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Caso clínico: Micotoxicoses

Porcas na maternidade e gestação que deixam de comer, aparecem abortos tardios, aparem leitões de 20 kg mortos e inchados. Diagnóstico de micotoxinas

3 Julho 2006
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Descrição da Exploração




O presente caso clínico desenvolveu-se numa exploração de multiplicação de 530 porcas situada numa zona com baixa densidade suína de França.

O estatuto sanitário da exploração é elevado: indemne a PRRS, Aujeszky e às principais doenças bacterianas.

Os resultados técnicos apresentam um bom nível (resultados de 1 ano):

  • 25,6 desmamados/porca presente/ano
  • 11,4 desmamados/ninhada
  • 89,9% de índice de fertilidade

Plano geral da exploração



Aparecimento do Caso



Durante o mês de Julho, e no dia seguinte ao aparecimento dos seguintes fenómenos, o suinicultor decide consultar o veterinário:

  • Quatro porcas na maternidade, parecendo não ter febre, deixam de comer
  • Cinco porcas na gestação também não comem
  • Uma porca de terceiro parto aborta aos 105 dias de gestação
  • Aparecem 3 leitões, de 20 kg de peso, mortos de forma repentina e com aspecto inchado

Dada a urgência programa-se uma visita no mesmo dia.


Visita à Exploração



Antes da visita, pela manhã, o suinicultor realizou as seguintes observações:

  • Porcas alojadas no pavilhão pequeno de gestação: uma porca de 2º parto não come, algumas vomitam, encontra-se uma primípara morta e inchada, todas se apresentam apáticas e pálidas.
  • Porcas na gestação grande: várias porcas não comem (10-15) e parecem inchadas.
  • Porcas na maternidade: cerca de 50% das porcas ou não come ou come mal, 2 vomitam à frente do suinicultor.
  • Porcas no pavilhão de cobrição: não se observam problemas.
  • Pavilhão de pós-desmame/engorda: ao meio-dia o suinicultor detecta 6 novas mortes no pós-desmame nos porcos alimentados com ração de segunda idade seca (25 kg) e na engorda onde recebem alimento de crescimento em sopa (50 kg).


Durante a visita do veterinário, cerca das 5 da tarde e com uma temperatura ambiental próxima aos 24ºC, dá-se de comer às porcas. As observações realizadas são as seguintes:

Maternidade: as porcas não reclamam a comida. Durante a distribuição da ração só a metade das porcas se levanta e come a sua ração. A temperatura rectal das porcas oscila entre os 39 e os 39,9°C. Não se observa nenhum sinal clínico visível nem nas porcas nem nos leitões.

Gestantes: se constata o mesmo que na maternidade.

Cobrição: observa-se um comportamento dos animais totalmente diferente mostrando um apetite normal e uns resultados das ecografias realizados durante a manhã excelentes (92%).

Post-desmame: se bem que o comportamento dos animais aparentemente seja normal, observa-se um certo nervosismo e sobretudo lesões ao nível das orelhas em vários casos (mordeduras ou necrose).

Hipóteses de diagnóstico

Neste momento, as hipóteses que se colocam são:

1°) Presença de vírus: PRRS, gripe…

Necropsia de uma porca morta de manhã
Necropsia de um porco de 60 kg morto de forma súbita
Aspecto exterior - Estado satisfatório
- Edema a nível do pescoço
- Forte distensão abdominal
- Muco sero-hemorrágico
- Derrame hemorrágico a nível do anus
- Aspecto idêntico ao da primípara com uma cor esverdeada mais pronunciada ao nível abdominal
Cavidade abdominal - Distensão gasosa de todos os segmentos intestinais
- Congestão generalizada do intestino e peritoneo
- Colite necrótico-hemorrágica.
- Aspecto idêntico ao da primípara também com descoloração dos rins (nefrite)
Cavidade torácica - Presença de sangue no pericárdio
- Congestão pulmonar
- Congestão pulmonar
- Recolhe-se uma amostra de um segmento do cólon para identificar a possível presença de Brachyspira
  • Para as porcas dieta hídrica durante um dia
  • Utilização de um protector hepático (metionina + betaína + sorbitol)
  • Na engorda comida com água suplementar (sopa)
Porcas
Manhã: as porcas continuam sem apresentar apetite, não pedem a comida excepto as porcas na cobrição onde o comportamento continua sendo normal.

