Descrição da exploração
Trata-se de uma exploração francesa de 90 reprodutoras em ciclo fechado numa zona de baixa densidade, ao lado de uma estrada local pouco movimentada.
Toda a exploração está num só edifício “sob um mesmo tecto”.
Esta exploração está classificada como indemne de Aujeszky e é livre de PRRS. O nível de maneio é pobre, os proprietários dedicam-se à exploração em part time, compaginando o trabalho na exploração com o trabalho na agricultura.
Biosegurança
Até Julho do ano 2000 a exploração foi um multiplicador pelo que o tratador continua a ser bastante restritivo no controle da entrada de materiais e pessoas:
– Duche obrigatório e uso de roupa da exploração
– Silos fora do perímetro da exploração
– Cais de carga ao final da engorda
– Os condutores nunca entram na exploração
– Faz-se autoreposição desde Julho do ano 2000. Só se compram varrascos.
Estado sanitário
- Aujeszky: indemne
- Lawsonia intracellularis: episódios recorrentes de ileite hemorrágica durante a engorda
- PMWS: houve quadros mais ou menos pronunciados (emagrecimento, úlceras do estômago...) durante os anos 2000 e 2001.
Não se detectaram indícios de PRRS, APP, Mycoplasma hyopneumoniae nem Pasteurella multocida nos últimos 4 anos, quando se realizou a última análise com resultado negativo.
Vacinações (só para porcas)
- Aujeszky
- Mal Rubro
- Parvovirus
- Colibacilose
Desparasitações
- Flubendazol
- Oxibendazol (leitões)
- Amitraz pulverização das porcas
Produção
A produção durante a primeira metade do ano 2003 foi de 20 porcos vendidos por porca e ano, mas a preocupação do proprietário está no final da engorda, onde a ileite hemorrágica tem efeitos importantes.
Aparecimento do caso
Visita à exploração
A visita realiza-se no dia seguinte a uma semana de férias, durante a qual se contratou um substituto. Contudo, o tratador não está satisfeito: os animais de uma sala de engorda tossem (facto totalmente inusual nesta exploração), mas o substituto não lhe disse nada em relação ao assunto. Neste grupo encontram-se dois animais mortos.
O Suinicultor não está seguro de que o seu substituto tenha respeitado correctamente as medidas de biosegurança ou se esteve a trabalhar noutras explorações. Teme que tenha havido contaminação por gripe ou PRRS.
Há dois currais contiguos de um lote de porcos com uns 100 dias de vida com sintomas aparentemente de gripe:
– os animais estão abatidos e deitados
– apresentam dispneia marcada
– têm as orelhas frias
– a morbilidade nestes dois currais está ao redor de 60%
Não se detectam problemas nas porcas nos últimos partos e a fertilidade tampouco se viu afectada.
Necropsia dos dois animais mortos
-Aspecto exterior normal, animais em bom estado
-Cavidade torácica
· presença de fibrina · pleurite marcada, todo o pulmão coberto · pneumonia severa (pontuações de 11/28 e 14/28) · hidropericárdio · ausência de edema interlobular |
-Cavidade abdominal
· presença de fibrina no abdómen dos dois animais · um dos animais apresenta dois pontos de necrose no fígado de aproximadamente meio centímetro de diâmetro |
Envia-se um pulmão para o laboratório para realizar análise bacteriológica.
Conclusão da visita
Pelo tipo de lesões, provavelmente trata-se de uma infecção bacteriana, e decide-se tratar os animais da sala com amoxicilina oral (20 mg / kg) durante 5 dias. Os porcos mais afectados (dois currais) recebem tratamento injectável com amoxicilina de larga duração (1ml / 10 kg) e dexametasona (1ml / 50 kg) num dos currais e florfenicol (1ml / 20 kg / IM) e dexametasona (1ml / 50kg / IM) no outro.
Evolução do caso
Dois dias depois da visita, morre um dos porcos tratados com florfenicol mas o suinicultor não avisa o veterinário.
