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Caso clínico: Patologia Digestiva nas Baterias

Neste caso foi necessário convencer o suinicultor que a patologia observada podia estar vinculada a um pequeno erro de medida na transição alimentar.

4 Setembro 2006
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Descrição da Exploração

Trata-se de uma exploração de ciclo fechado de 200 mães situada em França, concretamente na zona da Bretanha. Os animais são manejados em 7 bandas e são desmamados aos 28 dias de vida.

A maternidade é formada por 2 salas de 24 lugares enquanto que as baterias são de 3 x 250 lugares. O número de leitões desmamados por porca em produção e ano é de 27.


História Recente e Descrição do Caso

História recente

O principal problema da exploração é a persistência de uma patologia digestiva a metade da fase das baterias desde há mais de 2 anos. Esta larga duração do problema explica também a atitude do suinicutor, realmente desgostoso tendo em conta que muitos "conselheiros" se propuseram experimentar o alimento, a estratégia, a genética, e todas com resultados muito promissores!

Descrição do caso

Os problemas aparecem sempre durante o mesmo período, entre os 4 a 5 dias após a retirada da transição alimentar, quase sempre no sábado ou domingo da terceira semana após o desmame, com o aparecimento de mortalidade repentina com desidratação intensa e muito rápida em leitões com muito boa aparência (colitoxicose confirmada pelo laboratório) com ou sem diarreia, frequentemente sem tempo suficiente para poder manifestar-se.

O número de mortos varia de uma banda para a outra (de 2% até, às vezes mais de 8-10% nas bandas mais afectadas).

Realizaram-se numerosas recomendações tanto no âmbito do maneio (qualidade e duração das transições) como no alimentário (experimentaram-se vários suplementos na ração e/ou água tanto na ração de 1ª idade como de 2ª ou em ambas, obtendo resultados moderados). Não obstante, alguns tratamentos pareceram, às vezes, ter trazido melhorias mas nunca definitivas.

O diagnóstico etiológico é pois colitoxicose (ou gastroenterite hemorrágica) devida a E. coli (estirpes K88 o K4).


Descrição das Variáveis da Exploração



As variáveis estudadas são:

  • Animal: peso ao desmame 8kg, nada a destacar.
  • Alojamento: pavilhões de baterias novos (2 anos) com 10 parques de 25 leitões, nada a destacar.
  • Alimentação e bebida: compram-se dois alimentos. Para estimar "clínicamente" a qualidade do alimento baseam-se frequentemente no preço (neste caso e segundo as entregas, de 0,49 a 0,54 €/kg granulado). O alimento de segunda idade custa entre 0,21 a 0,22 €/kg em farinha.
  • Maneio: a transição é curta, mais ou menos 3 dias, realizada de forma manual e aproximada. O suinicultor faz os lotes o melhor possível formando parques de leitões pequenos e grandes. Os problemas parecem dar-se raramente nos leitões mais pequenos ainda que este ponto não se verificou.
  • Microbismo/doenças/medicação: exploração positiva a PRRSV, nada a destacar.
  • Suinicultor: nada a destacar.


Hipótese sobre a origem do Caso



Considerando:

  • o diagnóstico de colitoxicose (K88 ou K4) com ou sem diarreia colibacilar (igualmente devida a K88);
  • a idade do aparecimento dos primeiros sintomas;
  • os fracassos das metafilaxis medicamentosas;
  • as características epidemiológicas da colitoxicose que deve ser considerada como uma patologia infecciosa "acidental", não contagiosa (habitualmente ocorre dentro das 24-36 horas após o "acidente" digestivo, geralmente como excesso das capacidades digestivas).

Realiza-se a hipótese de uma patologia que entraria dentro do quadro das patologias "de transição". No caso desta exploração relacionar-se-ia com uma alteração inadequada de alimentos mal adaptados. Torna-se necessário, pois, procurar entre os principais factores da exploração voltando às variáveis anteriores:

  • Animal: 250 leitões/banda, nada a destacar.
  • Alojamento: nada a destacar.
  • Alimentação e bebida: variação da composição e apresentação. A água de bebida está clorada e acidificada.

