Descrição da Exploração
O presente caso clínico apareceu numa exploração francesa de ciclo fechado com 400 porcas situada numa zona de baixa densidade suína (a exploração mais próxima encontra-se a 10 km).
Maneio: 3 semanas, desmame aos 28 dias, 7 bandas, 52 partos por banda.
Reprodução: mediante inseminação artificial (o sémen de varrasco Pietrain é comprado fora).
Alimentação: fabrica-se na própria exploração.
Organigrama da exploração:
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Q= quarentena G= gestantes M= maternidade |
E= enfermaria
T= transição Engr= engorda |
Genética: devido a vários problemas sanitários o suinicultor decide substituir todas as porcas reformando todas as bandas de porcas ao desmame e introduzindo bandas completas de primíparas indemnes a PRRS, actinobacilose e micoplasmose sem interromper a produção.
Biosegurança: nas baterias e engorda tomam-se estritas medidas de biosegurança entre os animais velhos e os novos.
Plano vacinal:
Primíparas | Parvovirus |
Mal Rubro | |
PRRS | |
Colobacilose (com dose de rappel nas gestantes) | |
Micoplasmose | |
Actinobacilose (só na quarentena) | |
Leitões | Micoplasmose (na maternidade) |
PRRS (às 7 semanas de vida) |
Datos reprodutivos: os resultados reprodutivos e de desmame nas primeiras bandas de primíparas são satisfatórios (90 % de fertilidade e 10,1 desmamados por ninhada).
Aparecimento do caso e 1ª visita à exploração
A partir das primeiras bandas de leitões observa-se o aparecimento de coxeiras nos leitões desmamados vários dias após o desmame. Nos leitões procedentes do efectivo velho não existia esta patologia. Administra-se amoxicilina mediante injecção mas não se observa nenhum efeito.
Durante a visita do veterinário inspeccionam-se as maternidades e as baterias:
Maternidade
Todas as porcas foram substituidas e só há primíparas. Não se observa nenhuma coxeira nem nenhum tipo de problema reprodutivo ou respiratório.
São observados na maternidade problemas de agressividade das porcas para com os seus leitões no parto, em alguns casos as porcas matam os leitões.
Nos leitões não se observam problemas nem de diarreias nem de coxeiras. O aspecto no momento do desmame é bom e têm um peso médio de aproximadamente 8,5 kg. O maneio dos leitões consiste no corte dos dentes com alicates de corte, injecção com ferro aos dois dias de vida e injecção com amoxicilina para prevenir diarreias e artrites. Além do mais, nos ninhos espalha-se um pó secante não desinfectante.
Baterias
No dia do desmame aparecem os problemas de coxeiras. Cerca de 8 % dos leitões estão afectados. Estas coxeiras observam-se principalmente ao nível do ombro, assím como ao nível da anca. Frequentemente afecta os leitões com bom aspecto corporal, a dor é intensa e o leitão não apoia a pata no solo. Por contra, não se observa febre.
Os tratamentos antibióticos com amoxicilina não têm nenhuma resposta, além disso, o suinicultor crê que as injecções agravam o estado dos animais (quiçá por causa do maneio durante o corte de dentes e administração do ferro).
Na maioria dos casos, o suinicultor acaba por sacrificar os leitões, o que dá lugar a um índice de perdas de 5% por banda.
Não se observa nenhum outro problema no desmame (diarreias, tosse, espirros...). O índice de crescimento no desmame é superior aos 530 g/d (100 g mais que os obtidos nos leitões procedentes do antigo lote de reprodutoras).
A banda analisada encontra-se alojada num pavilhão de desmame velho sobre slat de betão.
Decide-se enviar, para analisar no laboratorio, dois leitões não tratados e prescreve-se um tratamento à base de ceftiofur e lincomicina junto com un anti-inflamatório, precisando que se deverá realizar o antes possível.
À espera dos resultados são várias as perguntas que o veterinário faz a ele próprio:
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¿Quais são as possíveis causas das coxeiras:
- Fracturas ou luxações após a deslocação dos animais entre a maternidade e as baterias?
- Artrite resistente à amoxicilina?
- Problemas de crescimento ósseo que dão lugar à dor?
- ¿Porque esta patologia aparece nos leitões procedentes da nova genética?
Resultados das análises
Autopsias
Os dois leitões apresentam coxeiras nas extremidades anteriores. A articulação úmero-escapular apresenta poucos sinais de artrite, o líquido sinovial encontra-se praticamente normal; presença de um ligeiro depósito amarelado ao nível da epífise umeral. Recolhe-se uma amostra do líquido sinovial para realizar uma análise bacteriológica. O exame comparativo dos dois úmeros direito e esquerdo mostrou um alargamento do úmero com presença de um tecido cartilaginoso ao redor da extremidade distal. Decidiu-se realizar uma radiografia e observou-se ausência de fracturas. Contudo, a radiografia mostrou uma opacidade óssea anormal, como se existisse um problema de mineralização. |
Bacteriologia
Isolou-se Staphylococcus aureus da articulação úmero-radial dos dois animais analizados e da articulação tibio-társica num deles.
