Entrevista a Oliver Duran, líder da equipa técnica da área de suínos de Boehringer Ingelheim Animal Health.
Houve algumas mudanças nos protocolos de vacinação de substituição e reprodutoras contra PCV-2?
Hoje, a vacinação da substituição está bastante bem estabelecida, mas a vacinação de rotina das mães é menos comum. Por se tratar de uma doença com uma epidemiologia em que há tantos elementos envolvidos, existem diferentes teorias: algumas teorias contemplam que a vacinação e uma infecção subsequente pelo vírus presente no ambiente seriam suficientes para gerar imunidade sólida e não ver instabilidade na exploração.
Por outro lado, o aparecimento de lotes de primíparas seronegativas está documentada. Estas primíparas que chegam seronegativas à exploração de mães e portanto plenamente susceptíveis, são um risco. Quando as fêmeas de substituição não são vacinadas e a infecção de campo é nula, devido à constante pressão de vacinação dos últimos 15 anos, pode-se chegar a uma situação onde se tem uma exploração de mães muito susceptível ao PCV-2. Isto pode gerar dois problemas: por um lado, nos animais de engorda produzidos pelas fêmeas e por outro lado, que essas mesmas fêmeas apresentem problemas reprodutivos. Estes dois problemas não têm por que surgir juntos e nem todas as explorações apresentam problemas reprodutivos.
Isto coloca em evidência a importância de ter um bom plano de monitorização contínua, para avaliar se a situação epidemiológica está a mudar e para gerir a análise de risco. A implementação da vacinação de rotina nas mães oferece um nível extra de segurança e geralmente é implementada por explorações que tenham problemas reprodutivos devido ao PCV-2. Cada circunstância deve ser analisada de maneira concreta.
Existe debate de como é que a vacinação em massa das explorações e a vacinação das reprodutoras afectou a epidemiologia da infecção. Qual a sua opinião a este respeito?
Este tema é controverso. Há casos onde é descita presença de vírus no leitão ao nascimento, demonstrando muita transmissão de PCV-2 da mãe para o leitão. E nestes casos foi demonstrado que a vacinação massiva das mães mudava a dinâmica e se reduzia a infecção precoce no leitão. Foram observados casos nos E.U.A., em Espanha, mas não é algo global.
Como é que respondem à vacinação estes leitões que nascem infectados com PCV-2 e protegidos com anticorpos maternais, é algo difícil de replicar no laboratório para poder estudar. Tipicamente a epidemiologia é apresentada com casos clínicos precoces (2-3 semanas pós-desmame). Quando as explorações que aplicam a vacinação de rotina observam problemas clínicos de PMWS, o primeiro é saber se os protocolos de vacinação são realizados correctamente ou realmente o problema deriva de que os animais já estavam infectados no momento da vacinação. Esta última situação foi vista em casos esporádicos, mas não responde à generalidade dos casos observados. Os meus colegas e eu tivemos ocasião de ver casos onde a vacinação está a ser realizada correctamente, seja por erro humano (vacinação a dose incompleta, vacinação incompleta de um lote ou grupo, má técnica de vacinação), por mau maneio do produto ou falta completa de implementação da vacinação.
É importante insistir em que no programa de vacinação recomendado com Ingelvac CircoFLEX®, a vacinação das mães nunca substitui a vacinação dos leitões.
Quando deve ser considerado que uma exploração pode ter um problema reprodutivo relacionado ao PCV-2?
Os quadros típicos mais frequentemente observados são explorações que estão a ser repovoadas, com uma população composta inteiramente de porcas, onde se observa que a exploração não está a obter os resultados reprodutivos esperados para a genética com a qual trabalha. Não devem ser esperados grandes quadros de abortos, nascidos mortos etc. É mais uma perda de eficiência reprodutiva que às vezes é difícil de diagnosticar. Nalguns casos pode assemelhar-se à parvovirose, com um aumento no número de mumificados que, sem ser dramático, pode ser detectado se houver um bom sistema de recolha de dados (Foto 1).
Para obter um diagnóstico correcto é necessário uma boa amostra de nascidos mortos e mumificados. A detecção de lesões histológicas nos órgãos, em combinação com a detecção do antigénio, seja por PCR ou por imuno-histoquímica, permite confirmar a infecção por PCV-2.