Os resultados das primeras análises chegam 6 dias depois da visita e são negativos. O suinicultor comunica que durante o fim de semana morreram mais 4 animais. O quadro extendeu-se ao resto dos currais da sala e a outra das salas com porcos de 120 dias de idade. Aparecem novos sintomas:
-diarreia líquida amarelada em particular nos currais afectados recentemente
-vomitado de cor amarelo (da mesma cor que o antibiótico distribuído por via oral)
Enviam-se os quatro porcos mortos para o laboratório.
Dois dias depois morre outro dos primeiros porcos tratados com flofenicol mas o suinicultor também não avisa o veterinário.
Resultados do laboratório
-Aspecto exterior normal, animais em bom estado
-Cavidade torácica
· três dos porcos não apresentam lesões · o quarto apresenta uma pneumonia moderada (pontuação de 2/28) |
-Cavidade abdominal
· gânglios mesentéricos hipertrofiados · forte congestão no fundus e região pilórica. Um dos animais tem úlcera na zona pilórica (foto 1) - reacção exagerada na zona glandular do cardias sem ulceração (fotos 2 e 3) |
foto 1 | foto 2 | foto 3 |
- fígado: focos de descoloração em dois dos quatro animais, principalmente num deles (focos de 5 mm a 3 cm) (foto 4) - intestino delgado: conteúdo muito líquido, forte reacção inflamatória na válvula ileocecal (foto 5) - cólon: conteúdo líquido em dois dos porcos |
foto 4 | foto 5 |
-Aparelho locomotor: os músculos dos animais parecem desidratados.
Comentário do laboratório
As lesões são compatíveis com um quadro de gastroenterite, as encontradas no estômago são raras.
Resultado das culturas
Realizaram-se culturas a partir dos gânglios mesentéricos, gânglios submaxilares, fígado, baço e dos intestinos: presença de Salmonella typhimurium nos quatro porcos.
Conclusão destes novos resultados
Os sintomas clínicos com quadro de pneumonia e gastroenterite e o fracasso da medicação aplicada orientam o diagnóstico para uma possível salmonelose.
Decide-se tratar as salas com sulfa-trimetroprim via oral e tratamento intramuscular dos porcos mais afectados com marbofloxacina 2 mg/kg/d durante três dias.
Realizou-se um antibiograma:
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Diagnóstico e medidas tomadas
Chegou-se à conclusão que se produziu um surto de salmonelose por Salmonella typhimurium.
Dez dias depois do início do quadro nos porcos de engorda, as primíparas que estavam na gestação começaram a ter diarreia assim como alguns porcos no final das baterias (60 dias de idade). Também se observam problemas nas maternidades.
Ante o grande número de contágios, decide-se tratar os porcos afectados e limitar a contaminação ao resto dos animais da exploração. Contudo, a estrutura da exploração (tudo num mesmo edifício com um corredor comum) não facilita esta tarefa.
Medidas recomendadas
Sanitárias:
-Lavagem e dupla desinfecção das salas uma vez vazias, não se podem vazar completamente as fossas.
-Lavagem do pavilhão de gestação.
-Lavagem e desinfecção dos corredores e portas pelo menos uma vez por semana e depois de cada saída de porcos
-Uso de pedilúvios à entrada de cada sala e renovação do desinfectante 2 vezes por semana.
-Manutenção das canalizações para limitar os depósitos. Comprovação da qualidade bacteriológica da água.
-Limpeza e fumigação dos silos. Assegurar que a contaminação não vem da fábrica de rações.
-Mantém-se a desratização
Terapêuticas:
Administra-se um tratamento de sulfa-trimetroprim por via oral durante 12 dias a todos os animais da exploração.
Os animais que já apresentam sintomas tratam-se intramuscularmente com marbofloxacina (2mg / kg) 3 dias consecutivos.
Mantém-se o suplemento de sulfa-trimetroprim durante o primeiro período após desmame enquanto se mantêm os problemas na exploração.