    Esquerda:alimento de 1ª idade
    Direita : alimento de 2ª idade
    Os leitões recebem uma ração "starter" na lactação. O peso ao desmame é normal (> 8kg).
  • Maneio: o maneio da alimentação é o seguinte:

    Semana 1
    Semana 2
    Semana 3
    M
    J
    V
    S
    D
    L
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    C
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    M
    M
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    2
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    D: desmame; 1: primeira idade; 2: segunda idade; M: mistura durante três dias das rações de 1ª e 2ª idade à razão de 2/3-1/3, 1/2-1/2 e 1/3-2/3, C: aparecimento dos primeiros casos de colitoxicose.



    Os comedouros estão regulados para minimizar as perdas de ração. Contudo, durante a visita do veterinário observou-se que um dos comedouros estava vazio enquanto que o do lado era normal. Por outro lado detectou-se que as tolvas eram defeituosas já que careciam de várias separações.

  • Microbismo/doenças/medicação:
    • Alimento 1ª idade: colistina-doxiclina ou colistina- TMP/sulfa.
    • Alimento 2ª idade: lincomicina-OTC.
  • Suinicutor: nada a destacar, salvo a frustração.


Cenário mais Provável e Validação das Hipóteses



Cenário

A patologia observada corresponde a uma patologia digestiva acidental que classificamos dentro das patologias de transição para as quais o cenário mais provável, no caso concreto desta exploração, poderia ser o seguinte:

1 - Os leitões consomen perfeitamente bem o alimento de 1ª idade (crescimentos excelentes) sobretudo tendo em conta que os leitões recebem um alimento complementar na maternidade. A utilização de um suplemento do antibiótico colistina permite cobrir a colibacilose dita de desmame.

2 - O alimento de 2ª idade é menos apetecível. É nesta fase onde se torna necessário ter em conta o comportamento dos leitões. Os leitões dominantes têm um comportamento particular (numerosas deslocações aos comedouros e em particular quando há outro leitão presente; figura 1).

Figura 1: Exemplo de comportamento alimentar de dois leitões desmamados de um grupo de 10 controlados durante 7 dias nos quais o crescimento foi similar. Num mesmo parque pode-se identificar um comportamento "comilão" e um comportamento "de picar".

Comportamento "comilão"
Comportamento "de picar"

Esta diferença no comportamento explica, em parte, o porquê dos porcos dominantes serem verdadeiramente capazes de "escolher" o alimento em favor dos grânulos. Os "dominados" só consomem durante os períodos "vazios", frequentemente à noite.

3 - Os leitões dominantes "rejeitam" o alimento de 2ª idade, tendo um acesso, devido ao seu comportamento "de picar", o alimento de 1ª idade cada vez mais limitado. Além do mais, a transição é acompanhada de uma diminuição da cobertura antibiótica e de uma fragmentação das refeições. Cerca de 24-48 horas após finalizar a transição, os porcos dominantes, que têm fome, ingerem nesse momento uma grande quantidade de alimento necessariamente de 2ª idade. Esta ingesta de uma grande quantidade de alimento conduz a um verdadeiro "acidente" digestivo, sendo a colitoxicose o "acidente grave" e a colibacilose digestiva "banal" o "acidente benigno".


Validação das hipóteses

Para poder avaliar clinicamente as hipóteses o veterinário pôde visitar a exploração durante a semana de desmame. Os leitões encontravam-se a meio da transição. Colocaram-se grânulos de 1ª idade debaixo da ração farinada (alimento 2ª idade), tudo sobre um painel de madeira (imagem esquerda) e observou-se o comportamento dos leitões. Em poucos minutos 4 ou 5 lechones comeram todos os grânulos (imagem intermédia) enquanto que os outros só tiveram acesso mais tarde (imagem direita).

