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Antecedentes
A necrose das orelhas é uma patologia bastante comum e enigmática que acontece em explorações suínas de todo o mundo. As supostas causas da necrose de orelhas são múltiplas e tendem a ser especulativas. De facto, há muitos factores de risco associados à necrose de orelhas incluindo traumatismos produzidos por outros porcos ou pelas instalações, excesso de densidade, misturas, humidade elevada, espaço limitado nos comedouros ou bebedouros, rações mal formuladas, micotoxinas, doenças víricas ou bacterianas (Park, Friendship et al. 2013; Svartström, Karlsson et al. 2013; Weissenbacher-Lang, Voglmayr et al. 2012, Richardson, Morter et al. 1984, Karlsson, Klitgaard et al. 2014). Os mecanismos reais e a patogenia da necrose das orelhas ainda não foram descritos, provavelmente devido a esta patologia não ser causada apenas por um único organismo ou mecanismo. Em cães há uma patologia análoga, com uma apresentação macroscópica indistinta, que está normalmente associada a vasculopatias, particularmente vasculites imuno-mediadas associadas a infecçõss, vacinações e erupções produzidas por fármacos (Scott, Miller et al. 2001).
A necrose das orelhas caracteriza-se por uma necrose bilateral ou, menos frequentemente, unilateral da ponta e da borda posterior do pavilhão auricular. As lesões variam desde uma erosão superficial leve a uma inflamação mais severa com exsudação, ulceração e necrose (figura 1). Isto compromete a epiderme e permite o acesso à vascularização da derme, o que permite a propagação sistémica de bactérias piogénicas secundárias que acabam por produzir artrite, pneumonia embólica, abscessos e rejeições no matadouro.
Figura 1 – Ulceração, formação de crostas e engrossamento da epiderme.
Casos chegados ao laboratório de diagnóstico veterinário da universidade estatal de Iowa sugerem que a maioria das explorações dos Estados Unidos tiveram casos esporádicos e imprevisíveis, que apresentam uma grande variabilidade na frequência, morbilidade, severidade das lesões e impacto global na população.
Resultados recentes
Recentemente foi levada a cabo uma investigação sobre a necrose das orelhas nas explorações da região do médio-oeste dos EUA com o objectivo de caracterizar a progressão das lesões e detectar a presença de agentes patogénicos potenciais. Em todos os casos, foram recolhidas amostras para histopatologia e diagnóstico molecular e metagenómico em uma única investigação.
A histopatologia da epiderme e da derme dos porcos com afecção aguda revelou uma inflamação perivascular da camada profunda da derme com alterações mínimas na epiderme (figura 2). As alterações na epiderme incluíram acantoses e hiperqueratose ortoqueratósica. Num caso predominaram os eosinófilos, com vasculite, trombose e necrose epidérmica. As alterações nos porcos afectados cronicamente incluíram ulceração, acantose irregular, formação de tecido de granulação e trombose nas camadas profundas da derme (figura 3). As alterações crónicas são semelhantes às descritas anteriormente (Jensen 2009, Richardson, Morter et al. 1984)
Figura 2 – Biópsia da ponta da orelha de um porco com uma afectação aguda. A derme profunda está
expandida por um edema e há um número moderado de neutrófilos com alterações epidérmicas mínimas.
Figura 3 – Biópsia da ponta da orelha de um porco com afectação crónica. As alterações epidérmicas incluem a ulceração com inflamação subjacente, formação de uma crosta serocelular e acantose na epiderme. A derme profunda está expandida por tecido de granulação e hemorragias. Os vasos da derme profunda estão afectados por tromboses e vasculites.
A detecção de genes da toxina exfoliativa de Staphylococcus hyicus mediante PCR foi negativa, embora a PCR estivesse mais optimizada para extractos de cultura que para extractos gerados a partir de amostras de tecido (Onuma, Uoya et al. 2011). A análise metagenómica da epiderme e da derme, através da amplificação da região hipervariável V3-V4 do gene bacteriano 16S rRNA, revelou diferenças significativas em diversidade alfa (riqueza de espécies) (P = 0,003) entre os porcos com necrose crónica e os porcos sem necrose; isto significa que o número de espécies identificadas, segundo o número de sequências amostradas em cada grupo, foi menor no grupo crónico. Concretamente, a abundância relativa de Actinobacillus spp., Fusobacterium spp., Streptococcus spp. e Staphylococcus spp. foi significativamente diferente entre os grupos afectados (combinando os agudos e os crónicos) e os não afectados (figura 6).
Figura 6 - Abundância relativa em cada grupo de vários géneros de bactérias e da classe Clostridia.
Foi utilizada uma análise estatística para avaliar a importância biológica de cada taxão significativo. Ao comparar porcos com necrose de orelhas (combinação de grupos crónicos e agudos) com porcos sem necroses, ficou determinado que 209 taxões tinham diferenças significativas na sua abundância, embora ao comparar entre agudos, crónicos e não afectados as diferenças se tenham limitado a 24 taxões. Dentro deste grupo foram identificadas duas bactérias, potencialmente septicémicas, como biologicamente significativas nas amostras de porcos com afecção aguda: Actinobacillus spp. e Haemophilus spp.
Normalmente, nestes casos, a presença de inflamação dérmica com poucas alterações epidérmicas sugere um processo "de dentro para fora" mais que um processo "de fora para dentro" e poderá sugerir um compromisso vascular que permite a colonização e uma progressão da lesão devido a bactérias oportunistas. A análise metagenómica revelou que as comunidades bacterianas mudam significativamente à medida que as lesões progridem. Devem fazer-se mais investigações para determinar se os géneros Actinobacillus e Haemophilus agem como etiologias primárias ou são invasores secundários devido ao comprometimento vascular.
Investigações futuras
Um estudo prospectivo ajudaria a dilucidar os possíveis mecanismos envolvidos no desenvolvimento da necrose das orelhas. Seguramente seriam necessários múltiplos ensaios, incluindo técnicas clássicas como imunohistoquímica e microscopía electrónica para a detecção de complexos imunitários, culturas para a caracterização de toxinas bacterianas mediante PCR, assim como as técnicas mais recentes de metagenómica e transcriptómica para caracterizar o microbioma da orelha de porcos afectados e não afectados e a abundância relativa de vasodilatadores e vasoconstrictores, respectivamente. Como sempre, são essenciais a selecção de amostras e da fase da patologia. As lesões crónicas proporcionam muito pouca informação sobre a etiologia inicial.
Resumo
A necrose das orelhas continua a ser enigma. O uso coordenado de diferentes técnicas poderá elucidar os mecanismos e/ou etiologias que permitam a implementação de medidas preventivas e de tratamentos dirigidos.