Tarde: as porcas começam a mostrar interesse pela comida e a pedir.
Pós-desmame/engorda
Manhã: os animais continuam sem comer e alguns vomitam. Vários porcos estão inchados e durante a noite morreram 8 animais

Tarde: Idem.
Estatuto da exploração
Hipertermia
Problemas reprodutivos
Problemas respiratórios
PRRS
Negativo
Não
Não, salvo 1 aborto
Não
AUJESZKY
Negativo
Não
Não, salvo 1 aborto
Não
GRIPE
Desconhecido
Não
Não, salvo 1 aborto
Não
  • Sem presença de febre nas porcas
  • Um só aborto observado no dia da visita
  • Sem problemas reprodutivos


  • 2°) Efeito do calor: a temperatura ambiental é normal e não se observam sinais respiratórios (hiperventilação, …)

    3°) Intoxicação: para onde dirigir as suspeitas?

    Tanto o facto de rejeitar o alimento como a presença de alguns animais vomitando nos podem levar a perguntar sobre a qualidade da ração ou sobre a sua distribuição:

  • Formulação: mudou a formulação?
  • Matérias primas: estão-se a utilizar matérias primas novas ou houveram entregas novas?
  • Distribuição: neste caso trata-se de um ponto dificil a ter em conta já que para as porcas a distribuição realiza-se em seco mediante dosificadores e para os porcos a distribuição realiza-se em forma de sopa.



  • Análises e Medidas Tomadas

    Decide-se colher amostras de sangue de 15 porcas com falta de apetite para realizar uma cinética de anticorpos enquanto que se colhem amostras de uma porca que abortou para analizar mediante PCR a presença de PRRSV.

    Necropsias


    Análise física da ração e das fórmulas utilizadas

    Em relação à ração de gestantes, maternidade, primeira e segunda idade, transição, crescimento e engorda não houve alterações na formulação.

    Relativamente às matérias primas armazenadas não mudam desde há várias semanas, excepto uma nova entrega de ervilha e trigo 5 dias antes.

    Ao realizar o exame físico da ração não se observa nem uma cor nem odor suspeitos.

    Recolhe-se uma amostra de 1 kg de ração de transição para detectar a possível presença de micotoxinas, em concreto a vomitoxina deoxinivalenol (DON) devido ao aparecimento de vómitos e falta de apetite. A ausência de falhas reprodutivo (excepto 1 aborto) não nos faz pensar numa possível intoxicação por zearalenona.

    Medidas tomadas

    À espera dos resultados das análises, aconselha-se tomar as seguintes medidas:



    Evolução, Resultados das Análises e Diagnóstico

    Evolução dos sinais clínicos (dia 1)


    Investigações sobre o alimento

    Estudo sobre a cronologia do fabrico da ração e a entrada nova de matérias primas (ervilha e trigo)

    D-5 : Recepção das matérias primas
    D-4 : Fabrico de 5 t de ração de segunda idade e 9 t de ração de transição
    D-3 : Fabrico de 2 t de ração para lactantes e 3 t de ração de engorda
    D-2 : Fabrico de 2 t de ração para gestantes e 12 t de ração de engorda
    D-1 : Fabrico de 3 t de ração de segunda idade

    Após a verificação do estado dos silos, o suinicultor dá-se conta que na cobrição ainda não chegou a nova ração de gestantes que foi fabricada.

    Resultado das análises

    No dia seguinte à visita já se dispõe dos resultados das análises pedidos. São os seguintes:

  • Análise PCR do soro de uma porca que abortou para presença de PRRS: negativo.
  • Presença de micotoxinas na ração: 1620 ppb de DON, resultado que corresponde a um elevado nível de contaminação.