Antibiograma de Staphylococcus aureus
Interpretação
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Aminosidos | Gentamicina |
Resistente
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Espectinomicina |
Resistente
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Apramicina |
Sensível
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Neomicina |
Sensível
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Beta-lactâmicos | ||
Amoxicilina |
Intermédia
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Cefalosporinas | Ceftiofur |
Sensível
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Quinolonas |
Ácido oxolínico |
Sensível
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Flumequina |
Sensível
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Enrofloxacina |
Sensível
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Polipéptidos | Colistina |
Resistente
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Sulfamidas e associação | Trimetoprim |
Sensível
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Trimetoprim sulfa T |
Sensível
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Tetraciclinas |
Oxitetraciclina |
Resistente
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Doxiciclina |
Resistente
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Interpretação dos resultados
Tendo em conta estes resultados, o veterinário fez-se várias perguntas:
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Para poder responder a todas estas perguntas o veterinário pediu uma histologia dos úmeros.
Diagnóstico, medidas tomadas e evolução do caso
Diagnóstico
Os resultados do exame histológico realizado nos úmeros concluem que se trata de uma osteomielite e artrite exudativa crónica, fibrinoleucocitária com sinovite crónica hiperplásica e sequestro ósseo em presença de Staphylococcus aureus.
Medidas tomadas
Tendo em conta que a origem do problema se encontra provavelmente nas maternidades decide-se incidir nesta fase mediante:
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Evolução do caso
As medidas tomadas permitiram reduzir a incidência das coxeiras. Os tratamentos à base de ceftiofur deram bons resultados sempre e quando o suinicultor interviesse rapidamente. A vigilância e detecção rápida dos animais doentes foi essencial.
Nas bandas seguintes o suinicultor teve ainda alguns problemas com dois ou três leitões.
Ainda que não tenham nascido os leitões do segundo parto, espera-se que a imunidade melhor a qualidade do colostro e reduza a incidência de coxeiras.
Comentários
O presente caso apareceu numa exploração francesa de ciclo fechado com 400 porcas. O aparecimento de vários problemas sanitários fez com que o suinicultor decidisse renovar todo o efectivo reprodutor reformando todas as bandas de porcas ao desmame e introduzindo, sem interrupção da produção, bandas completas de primíparas indemnes para PRRS, Actinobacillus e Micoplasma.
As intensas coxeiras observadas nos leitões imediatamente depois do desmame deveram-se a osteomielite com artrite exudativa crónica em presença de Staphylococcus aureus.
O caso apresenta vários aspectos interessantes a sublinhar:
Um contexto particular:
A substituição de todas as porcas por bandas completas de primíparas sem interrupção da produção.
Um diagnóstico coerente com a clínica e as lesões:
As intensas coxeiras observadas nos leitões imediatamente depois do desmame foram devidas a osteomielite com artrite exudativa crónica em presença de Staphylococcus aureus. O interessante deste caso é a diferença entre a clínica observada na exploração com animais doentes que não apoiam as suas patas no solo e as lesões observadas no laboratório com poucas lesões de artrite. Além do mais, a débil resposta à antibioterapia fez pensar nalgum problema de fracturas. Os resultados da radiografia permitiram descartar definitivamente esta hipótese. Neste ponto o veterinário volta a estar no ponto de partida: ¿como explicar as coxeiras e a falta de lesões?. A resposta do exame histológico é clara e aporta um elemento decisivo ao diagnóstico: a osteomielite.
Considerando a informação clínica e laboratorial chega-se a um diagnóstico que explica o conjunto do quadro clínico:
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Uma ausência de contaminação das primíparas com o microbismo da exploração:
Para não contaminar as primíparas com o virus do PRRS o suinicultor manteve-as apartadas das porcas tanto durante a quarentena como na gestação mediante umas estritas medidas de biosegurança (zona de quarentena apartada da exploração, nenhum contacto nem com as porcas nem com os varrascos, ausência de contaminação com excrementos ou outros) assim como um maneio especial (utilização de roupa, botas e luvas especifícos assim como pedilúvios). Além do mais, o tratamento das primíparas era o primeiro trabalho que se realizava durante o dia e o material de injecção utilizado para as primíparas também era exclusivo.
Poder-se-ia pensar que a falta de contacto entre o efectivo reprodutor velho e o novo é a causa do problema devido a uma falta de imunização das primíparas.
Cremos que este tipo de dificuldades parecem fazer parte dos riscos que devem ter-se quando se decide sanear uma exploração e não se devem pôr de lado esta decisão.
A ajuda do laboratório:
Este caso revela a importância das análises que se realizam. Neste caso concreto a decisão de realizar uma histologia permitiu esclarecer qual era o diagnóstico.