Grânulos de 1ª idade sob farinha de 2ª idade Leitões que tiveram acesso mais tarde
Poucos leitões comeram todos os grânulos




A seguinte figura, que esquematiza a evolução das necessidades qualitativas e quantitativas do alimento em função da idade (pode tratar-se de quantidade de proteínas brutas assim como da sua qualidade), ajudará a interpretar o exposto anteriormente. A zona cinza corresponde à zona de transição.

O alimento de 1ª idade (granulado) distribui-se durante largo tempo (demasiado tempo para os leitões maiores), o que é acompanhado de um efeito positivo sobre o crescimento.

O alimento de 2ª idade é muito diferente tanto em textura como em composição o que dá lugar a uma grande diferença ente ambos alimentos agravada pela duração estandarizada da distribuição do alimento de 1ª idade seja qual seja o peso dos animais.



Recomendações



A recomendação baseia-se na eleição de uma estratégia.

Foi necessário convencer o suinicultor que a patologia observada podia estar vinculada a um pequeno erro de medida generalizada nas explorações, a transição alimentar. Também era necessário que o próprio veterinário se convencesse que não existes uma única estratégia possível: todas têm vantagens e inconvenientes e/ou limitações e algumas delas são complementares.

As recomendações afectam a:

1- A duração da distribuição do alimento de 1ª idade (limite: deve estar ajustado à idade segundo o peso). Em qualquer caso, se é demasiado larga, a passagem ao alimento de 2ª idade equivale quase a um segundo desmame.

2- A textura do alimento (limite: uma compatibilidade da apresentação dos dois alimentos aumenta o preço): não há muito a eleger (grânulo e logo farinha, granulado fino e logo granulado mais grosso).

3- Escolher o alimento de 1ª idade (limite: redução do crescimento se se diminui a diferença entre as duas rações): é uma eleição que deve tomar-se tendo em conta indicadores zootécnicos (crescimento).

4- Escolher o alimento de 2ª idade para torná-lo mais compatível con o de 1ª idade (limite: o preço): igual que no caso da ração de 1ª idade, é uma eleição que deve tomar-se tendo em conta indicadores zootécnicos (crescimento).

5- Escolher um alimento intermédio (limite: maneio mais difícil): a sua eleição será feita em função dos objectivos zootécnicos estabelecidos pelo produtor.

6- Medicação (limite: não existe outra eleição que medicar através da água de bebida durante o período de risco).


Comentários



O caso deste mês, já há mais de 2 anos que afectava uma exploração de ciclo fechado de 200 mães situada na Bretanha francesa.

Na exploração, com um maneio em 7 bandas e desmame aos 28 dias de vida, observava-se desde há muito tempo uma patologia digestiva a meados da permanência nas baterias, concretamente aos 4 a 5 dias após a retirada da transição alimentar, com aparecimento de mortalidade repentina com desidratação intensa e muito rápida em leitões com muito bom aspecto.

O diagnóstico "básico" de colitoxicose foi substancialmente afinado. Com efeito, trata-se de uma patologia:

  • "acidental" infecciosa mas não contagiosa.
  • dita "de transição".
  • que se inscreve no "síndrome de fazer as coisas demasiado bem feitas".
  • verdadeiramente contra-intuitiva dado que a transição se estabelece normalmente para contrapôr os desequilibrios alimentares.

Esta patologia obriga a utilizar os conhecimentos de etologia e esquecer por um tempo o microscópio e as placas de Petri!

Observação do redactor: o veterinário que nos proporcionou este caso plasmou durante o mês o desenvolvimento da sua exposição permitindo a evolução do "diagnóstico de base" (colitoxicose) para o de uma "patologia acidental de transição". É por isso que, excepcionalmente, o comentário do mês é reduzido e tem por objectivo, sobretudo, suscitar reflexões e um debate, tanto por parte dos suinicultores como dos veterinários.

Comentários ao artigo

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