Embora tenham sido feito numerosos estudos sobre infecções experimentais por Salmonella em leitões, a realidade é que existem poucos estudos de campo que avaliem a prevalência e a dinâmica dessa infecção durante o período de lactação. Isto é facilmente compreensível porque, para determinar adequadamente os níveis de infecção numa população de leitões, seria necessário o abate de um grande número de animais, pois é necessário investigar a colonização da bactéria em órgãos diana, como amígdalas e nódulos linfáticos ileocecais e mesentérico. Em muitos países, o abate de animais tão jovens para avaliar esse aspecto seria antiético e caro.
Por isso, os poucos estudos publicados até ao momento baseiam-se exclusivamente na análise da prevalência de excreção, ou seja, da presença de Salmonella nas fezes.
Estes estudos sugerem que a proporção de leitões lactantes que excretam Salmonella é, em geral, baixa (entre 0% -10%), geralmente associada a altos níveis de imunoglobulinas maternas protectoras (colostro) contra infecções e níveis mais altos de biossegurança nas explorações de mães. Isso contribui para o facto de a salmonelose não ser considerada uma patologia importante neste período produtivo e as suas implicações para infecção em etapas posteriores (transição e engorda) tenham sido pouco estudadas.
No entanto, todos esses trabalhos são baseados principalmente na análise de uma pequena quantidade de matéria fecal obtida por zaragatoas retais. É sabido que a sensibilidade da bacteriologia em amostras fecais de animais assintomáticos está directamente relacionada com a quantidade de fezes utilizadas, portanto, é altamente provável que esses estudos tenham subestimado a verdadeira prevalência de excreção de Salmonella nesses animais. Além disso, a ausência de excreção não demonstra necessariamente que um animal não está infectado, uma vez que a excreção intermitente em porcos infectados é um fenómeno claramente demonstrado.
A disponibilidade na Espanha de matadouros especializados no abate de leitões para consumo humano oferece uma grande oportunidade de estudar em pormenor a infecção por Salmonella em leitões desmamados, sem os inconvenientes éticos e o custo económico discutido anteriormente. Assim, a nossa equipa investigou a prevalência de infecção e excreção de Salmonella numa população de 495 leitões recém-desmamados (aproximadamente 4 semanas de vida) procedentes de 5 explorações de porcas serologicamente positivas a Salmonella. E os resultados foram surpreendentes…
Foram infectados 36% dos leitões (colonização de nódulos linfáticos mesentéricos) e uma percentagem semelhante (35%) excretou a bactéria. Os principais excretores eram obviamente leitões infectados (70%). Isto não é de estranhar, já que, dada a idade dos leitões, era esperado que fossem primo infecções, e é nesse caso quando é mais fácil detectar a excreção. Estes resultados, juntamente com o facto de não serem mostrados sinais clínicos da doença, destacam o papel activo que os leitões estavam a desempenhar na manutenção da infecção nessas explorações.
Os principais serótipos encontrados nos leitões incluiram a variante monofásica de S. Typhimurium (35,4%), S. Rissen (17,1%), S. Derby (10,9%) e S. Bovismorbificans (10,3%). Na maioria dos animais infectados (72,8%), o mesmo serótipo foi encontrado nos nódulos linfáticos mesentéricos e nas fezes. Estes serótipos coincidiram com os excretados pelas porcas presentes na exploração ao mesmo tempo que os leitões. De facto, 89% dos serótipos identificados nas porcas estavam presentes nos leitões. Uma análise genética posterior através de electroforese em gel de campo pulsado (PFGE) das estirpes de Salmonella isoladas tanto de leitões como das porcas, determinou que em 75% das comparações existiam uma alta correlação genética (>90%), sugerindo a circulação de estirpes de Salmonella entre as porcas da exploração e os leitões.
O suco de carne dos leitões também foi analisado para quantificar os níveis de anticorpos específicos contra Salmonella. A principal descoberta encontrada foi que os valores de ELISA (medidas como percentagem da densidade óptica -% DO-) foram significativamente mais altos nas amostras de leitões não infectados do que naqueles infectados (% DO mediana de 17,3 e 12,0; respectivamente; P = 0,002). Tendo em conta que a essa idade os únicos anticorpos presentes no leitão são de origem maternal, este resultado sugeria um possível efeito protector do colostro da porca. Portanto, assegurar um consumo adequado de colostro nas primeiras horas de vida pode ser uma estratégia básica para prevenir a infecção por Salmonella durante a lactação. O aumento da qualidade do colostro (ou seja, a quantidade de imunoglobulinas) através de vacinação das porcas antes do parto também deveria ser avaliada como outra possível estratégia, ainda que sejam necessários estudos que o confirmem.
Em resumo, os resultados deste trabalho sugerem que a prevalência de infecção por Salmonella nos leitões lactantes procedentes de explorações seropositivas é, seguramente, muito mais alta que o esperado. Isto poderia ter um impacto na fase de transição, especialmente agora que se eliminaram os tratamentos preventivos com antibióticos aos quais a Salmonella era altamente sensível (p. ex. colistina). Garantir um bom encolostramento dos leitões, junto das estratégias que ajudem a reduzir a excreção nas porcas (p. ex. uso de certos aditivos alimentares como ácidos orgânicos, prebióticos, etc. ou a vacinação de porcas) possivelmente reduzem num maior controlo da infecção por Salmonella nas explorações de produção. Mas será necessário realizar mais investigações.