
|
NaCl (% MS)
|
1 |
0,33
|
7,86
|
3,7
|
2 |
0,28
|
5
|
4,9
|
3 |
0,3
|
2,5
|
10,6
|
4 |
0,23
|
5
|
4,0
|
6 |
0,2
|
5
|
3,5
|
7 |
1,45
|
6
|
21,3
|
8 |
0,98
|
5
|
17,2
|
9 |
0,44
|
5
|
7,7
|
Resolução do Caso
O aparecimento dos primeiros sintomas coincidia com a chegada do novo fornecedor, o nº7. Este é o que servia o soro com um conteúdo de sal mais elevado. Estes porcos, como é habitual nos sistemas de alimentação líquida, não tinhem acesso livre à água e esta era fornecida pelo suiniucltor da seguinte forma:
|
Tabela 7. Consumo de água nos diferentes grupos.
Intervalo pesos (kg) |
12-18
|
18-23
|
23-70
|
70-100
|
Ração |
1
|
2
|
3
|
4
|
Kg ração/dia |
0,5
|
1
|
1,5
|
2
|
Sopa/dia (l) |
2
|
4
|
6
|
8
|
Água na sopa (l/d) |
1,5
|
3
|
4,5
|
6
|
Água adicional (l/d) |
0,2
|
0,4
|
0,6
|
0,8
|
Total água/porco/dia |
1,70
|
3,40
|
5,10
|
6,80
|
Parece claro pois que se trata de uma "intoxicação por sal crónica", muita diferente à intoxicação aguda que todos conhecemos e que costuma ser a mais frequente. Estes porcos recebiam água mas não era suficiente para a concentração de sal que se lhes fornecia na ração. Se nos fixarmos na tabela 8 vemos que o grupo mais afectado era o que recebia uma % maior de soro em relação à água, eram os animais da ração 3. O depósito de soro do fornecedor 7 durava uns 3 dias, por isso parecia que os porcos melhoravam dentro de cada semana. Também coincidia que por temas logísticos este fornecedor só descarregava soro nesta exploração e não na exploração vizinha.
Tabela 8. Consumo de soro em relação à água recebida nos diferentes grupos.
Intervalo pesos (kg) |
12-18
|
18-23
|
23-70
|
70-100
|
Ração |
1
|
2
|
3
|
4
|
Soro leite na ração (100% MS) |
0
|
3,03
|
8,50
|
10,20
|
Soro leite na ração (22% MS) |
0,00
|
0,67
|
1,87
|
2,24
|
Proporção soro/água total |
0
|
19,6
|
36,7
|
33
|
Ainda que não tenhamos encontrado a causa fisiológica da lesão renal, poderíamos explicar a etiologia da intoxicação da seguinte maneira: Um excesso de sódio na dieta junto com um acesso restringido à água conduzem a um excesso de sódio no sangue. Este provocaria inicialmente a eosinofilia no cérebro, mas de una forma leve que o animal poderia superar, ficando só uma lesão mononuclear que observamos à posteriori.
Meningoencefalite no vaso sanguíneo |
Paralelamente, este excesso de sódio no sangue causaria uma fibrose a nível renal que conduziria à falha renal e consequentemente à intoxicação do animal por ureia e à morte.
A intoxicação por sal crónica foi vagamente descrita em algumas espécies animais e na humana, em bebés. Ainda que a sintomatologia coincide plenamente com a dos nossos animais em nenhum caso encontramos descrita a lesão renal.
A exploração actualmente continua a fornecer soro de leite sem problemas, ainda que já não receba produto do fornecedor nº 7 e dá um pouco mais de água aos animais.
Os animais que tinham danificado o rim morreram mas os que estavam num estádio mais leve da intoxicação sobreviveram sem atrasos aparentes.
Comentários
Este é um caso curioso tanto pela sua apresentação como pela patologia em si, que apareceu numa exploração de ciclo fechado situada numa zona de elevada densidade suína da província de Lérida e que se viu afectada por importantes baixas na engorde, sobretudo em 3 salas determinadas coincidindo no teempo com a entrada na exploração de avós dois meses antes do aparecimento dos problemas. Os animais apresentavam atordoamento, sintomas nervosos, tosses, forte respiração nasal e palidez. Após descartar uma possível circovirose suspeitou-se de uma intoxicação alimentar que finalmente se descobriu que se tratava de uma intoxicação crónica por sal.
As intoxicações por sal podem ser agudas ou crónicas, no caso das agudas, estas são bastante frequentes tanto na bibliografia como nas explorações. Produzem quando os animais ficam sem acesso à água durante um período de tempo variável e se lhes volta a fornecer esta à vontade. O líquido cefalorraquídiano do cérebro encontra-se com uma concentração de sódio mais alta que o habitual e para a diluír entra água da corrente sanguínea produzindo-se o edema, a lesãon cerebral e a eosinofilia típica no cérebro, lesão patopneumónica desta intoxicação.
No nosso caso trata-se de uma intoxição por sal crónica; os animais em nenhum momento ficaram sem água, simplesmente a quantidade que recibiam não era suficiente para a concentração de sal que estavam a receber através da dieta.
Ainda que se tenha suspeitado de uma intoxicação por sal desde o princípio, ao não encontrar a eosinofilia no cérebro nas análises histológicas, esta foi descartada. Mais à frente, e descartadas outro tipo de intoxicações, voltou-se a procurar uma lesão mononuclear no cérebro que se descrevia em alguns artigos como consequência da intoxicação crónica. Encontrou-se num dos cortes histológicos.
Com a lesão renal ocorreu ao contrário, não se encontrou descrita na bibliografia mas pode ser lógica se pensamos que este tipo de intoxicação crónica não está tão detalhadamente descrita como a aguda.
As explorações que utilizam um sistema de alimentação líquida com a incorporação de subprodutos das diferentes indústrias estão mais expostas às intoxicações pelo simples facto de que a variedade de subprodutos pode ser muito ampla, com o que não estão tão estudados como as matérias primas nobres. Além do mais, o objectivo primeiro deste sistema de alimentação é reduzir o custo de alimentação pelo que costumam ir a percentagens muito altas de incorporação de subprodutos que, normalmente, têm um preço melhor que as outras matérias primas. Outro factor que as afecta negativamente é a grande variabilidade dentro de um mesmo subproduto, como no nosso caso o sal dentro do soro de leite, que costuma ser frequente na maioria dos subprodutos. Além do mais estas explorações não costumam ter bebedouros adicionais nos parques sendo o suinicultor o que determina a água que ingerirão os porcos em função dos subprodutos de que dispõe. Por tudo isto costumam ser explorações com uns custos de alimentação mais baixos que as de alimentação em seco mas mais expostas a algum contratempo ocasionado pelos subprodutos e pelo sistema em si.