Evolução do caso
Em dois meses nenhuma porca ou primípara apresentou sintomas de enterite ou de pneumonia. Pelo contrário, na engorda apresentaram-se diarreias de forma esporádica que se trataram individualmente ou em todo o curral. Apesar deste acompanhamento, houve 7 baixas de porcos de uns 60kg de média.
Depois destes dois meses não se detectaram problemas compatíveis com salmonelose durante 3 meses. Contudo, o relaxamento das medidas zootécnicas e a suspensão do suplemento durante o primeiro período após desmame favoreceram o aparecimento de novos casos.
Comentários
Trata-se de uma exploração de umas 90 reprodutoras em ciclo fechado com um bom estado sanitário (livre de PRRS, pneumonia enzoótica, APP, Aujeszky...) que começou a ter porcos de engorda com sintomas respiratórios e algumas baixas. O quadro foi evoluindo e detectaram-se diarreias e vómitos amarelados.
No final resultou ser uma infecção por Salmonela typhimurium.
Na primeira visita, os porcos abatidos e a dispneia pronunciada conduziam-nos a pensar num sindroma gripal ou PRRS, contudo, as lesões não eram compatíveis com as tíicas destas doenças:
-ausência de edema
-presença de fibrina na cavidade torácica e abdominal
Por este motivo a hipótese foi uma infecção bacteriana. Quatro etiologias pareciam mais plausíveis: Haemophilus parasuis, Pasteurella multocida, Actinobacillus pleuropneumoniae, Streptococcus suis 2. Também poderia ter-se tratado de uma infecção por Mycoplasma hyorhinis.
No quadro seguinte resume-se o diagnóstico diferencial deste quadro.
Etiologia
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Sinais clínicos: Abatimento, tosse, dispneia |
Quadro lesional: Pneumonia, pleurite, hidropericárdio, fibrina no tórax e abdómen |
Haemophilus parasuis |
Compatível
Ainda que se tenha descrito em porcos de engorda, normalmente os animais afectados são mais jovens |
Compatível |
Pasteurella multocida |
Compatível Contudo, os sintomas são muito acentuados ao tratar-se de uma exploração livre de PRRS e pneumonia enzoótica |
Compatível A presença de fibrina no abdómen não é frequente |
Actinobacillus pleuropneumoniae |
Pouco compatível Numa exploração livre de PRRS e pneumonia enzoótica, APP detecta-se no final da engorda |
Pouco compatível As lesões pulmonares não eram típicas, ausência de abcessos e endurecimento dos lóbulos diafragmáticos |
Streptococcus suis 2 |
Pouco compatível A forma respiratória é menos frequente |
Compatível |
Mycoplasma hyorhinis |
Pouco compatível Pouco frequente |
Compatível |
Dadas estas distintas hipóteses, entre as quais Haemophilus parasuis parecia o mais provável, decidiu-se tratar os animais com amoxicilina ou florfenicol. Ao não se verem sintomas de enterite não se orientou o laboratório para o isolamento de Salmonela typhimurium.
Quando apareceram os novos sintomas: diarreias e vómitos e lesões: enterite, úlcera do piloro, necrose do fígado e hiperreacção na zona glandular suspeitou-se de salmonelose. Os vómitos eram consequência das úlceras do piloro, ainda que há que assinalar que esta lesão é pouco frequente, geralmente observada em casos de septicémia ou PSC.
As lesões do fundus podem estar relacionadas com uma reacção inflamatória das glândulas fúndicas (hiperplasia das células glandulares, acumulação de linfócitos). Infelizmente, não se realizou histologia a este nível para apoiar esta hipótese.
Neste caso não se pode definir a via de entrada da salmonelose já que há várias possibilidades. A partir de agora, a preocupação do suinicultor será controlar os portadores sãos e a excreção bacteriana, mas nesta exploração será difícil ao não se poder vazar completamente o edifício já que todas as fases estão no mesmo edifício.
É necessário destacar finalmente os riscos desta doença em termos de saúde pública:
- risco de contaminação da carne durante o processo de abate-desmancha
- risco de contaminação do pessoal em contacto com os animais doentes