Em produção animal, conhecer a dinâmica dos processos digestivos, a sua relação com o consumo e a composição da ração, é fundamental para otimizar o rendimento dos animais.
A fração fibrosa das rações tem um impacto notável sobre os processos digestivos. Tradicionalmente associada a uma redução da densidade energética das dietas e da digestibilidade dos nutrientes, a fibra está a ser "re-descoberta" pelos seus múltiplos benefícios na alimentação de suínos. Neste sentido, a proporção de fibra nas rações já não é necessariamente sinónimo de pior qualidade. São conhecidos os efeitos positivos da fibra sobre a sensação de saciedade em reprodutoras, a saúde intestinal e a redução de emissões de amoníaco (NH3) a partir das purinas. Além disso, como forma de melhoria de sustentabilidade e redução de custos na produção, a incorporação de subprodutos agro-industriais fibrosos é cada vez mais frequente em rações para todas as idades. Esta prática pode também contribuir para uma redução da pegada de carbono da carne porcina, ao incorporar subprodutos em substituição de matérias primas nobres nos alimentos. No entanto, os efeitos específicos dos diferentes tipos de fibra no consumo voluntário, na digestão e no metabolismo podem ser muito variáveis. A seguir, descrevem-se alguns destes beneficios e a sua relação com o tipo de fibra.
A nível fisiológico, as diferentes fontes de fibra influenciam aspetos chave da digestão como o tempo de retenção dos alimentos no trato gastrointestinal. Este está condicionado, principalmente, pela velocidade e frequência do esvaziamento gástrico e a eficiência das contrações peristálticas do intestino (Black et al., 2009). Inicialmente, um aumento do tempo de retenção permite um maior tempo de contacto entre o alimento, as enzimas e outros componentes da digestão, facilitando a digestão e absorção. Tradicionalmente, considera-se que a inclusão de fibra não digerível (farelos e outras matérias primas linhocelulósicas) na dieta, aumenta a velocidade do trânsito. No entanto, alguns estudos não demonstram diferenças na velocidade do trânsito ou demonstram inclusivamente reduções na velocidade do trânsito ao nível do intestino grosso (Wenk, 2001; Urriola e Stein, 2010) ao incluir fibra não digerível, o que sugere que estes efeitos podem depender do alimento, do seu nível de inclusão ou de outros fatores. Por outro lado, a inclusão de fibra solúvel (beterraba, cítricos,...) reduz a velocidade do trânsito, ainda que sem beneficio algum sobre a digestão e a absorção de nutrientes. Esta redução na velocidade do trânsito deve-se, fundamentalmente, a um atraso no esvaziamento gástrico por um aumento da viscosidade da digesta (Guerin et al., 2000) que, por sua vez, modifica a distribuição do alimento ao nível intragástrico (Figura 1).
Ainda que inicialmente a fibra exerça um efeito negativo sobre a digestibilidade dos nutrientes, é de eleição quando se procura um efeito positivo sobre a saciedade em porcas gestantes. A razão é que este tipo de fibra é capaz de manter a absorção de nutrientes por periodos mais longos e estimular a produção de ácidos gordos voláteis (AGV) que, além de constituírem uma fonte de energia para o animal, são capazes de influenciar na libertação de péptidos como a grelina, o glucagon tipo 1 e o péptido YY, associados ao metabolismo energético e lipídico (Leeuw et al., 2008; Sánchez et al., 2012).
Ao nível da saúde intestinal, a inclusão de fibra é susceptível de melhorar a absorção dos nutrientes, potenciar a proliferação de bactérias benéficas e prevenir a colonização por bactérias patogénicas oportunistas. Este efeito prebiótico é fundamental hoje em dia tendo em conta o cenário atual de redução do uso de antibióticos. Os efeitos sobre a microbiota e a saúde podem ser diferentes segundo o tipo de fibra (Tabela 1). A título de exemplo a inclusão de fontes de fibra solúveis como o amido resistente e pectinas, promovem a proliferação de bifidobactérias e Lactobacillus e reduzem a contagem de enterobactérias (Bikker et al., 2006; Cerisuelo et al., 2015; Fohuse et al., 2015). Por outro lado, a fibra insolúvel poderia estimular o crescimento de bactérias celulolíticas como Ruminococcus (Bindelle et al., 2010). Estes efeitos baseiam-se no facto que os AGV (butírico principalmente) provenientes da fermentação são capazes de promover a proliferação e capacidade de absorção do epitélio intestinal e modificar o crescimento microbiano. Contudo, em concentrações elevadas, a fibra solúvel pode apresentar efeitos negativos sobre a saúde intestinal, devido ao aumento da viscosidade da digesta. Por isso, a melhor estratégia para promover a saúde intestinal parece ser a combinação de diferentes tipos de fibra nas rações (Agyekum and Nyachoti, 2017).
Tabela 1. Resumo de estudos em que se avalia o efeito do tipo de fibra sobre o rendimento produtivo e a saúde intestinal em suínos (Adaptado de Agyekum and Nyachoti, 2017)
Fase | Desafio | Tipo de polissacarídeos não amiláceos | Resposta | Referência | |
Rendimento produtivo | Saúde intestinal | ||||
Desmame | E. coli | Solúvel | Redução GMD | Maior incidência DPD! e maior pH | Hopwood et al. (2004) |
Desmame | E. coli | Solúvel | Não | Maior incidência DPD!, sem diferenças no pH | Montagne et al. (2004) |
Engorda | Lawsonia intracelularis | Insolúvel | Não | Sem diferenças na gravidade/alcance de lesões a nível intestinal e episódios de diarreia | Whitney et al. (2006) |
Engorda | Disenteria suína | Solúvel | Não | Menor incidência de DPD1 | Thomsen et al. (2007) |
Desmame | Não | Insolúvel | Não | Menor incidência de DPD, maior consistência de fezes | Kim et al. (2008) |
Desmame | E. coli | Solúvel | Não | Menor incidência de DPD, maior rácio Lactobacillus: coliformes | Welloc et al. (2008) |
Desmame | Não | Insolúvel | Não | Sem diferenças na DPD, aumento da produção de ácidos gordos de cadeia curta, redução E. coli e coliformes | Molist et al. (2001) |
Desmame | E. coli | Insolúvel | Não | Menor incidência de DPD e E. coli, maior diversidade microbiológica | Molist et al. (2010) |
Engorda | Não | Solúvel | Não | Redução de enterobacterias | Smith et al. (2011) |
1DPD: Diarreia pós-desmame
A inclusão de fibra nas dietas tem também benefícios para o meio ambiente como a redução das emissões de NH3 a partir das purinas. Diversos estudos sugerem que a inclusão de ingredientes ricos em fibra fermentável (solúvel) como a polpa de beterraba, as polpas de fruta ou a casca de soja, aumenta a proporção de nitrogénio excretado nas fezes na forma de proteína microbiana (N orgânico) reduzindo-se a quantidade de N que é eliminado pela urina (N mineral) e, consequentemente, as emissões de NH3 (Portejoie et al., 2004; Jarret et al., 2011). Estudos recentes, no entanto, indicam que também a inclusão de fibra insolúvel em rações pode dar lugar a uma redução das emissões de NH3, ainda que os mecanismos de controlo sejam diferentes (Beccaccia et al., 2015).
Numa perspetiva de eficiência económica, sustentabilidade e saúde, o maneio de dietas fibrosas na alimentação de suínos constitui um novo desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para aproveitar os seus benefícios na alimentação de suínos. Porém, estas dietas devem ser acompanhadas do desenvolvimento de estratégias que melhorem a sua digestibilidade.