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Protegendo os porcos com micróbios

Como é que podemos esperar que o nosso gado adquira um microbioma são se há uma exposição tão limitada aos micróbios com os quais evoluíram?

Introdução à microbiota intestinal

O tracto gastrointestinal (TGI) do porco é lar de população diversa e abundante de bactérias, arqueas, fungos e vírus conhecidos colectivamente como microbiota. A maioria dos membros desta população é descrito como simbiótico, já que beneficiam o hospedeiro de diversas formas, como aumentar a energia extraída da dieta, desintoxificar xenobióticos, fornecimento de nutrientes essenciais, exclusão de agentes patogénicos e programação do sistema imunitário. No entanto, até há pouco tempo, a indústria suína centrou-se na pequena percentagem da microbiota representada pelos agentes patogénicos. É o momento de se começar a ver a microbiota como fonte de resistência a doenças, mais que como causa das mesmas.

Desenvolvimento imunitário e resistência a doenças

Para o desenvolvimento e funcionamento adequados do sistema imunitário é vital que o TGI seja colonizado após o nascimento com microorganismos ambientais. Uma microbiota saudável não só compete com os agentes patogénicos pelos nutrientes e o espaço, mas também regula a função imunitária do hospedeiro ajudando-o a proteger-se a si mesmo tanto de infecções bacterianas como víricas. Os animais livres de germens têm um sistema imunitário sub-desenvolvido aumentando o risco de doenças causadas por agentes patogénicos devido a um sistema imunitário inapropriado (Macpherson et al., 2004). Não é realista ter animais livres de germens, mas é evidente que nem todos os micróbios são iguais na sua capacidade para regular a resposta imunitária e proteger o hospedeiro da doença. Foi realizado um estudo em ratos criados de forma convencional em que foi suficiente a transferência da microbiota de animais resistentes a infecções entéricas para animais letalmente susceptíveis para os dotar de resistência à infecção (Willing et al., 2011). Embora este tipo de estudos não tenha sido realizado em porcos, foi demonstrado que, antes da infecção, se pode diferenciar a microbiota dos porcos que excretarão quantidades altas ou baixas de Salmonella (Bearson et al., 2013). Além disso, ao criar porcos num ambiente limpo com e sem exposição à microbiota de um adulto produziram-se mudanças no desenvolvimento imunitário como na capacidade para tolerar a infecção por Mycoplasma hyopneumoniae (Schachtschneider et al., 2013).

Adquirindo os micróbios correctos

Como resultado da co-evolução, os micróbios intestinais beneficiam o seu hospedeiro, protegendo-o das doenças. Para destacar a importância da especificidade de hospedeiro e a co-evolução, foi demonstrado que as estirpes de um simbionte intestinal ubíquo de vertebrados, Lactobacillus reuteri, agrupam-se em diferentes clados para humanos, aves de capoeira, porcos e roedores (Spinler et al., 2014). Há que referir que o sistema imunitário é muito menos robusto ao responder à colonização por micróbios de uma espécie animal diferente (Chung et al., 2012). Na população humana há um crescente reconhecimento de um "desaparecimento do microbioma" devido a mudanças comportamentais, em especial no que toca à higiene e uso antibiótico, o que conduz a um aumento da incidência de doenças imuno-mediadas (Martínez et al., 2015; Blaser et al., 2009). De um modo parecido ao que acontece no ocidente devido ao aumento da higiene, os sistemas intensivos de cria de gado utilizam medidas de higiene e de biossegurança para minimizar a exposição a agentes patogénicos. Um estudo recente comparou o microbioma de porcos domésticos e selvagens e encontrou diferenças na composição, especialmente no que respeita a Bifidobacterium (Ushida et al., 2015). Como é que se pode esperar que o nosso gado adquira um microbioma são se há uma exposição tão limitada aos micróbios com os quais evoluiram?

A cria de leitões em condições de higiene excessiva promove a activação do sistema imunitário, sugerindo uma alteração da homeostase imunológica (Mulder et al., 2011). Além disso, a proporção do simbionte Lactobacillus spp. aumenta quando os porcos são criados ao ar livre, relativamente a se são criados dentro de pavilhões. Estes últimos têm mais filótipos potencialmente patogénicos de proteobacterias (Mulder et al., 2011; Mulder et al., 2009). Tal como mostra a figura 1, a higiene utilizada na cria intensiva pode reduzir a capacidade de formar uma microflora estável, impedindo um desenvolvimento e uma função imunitária normais e aumentando potencialmente o risco de uma doença patogénica (Schmidt et al., 2011). Além da exposição aos micróbios adequados, a investigação demonstrou que o desenvolvimento de uma comunidade microbiana estável nos porcos requer uma exposição continuada no início da vida (Schmidt et al., 2011). Enquanto se procuram as estratégias para aumentar a exposição aos micróbios co-evoluidos e promotores da saúde, é importante reconhecer que a biossegurança continua a ser um factor crítico na produção suína.

Figura 1. Porcos expostos a um ambiente com mais micróbios estão mais preparados para tolerar um desafio sanitário como resultado de uma comunidade microbiana diversa e um sistema imunitário mais robusto.
Figura 1. Porcos expostos a um ambiente com mais micróbios estão mais preparados para tolerar um desafio sanitário como resultado de uma comunidade microbiana diversa e um sistema imunitário mais robusto.

As consequências dos antibióticos: para lá das resistências

Os antibióticos têm sido uma ferramenta chave para manter a saúde animal na criação intensiva. São utilizados para eliminar agentes patogénicos mas representam um dos factores que podem ter impacto sobre o desenvolvimento de uma microbiota sã (figura 2) e, por vezes, podem favorecer a colonização por agentes patogénicos. Os tratamentos antibióticos em modelos experimentais revelaram que os micróbios são necessários para a manutenção das defesas inatas das mucosas (Willing et al., 2011). Foi demonstrado que doses terapêuticas de antibióticos reduzem a expressão de péptidos antimicrobianos e de genes de mucina, que são essenciais para evitar que os agentes patogénicos alcancem a superfície da mucosa (Menendez et al., 1013; Wlodarska et al., 2011). Ainda que apenas tenha sido estudado o impacto dos antibióticos sobre as defesas inatas do porco, paradoxalmente os produtores pecuários encontraram um aumento de doenças após um tratamento antibiótico. Também deve ser notado que os antibióticos podem ter efeitos a longo prazo sobre a composição e a função da microbiota (Janczyk et al., 2007). Tenho ouvido que alguns criadores espalham um punhado de terra no curral quando os leitões têm diarreia. Também é habitual administrar probióticos após um tratamento terapêutico com antibióticos. Estes criadores seguem um bom caminho , no entanto, são necessários esforços para desenvolver intervenções mais afinadas. Embora ainda haja muitas perguntas que necessitam resposta, está a ser feito um esforço em investigação para identificar as melhores populações microbianas para o porco.

Figura 2. Factores que influenciam o desenvolvimento de um microbioma são.
Figura 2. Factores que influenciam o desenvolvimento de um microbioma são.

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