E como afecta a presença de anticorpos maternais à eficácia da vacinação do leitão?
Cada vacina é diferente na sua composição, no adjuvante e na maneira como gera imunidade e tudo isso afecta o modo como funciona no campo. A questão sobre como a vacina funciona na presença de anticorpos maternais não é nova e publicámos recentemente novos dados (Figueras-Gourgues et al.) onde o comportamento individual dos leitões foi avaliado na presença de diferentes níveis de anticorpos maternais no momento da vacinação (baixo-alto-muito alto). Em todos os casos, os animais vacinados apresentaram melhores dados de crescimento em comparação aos animais não vacinados, independentemente do nível de anticorpos presentes no momento da vacinação. A vacinação do leitão nesse teste (Ingelvac CircoFLEX®) melhorava o ganho médio diário (GMD), reduzia a mortalidade e virémia por PCV-2, independentemente do nível de anticorpos maternais no momento da vacinação.
Estes bons resultados da vacinação na presença de níveis elevados de anticorpos maternais provavelmente são dados porque o objectivo da Ingelvac CircoFLEX® é gerar uma resposta imunitária dirigida à imunidade celular, que ao que parece não é tão susceptível a uma resposta que requer mais implicação dos anticorpos. Estudos realizados na Universidade de Viena demonstraram protecção devida à geração de níveis elevados de Células T de tipo CD4+ que induzem a produção de citoquinas efectivas contra o PCV2 (Koenig et al 2015). Ao contrário, demonstrou-se que elevados títulos de anticorpos não neutralizantes não estão correlacionados com protecção (Tribble et al 2012). Este tipo de resposta é dada pelo desenho da Ingelvac CircoFLEX® em relação ao antigénio e sobretudo ao adjuvante ImpranFLEX® que está dirigido à imunidade mediada por células e não tanto aos anticorpos.
O conhecimento das características essenciais da vacina usada na exploração é importante para poder avaliar outros elementos. Por exemplo, este maior foco em estimular a imunidade mediada por células faz com que os animais vacinados com Ingelvac CircoFLEX®, não expostos a vírus de campo, não demonstrem seroconversão em todos os porcos nos testes comerciais de ELISA, no entanto estão protegidos contra PCV2.
Está a ser controlada a infecção sub-clínica por PCV-2?
É difícil medir o impacto da doença sub-clínica já que depende de uma infinidade de factores específicos para cada exploração e são situações difíceis de replicar no laboratório. Foram observadas situações onde, em contextos de preços muito baixos, explorações que cortaram na vacina (por exemplo, aplicando meia dose), observaram situações onde, talvez sem chegar a casos de mortalidade como nos quadros típicos de PMWS, observava-se uma afectação importante no crescimento (Foto 2). Os veterinários que sofreram PMWS antes do aparecimento da vacina estão plenamente conscientes do valor que a infecção sub-clínica por PCV-2 tem. Para os veterinários mais jovens, que não experimentaram o impacto da doença, basicamente tornou-se uma vacina de uso rotineiro, com o que se torna mais difícil dimensionar esse impacto.
Os veterinários dispõem de boas técnicas de diagnóstico?
As técnicas existem, mas é importante utilizá-las e interpretá-las correctamente para poder tirar conclusões válidas que ajudem a encontrar uma solução.
É imprescindível partir sempre de um bom diagnóstico, o que é cada vez mais difícil em alguns sistemas com um número crescente de animais a terem que ser controlados pelo veterinário. Vemos muitas vezes um problema de falta de um diagnóstico realizado em profundidade, seja de forma directa, por falta de confirmação diagnóstica, seja por se tratar realmente de infecções mistas provocadas por vários agentes patogénicos. Ver um animal que perde peso num pós-desmame muitas vezes relaciona-se com PCV-2 e síndrome de perda de peso, quando se deve recordar que há muitas condições de maneio, nutrição, ambientais ou outras patologias que podem estar a provocar quadros clínicos relativamente similares ao síndrome (Foto 3).