  • Diagnóstico

    Os resultados das análises permitem-nos concluír que os sinais clínicos observados neste caso concreto se devem a uma micotoxicose por DON.


    Medidas Tomadas e Evolução

    Medidas tomadas

  • Decide-se suspender a distribuição de todas as rações fabricadas a partir da entrada de matérias primas do D-5.
  • Realiza-se uma cura geral com um protector hepático (betaína + metionina + sorbitol)
  • Incorporação em todas as rações de um absorvente de micotoxinas esperando a verificação da matéria prima causadora da contaminação.


  • Evolução durante os dias posteriores

    Realizam-se investigações para determinar a ou as matérias primas causadoras da contaminação.

    Em 3 dias o comportamento das porcas volta à normalidade. Pelo contrário, na engorda, foi necessário que passassem 7 dias para alcançar consumos normais e a diminuição total das mortes.

    Em relação à presença de Brachyspira, os resultados foram negativos.


    Comentários

    O caso clínico que nos é apresentado este mês apareceu numa exploração de multiplicação de 530 porcas situada numa zona com baixa densidade suína de França. A exploração é indemne para PRRS, Aujeszky e às principais doenças bacterianas e os resultados técnicos são bons.

    O suinicultor alerta o veterinário ao observar porcas na maternidade e gestação que deixam de comer, aparecem abortos aos 105 dias de gestação e aparecem leitões de 20 kg mortos de forma repentina e com aspecto inchado.

    Após a visita do veterinário e das provas e análises realizadas finalmente se determina que a causa foi uma micotoxicose devida a deoxinivalenol (DON).

    Uma micotoxicose, como a maioria das intoxicações, é um facto acidental dificil de diagnosticar.

    Ante sintomas que frequentemente despistam o veterinário, este deve realizar um raciocinio lógico:

    1. Recolher e hierarquizar as observações realizadas pelo suinicultor: neste caso concreto a observação do comportamento dos animais foi primordial. Se bem que o apareciemtno de abortos alertou logo o suinicultor, a observação da falta de apetite acompanhada de alguns vómitos foi muito importante para estabelecer o diagnóstico.

    2. Confirmar ou invalidar uma possível infecção: ainda que no princípio se pudesse pensar que uma infecção seria o motivo mais tentador, neste caso que doença infecciosa pode afectar ao mesmo tempo as porcas e os porcos alojados em 2 sítios situados a 1,5 km de distância?


    Uma vez eliminadas estas três doenças só uma doença digestiva como a disenteria porcina poderia considerar-se, mas os sintomas observados nas porcas e as necropsias realizadas não confirmam esta hipótese.

    3. Uma vez descartada a via infecciosa, encontrar um ponto em comum entre os 2 sítios: neste caso a alimentação chama a atenção e especialmente quando a fabricação tem lugar na própria exploração e depende da qualidade das matérias primas.

    4. Confirmar a hipótese de uma intoxicação alimentar: neste caso concreto o facto que os animais tenham rejeitado o alimento e a presença de alguns vómitos orientaram para uma possível micotoxicose por DON. Contudo, deve ter-se em conta a possibilidade de estar perante uma associação de micotoxinas, coisa frequente, mas que normalmente dá lugar a um quadro clínico diferente do observado.

  • Rejeição do alimento
  • Mortalidade por "enterotoxemia"
  • Necrose nas orelhas (ou mordeduras)
  • Porcas pálidas e anorécticas...
  • Nefritis


  • As investigações sobre a presença de DON parecem um bom indicador e o facto de que os métodos de detecção são rápidos tornam-no interessante para poder reagir o quanto antes. Devido a que cada vez parece haver mais risco de encontrar micotoxicoses, torna-se necessário estimular os suinicultores a controlar as matérias primas armazenadas que utilizam.

    Por último, as patologias vinculadas às micotoxinas parecem cada vez mais frequentes (não utilização de antifúngicos nos cultivos ou na colheita...) e torna-se bastante aconselhável prevenir estas patologias mediante o emprego de absorventes de micotoxinas.

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