Toda a gente conhece a rinite atrófica (RA) como uma doença caracterizada pela deformação do focinho. Daí também o nome comummente utilizado: “doença do focinho torto”. Esta deformação é o resultado de uma contração irreversível (atrofia) dos cornetos nasais, causada por toxinas produzidas por dois germes: Pasteurella multocida tipo D e Bordetella bronchiseptica.
B. bronchiseptica, a bactéria
Bordetella bronchiseptica é uma bactéria muito comum nas nossas explorações de suínos. A sua toxicidade deve-se a uma inflamação do revestimento mucoso do nariz e dos pulmões, mas muitas vezes também provoca lesões ligeiras sob a forma de atrofia temporária dos cornetos nasais. Isto significa que a infecção causada pela B. bronchiseptica é muitas vezes negligenciada porque as lesões são transitórias e reversíveis. Um estudo experimental em que foram infectados leitões com quatro dias de idade demonstrou, através de uma tomografia computorizada do focinho, que a atrofia mais grave dos cornetos ocorre por volta das seis semanas de idade, após o que os cornetos voltam à sua estrutura original, não sendo observadas lesões no matadouro. Uma vez que o diagnóstico da rinite atrófica é frequentemente efectuado através do corte dos focinhos após o abate, a forma não progressiva da rinite atrófica pode passar despercebida.
O impacto da Bordetella bronchiseptica vai para além do que seriam lesões macroscópicas. Os cílios da traqueia, que são responsáveis pela remoção de substâncias estranhas e germes do corpo para a garganta, de modo a que não atinjam o sistema respiratório mais profundo, também são afectados. Assim, a infecção por B. bronchiseptica torna os animais mais susceptíveis a outros agentes patogénicos.
O exemplo mais conhecido é a infecção com Pasteurella multocida tipo D, uma bactéria que por si só não tem capacidade para colonizar o sistema respiratório, mas a colonização prévia com B. bronchiseptica facilita a colonização subsequente com Pasteurella multocida tipo D.
Bordetella bronchiseptica como factor predisponente: para lá da co-infecção com Pasteurella
A B. bronchiseptica vai agir como um agente patogénico oportunista, contribuindo para o Complexo Respiratório dos Suínos (CRS). Devido à sua patogénese, atrofia temporariamente os cornetos nasais e afecta os cílios respiratórios dos leitões durante a fase de transição, facilitando a entrada no organismo de agentes patogénicos como:
- Gläesserella parasuis (causadora da doença de Glässer);
- Streptococcus suis;
- Vírus PRRS;
- Vírus da gripe.
A protecção contra a B. bronchiseptica pode, portanto, reduzir o risco de diferentes infecções respiratórias e também ajudar os animais a combatê-las melhor.
B. bronchiseptica e a sua influência em Streptococcus
Não são apenas os microrganismos que causam problemas respiratórios primários que beneficiam do caminho desimpedido pela B. bronchiseptica. O Streptococcus suis (S. suis) também tem carta branca depois de a B. bronchiseptica ter feito o seu trabalho, destruindo os cornetos, a primeira barreira de entrada no sistema respiratório.
Num esforço para reduzir a utilização de antibióticos, a legislação e as empresas adoptaram várias medidas para limitar a sua utilização. Infelizmente, isto também significa limitar uma das ferramentas que podem ser usadas para prevenir problemas de Streptococcus na exploração. Assim, para além de melhorar a qualidade dos leitões ao desmame, a biossegurança e o maneio, temos de procurar métodos alternativos para prevenir a infecção por Streptococcus. A vacinação contra a B. bronchiseptica ajuda a reduzir a mortalidade associada ao S. suis, reduzindo a probabilidade de o S. suis ter acesso ao leitão.
Caso prático
Numa exploração comercial na Europa, com uma elevada taxa de mortalidade devido a meningite e artrite, S. suis foi isolado várias vezes de meninges e articulações. Para controlar o quadro clínico, a exploração manteve uma medicação de rotina com amoxicilina na água. A B. bronchiseptica foi encontrada nos fluidos orais, mas a toxina da P. multocida não foi encontrada. Dada a literatura anterior que apontava para o controlo de infecções secundárias através do controlo da B. bronchiseptica, decidiu-se investigar a influência da vacinação contra a rinite atrófica não progressiva na prevenção da infecção por S. suis. Para o efeito, foram seguidos em paralelo ao longo do tempo:
- três lotes provenientes de porcas vacinadas com uma vacina contra a rinite atrófica não progressiva;
- três lotes provenientes de porcas não vacinadas (grupo de controlo).
A utilização de rotina de amoxicilina na água foi interrompida durante o teste.
Resultados
Foi observada uma clara redução da presença de B. bronchiseptica nos fluidos orais dos leitões às 5 e 8 semanas de idade nos leitões de porcas vacinadas (Figura 2).
Esta redução da presença de B. bronchiseptica nos fluidos orais pode ser correlacionada com a redução de 79% da mortalidade devida a meningite nos leitões do grupo vacinado. Além disso, o número total de tratamentos com antibióticos por 100 leitões foi inferior no grupo vacinado em comparação com o grupo não vacinado.
Tabela 1. Leitões de porcas vacinadas vs. leitões de porcas não vacinadas. Os parâmetros com um (*) numa coluna são significativamente diferentes.
Grupo | Leitões desmamados | Mortalidade (%) na transição | Uso de antibióticos por cada 100 animais | ||
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Total | Meningite | Diarreia | Meningite | ||
Porcas vacinadas | 3209 | 2,13 | 0,07* | 18,78* | 0,25 |
Porcas não vacinadas | 2820 | 2,49 | 0,34 | 25,49 | 0,47 |
Esta exploração reduziu a incidência de mortalidade associada a S. suis através da vacinação contra a rinite atrófica não progressiva. Por conseguinte, é importante avaliar se a B. bronchiseptica está presente na exploração, uma vez que as lesões causadas por este organismo passam frequentemente despercebidas.