É importante combinar mais de uma técnica diagnóstica: PCR com histologia, PCR com uma boa avaliação clínica ou a correcta realização de necrópsias. Tirar conclusões apenas baseadas em resultados de PCR não fornece suficiente informação para poder trazer soluções. Os PCR podem detectar vírus em quantidades extremamente baixas mas o que significa um PCR positivo a PCV-2 quando sabemos que a vacinação não elimina completamente a presença de vírus? Técnicas mais potentes de diagnóstico tornam necessária uma maior necessidade de uma correcta interpretação para não cair em conclusões erradas que afastam de uma solução.
As estirpes de PCV-2 variam com o tempo? Como é que isso afecta a protecção que pode ser esperada das vacinas?
Deve-se estar sempre atento ao aparecimento de novas estirpes e de novos serótipos. A Boehringer Ingelheim dispõe de um programa de acompanhamento de novas estirpes e vírus. O objectivo deste programa é constatar, quando surge uma nova estirpe, que as vacinas que há actualmente no mercado forneçam uma correcta protecção contra essas novas estirpes ou, se for necessário tomar medidas para futuros desenvolvimentos. Até agora, através de infecções experimentais com as novas estirpes de PCV-2 que foram aparecendo, tem-se demonstrado que Ingelvac CircoFLEX® também cobre estas novas estirpes. Também se obtém muita informação valiosa das experiências dos nossos clientes. Foram realizados estudos em explorações onde a vacinação pode ser considerada bem sucedida, com ausência de casos clínicos, mas onde podem ser detectados vírus e o perfil genético das estirpes de PCV-2 é variado e ainda assim a vacina funciona.
Mas o mundo dos vírus é um tanto dinâmico e esse programa de monitorização contínuo, seja através da comunicação com nossos clientes, seja através da colaboração com grupos de pesquisa, é fundamental para se manter informado sobre o que está a acontecer na exploração e poder ser preparado se ocorrerem alterações.
Também foram descritos os vírus PCV-3 e, recentemente, PCV-4. Sabemos que implicações têm estes vírus?
PCV-3 e PCV-4 são vírus muito diferentes, com pouca similaridade genética com o PCV-2 e, por isso, não existe uma expectativa de que as vacinas contra o PCV-2 sejam eficazes contra estes outros vírus.
Até hoje, o que foi notificado são casos muito esporádicos de problemas associados a PCV3, onde se descreve uma ligeira afectação das taxas reprodutivas que não é fácil de detectar. Também é certo que foi isolado PCV-3 de animais sãos e de explorações sem nenhum problema. Mas muito pode mudar: a susceptibilidade dos porcos, o próprio vírus ou outros elementos. A modo de exemplo, PCV-2 estava presente na população 20 anos antes de se originar o grave problema clínico que vivemos. Por isso, cremos ser importante manter esta vigilância activa para estar o melhor preparados se surge alguma mudança.
Relativamente ao PCV-4, este vírus foi descrito recentemente na China onde foi detectado em casos clínicos onde estavam presentes outras infecções. É cedo para saber se terá algum tipo de relevância clínica.
Qual o desafio que o circovirus suíno coloca para o futuro?
O impacto do síndrome de perda de peso teve na produção suína não pode ser esquecido, para manter presente a necessidade de continuar a implementar a vacinação contra o PCV-2 de forma correcta. Sabe-se que os problemas voltariam apenas se se deixasse de vacinar. Continuamos a trabalhar para definir o programa de controlo ideal onde podemos tirar o máximo benefício do investimento que implica a vacina e evitar as situações onde o custo da vacina se desperdiça, seja por defeitos na aplicação, no protocolo de vacinação ou por não cobrir as diferentes áreas da exploração: reprodutoras, engorda e substituição.
Para continuar a aportar valor ao cliente resulta imprescindível a comunicação que se estabelece com os veterinários de campo, assim como o trabalho que realizam os nossos colegas de forma directa com os clientes.
Outro desafio que temos muito presente é o planeamento da sanidade de uma exploração no seu conjunto e não tanto avaliando vírus ou produtos isolados. Procurar estratégias para maximizar a produtividade considerando todos os desafios em conjunto, em vez de avaliar um vírus concreto sem ver a situação global. Esses planos globais devem abordar todos os elementos relevantes que vão desde a biossegurança, um correcto fluxo TD- TF, até a atenção ao pormenor, todos esses elementos importantes junto com a correcta eleição e aplicação da vacina.