O jejum antes do transporte para o abate é uma prática normal na produção de porcos. As suas principais vantagens são: a redução da mortalidade e prevenção de náuseas e vómitos nos porcos durante o transporte (Mainau e col 2013); a redução do risco de contaminação da carcaça ao diminuir a incidência de ruturas durante a evisceração (Miller et al., 1997); a redução da quantidade de Salmonella no intestino delgado (Isaacson et al. 1999); poder ajudar a reduzir a incidência de carnes PSE nos porcos portadores do gene halotano (Murray et al., 1989).
Mas também nas primeiras 24 horas do jejum, o porco perde 5% do seu peso corporal (principalmente conteúdo intestinal) e cerca de 1% do peso da carcaça. Em 48 horas perde cerca de 7% do peso corporal e 2% do peso da carcaça. Também pode contribuir para aumentar a incidência de carnes DFD (Murray and Jones, 1994) e a incidência de úlceras (Lawrence et al. 1998, Bidner 1999).
Influência do jejum sobre o peso e o preço da carcaça
Em geral, em Espanha, os matadouros calculam o rendimento carcaça dividindo o peso da carcaça fria (menos 2% do peso da carcaça quente RD 1028/2011) pelo peso líquido dos porcos à saída da exploração (peso vivo – 2,5 kg por porco).
Considere, por exemplo, um produtor que carregou os porcos com 12 horas de jejum e que eles se abatem 12 horas mais tarde, pelo tempo de transporte e estabulação pré-abate.
Peso vivo (PV) à carga = 105,4 kg | → |
Rendimento carcaça 82,5 kg PC / (105,4 - 2,5) kg PV = 80,17 % |
Peso carcaça (PC) = 82,5 kg |
O preço da carcaça por kg (PC) obtém-se, dividindo o preço por kg PV de Mercolleida pelo rendimento exigido pelo matadouro.
Preço kg PV = 1,458 €/kg PV | → |
Preço carcaça 1,458 €/kg PV / 0,81 = 1,80 €/kg PC |
Rendimento = 81% |
O que o produtor espera cobrar por porco e o que o que na realidade recebe é:
Receita prevista por porco: 1,458 €/kg PV x (105,4-2,5) kg PV = 150,03 €/porco
Receita recebida por porco: 1,80 €/kg PC x 82,5 kg PC = 148,50 €/porco
Pelo que se diz que teve um determinado desconto de rendimento:
Desconto de rendimento = 150,03 €/porco -148,50 €/porco = 1,53 € /porco
ou comparando com o preço de Mercolleida
148,50 €/porco / (105,4 – 2,5) kg PV = 1,443 €/kg PV
Desconto de rendimento = 1,458 €/kg PV – 1,443 €/kg PV = 0,015 €/kg PV
Normalmente, o produtor tenta aumentar o período de jejum para melhorar o rendimento e evitar os descontos, e realmente funciona, já que aumenta o rendimento. Mas o que é realmente importante para maximizar as receitas não é ter o melhor rendimento carcaça, mas sim o máximo PC vendido.
Para otimizar a gestão dos jejuns podemos utlizar simuladores, baseados em equações publicadas na bibliografia científica, que nos ajudem a calcular as perdas de PC e PV em função do tempo de jejum antes da carga, de transporte e estabulação pré-abate, de forma a obter o máximo PC possível.
Gráfico 1. Evolução do peso e rendimento carcaça segundo as horas de jejum na exploração,
com 12 horas de transporte e estabulação pré-abate. Baseado em simulações Watson 2.0
No gráfico 1, vemos como até às 24 horas de jejum o rendimento carcaça aumenta de 79% para 81,8%, quase 3 pontos percentuais, mas ao mesmo tempo o PC baixa de 83,3 para 82 kg.
O problema, como é lógico, é que a perda de PC é uma perda de valor do porco. Um maior período total de jejum, representa um menor valor da carcaça, ainda que o rendimento seja maior.
No gráfico 2, vemos como um porco de 108 kg na altura de iniciar o jejum perde 2,6 kg de peso nas 12 primeiras horas e 5,3 kg em 24 horas. Esta perda é fundamentalmente de conteúdo intestinal, mas também de tecidos. A carcaça pesa menos 0,2 kg às 12 horas e 1 kg às 24h. Para um preço de 1,80 €/kg carcaça representa uma menor receita, de 0,36 € e 1,80 € respetivamente.
Gráfico 2. Perda de peso vivo e peso carcaça em função das horas de jejum pré-abate
Na Tabela 1 vemos as diferentes alternativas que podemos considerar no nosso exemplo para melhorar as receitas por porco, considerando que as 12 horas de transporte e estabulação pré-abate não podem ser reduzidas pela distância da exploração ao matadouro.
Considerando a situação inicial, podemos aumentar o jejum na exploração para 18 horas, o que vai aumentar o rendimento em 0,94%, mas perderemos -0,2 kg de carcaça e -0,36 €.
Mais lógico seria a opção 2, diminuir o período de jejum a 6 horas, o rendimento seria 0,72% pior, mas aumentaria 0,4 kg de peso carcaça e o valor do porco +0,72 €.
Influência do jejum sobre índices zootécnicos
Outra consequência do jejum é que quanto maior for a duração do jejum na exploração, menor é o peso de saída para um mesmo consumo de ração e mais tempo de permanência na exploração, e em consequência, pior o IC e o GMD, como podemos ver também no gráfico 3.
Assim, ao passar de 12 para 18 horas de jejum, o IC aumenta em 44 g, e o GMD diminui em 13 g, exatamente o mesmo que sobe ao reduzir o jejum de 12 para 6 horas.
Tabela 1. Exemplo de alternativas para melhorar as receitas por porco gerindo o jejum
Partida | Opção 1 | Diferença | Opção 2 | Diferença | |
Jejum (h) | 12 | 18 | 6 | 6 | -6 |
Transporte (h) | 12 | 12 | 0 | 12 | 0 |
Peso antes do jejum | 108 | 108 | 0 | 108 | 0 |
Peso carga | 105,4 | 103,9 | -1,5 | 106,9 | 1,5 |
Peso carcaça | 82,5 | 82,3 | -0,2 | 82,9 | 0,4 |
Rendimento | 78,27 % | 79,21 % | 0,94 % | 77,55 % | - 0,72 % |
€/porco | 148,50 € | 148,14 € | - 0,36 € | 149,22 € | 0,72 € |
GMD | 0,719 | 0,707 | - 0,013 | 0,732 | 0,013 |
IC | 2,483 | 2,528 | 0,044 | 2,440 | - 0,043 |
Gráfico 3. Influência das horas de jejum na exploração, sobre IC e GMD
Conclusões
Uma correta gestão do jejum pré-abate pode aumentar de uma forma significativa as receitas por porco e melhorar tanto o GMD como o IC.
Em geral, tendo em conta os fatores de bem-estar, qualidade da carne, e o objetivo de obter a maior receita possível por porco, o jejum entre a última refeição e o abate (incluíndo jejum na exploração, transporte e estabulação pré-abate) não deveria exceder as 18-24 horas.