Os javalis são omnívoros muito adaptáveis que se distribuiram originalmente pela Eurásia. A sua domesticação pelo homem teve início no Holoceno inicial.
A análise ao ADN mitocondrial de porcos domésticos mostrou a sua estrutura filogeográfica e proporcionou evidências de uma separação entre a Ásia e Europa, com um subtipo asiático (A) e dois europeus (E1 e E2, sendo o segundo praticamente exclusivo de uma região de Itália). Tal separação indica processos de domesticação independentes, apartir de duas linhas diferentes de javalis.
Em javalis foi identificado outro subtipo (NE) procedente do próximo oriente, uma região onde actualmente há muito poucos porcos devido a motivos religiosos mas onde há evidências arqueológicas de inícios de domesticação desde há 10.500 anos. A análise de ADN mitocondrial sugere que a domesticação de javalis na Europa pode ter sido uma consequência directa da introdução de porcos domésticos do Próximo Oriente que não deixaram progénie detectável nas populações europeias, excepto num javali da Córsega. Parece ser mais um caso de transferência tecnológica que de disseminação de uma espécie doméstica.
A presença de haplótipos asiáticos nos porcos domésticos europeus explica-se pelos numerosos cruzamentos que tiveram lugar entre mediados do século XVIII e inícios do século XIX na Grã Bretanha. A identificação de dois núcleos de haplótipos dentro do subtipo europeu (A e C) que compartem tanto javalis como porcos domésticos indicam que, pelo menos, duas linhas de javalis diferentes foram domesticadas na Europa. A distribuição geográfica destes haplótipos sugere que a Europa central pode ter sido um centro de domesticação precoce, ainda que o padrão observado seja consideravelmente complexo e não pode ser excluida a possibilidade de múltiplos eventos em diferentes regiões.
Para investigar a origem dos porcos domésticos na península ibérica foram recolhidas 117 amostras de javalís durante as temporadas de caça de 2005, 2006 e 2007 em 16 localizações diferentes de Portugal e foram comparadas com amostras das três raças de porco autóctones Malhado de Alcobaça (n=34), Alentejano (n=93) e Bísaro (n=165). Foram comparados com amostras de raças cosmopolitas como Duroc e com dados europeus tanto de javalís como de porcos domésticos (Duroc, Landrace, Large White, Pietrain, Hampshire e Ibérico).
Os dados de javalís mostraram uma maior diversidade genética que os dos porcos domésticos, devido à presença dos subtipos E1, E2, A e NE. Os dados de porcos domésticos apenas continham subtipos E1 e A. A diversidade de haplótipos também foi maior nos javalís que nos porcos domésticos. A diversidade de haplótipos nos porcos domésticos foi maior nas raças cosmopolitas como Duroc e a menor foi observada na Hampshire.
Figura 1 Distâncias genéticas entre javalís e porcos domésticos utilizando o subtipo E1 de ADN mitocondrial.
Observa-se certo nível de estrutura dentro da península ibérica, o haplótipo E1c predomina na maior parte dos javalís ibéricos, na raça Alentejana e Ibérico. Em contraste, o Bísaro e Malhado de Alcobaça mostraram uma ampla proporção de E1a. O gráfico mostra uma elevada afinidade genética entre o Alentejano e o Ibérico e os javalis ibéricos e da Europa central, em contraste com uma maior distância com o Malhado e o Bísaro e outras populações europeias. Historicamente são conhecidos cruzamentos intensivos com raças inglesas no centro e norte de Portugal (as regiões de origem do Malhado e Bísaro) desde mediados do século XIX até há pouco. Estes cruzamentos foram muito menos intensivos no sul de Portugal.
O estudo não revelou um padrão claro de domesticação na península. No entanto a pouca distância entre o Alentejano e o Ibérico e os javalis peninsulares sugerem um intenso fluxo genético entre as populações selvagens e os animais domésticos da região. De facto a escassa divergência entre javalis e porcos na Europa sugerem um longo processo de separação entre as espécies selvagens e as domésticas na península, com contribuições de porcos da Europa central e javalis locais.
B van Asch, F Pereira, LS Santos, J Carneiro, N Santos y A Amorim. Mitochondrial lineages reveal intense gene flow between Iberian wild boars and South Iberian pig breeds. 2011. Animal Genetics 43, 35–41.
doi:10.1111/j.1365-2052.2011.02222.x