Introdução
A sêmea de trigo é um coproduto da indústria da farinha de trigo obtido durante o processo de moagem de grãos de cereais, principalmente trigo mole (Triticum aestivum) e trigo duro (Triticum durum). Consiste basicamente na fracção que, após a separação da farinha, inclui as camadas externas (cutícula, pericarpo e tegumento) misturadas com quantidades variáveis de endosperma.
Embora seja um dos ingredientes mais utilizados na alimentação de suínos com diferentes interesses e funcionalidades, dependendo da fase fisiológica e do nível de inclusão utilizado (palatabilidade, fornecimento de nutrientes, volume, retenção de água, regulação do trânsito intestinal, fermentação, regulação da microbiota, etc.), é importante notar que é muito difícil estabelecer uma definição precisa e universal. Isto é devido basicamente ao processamento realizado na fábrica da farinha (tipo de moagem, peneiragem e classificação das fracções) e à contaminação com sêmea de outros grãos de cereais que, por dificuldades de processamento, acabam por ser misturados e comercializados como sêmea de trigo (os mais comuns são centeio, triticale, cevada e até aveia). No passado, e em pequena escala, era comercializada uma gama mais ampla de coprodutos claramente separados por fracções (flôr de sêmea, sêmea fina, quartas, terceiras e farinhas zootécnicas de diferente qualidade). Actualmente, a nível industrial, devido às diferentes origens e tipos de processamento, apenas a flôr de sêmea está caracterizada em termos de qualidade e comerciais pelo seu valor na alimentação humana, o resto das fracções são comercializadas misturadas em proporções variáveis.
Consequentemente, as frações fibrosas da indústria de farinha têm uma relação fibra:amido altamente variável, de sêmea fibrosa grossa a farinhas amiláceas, com implicações muito diferentes na sua incorporação na fórmula, que requer controlo de qualidade, caracterização química e classificação muito precisa na recepção na fábrica.
Estudo comparativo dos valores nutricionais
Os sistemas utilizados na comparação são: FEDNA (Espanha), CVB (Holanda), INRA (França), NRC (E.U.A.) e do Brasil.
FEDNA1 | CVB1 | INRA2 | NRC3 | BRASIL3 | |
---|---|---|---|---|---|
MS (%) | 87,4-87,6 | 84,7-87,1 | 87,1-86,6 | 87,4 | 88,5 |
Valor energético (kcal/kg) | |||||
Proteína bruta (%) | 15,4-15,0 | 14,2-15,2 | 14,8-14,6 | 15,1 | 15,1 |
Extracto etéreo (%) | 3,3-3,4 | 2,9-3,6 | 3,4-4,4 | 4,7 | 3,4 |
Fibra bruta (%) | 11,1-10,1 | 12,6-8,8 | 9,2-10,1 | 7,8 | 9,1 |
Amido (%) | 15,0-20,0 | 12,6-20,7 | 19,8-19,9 | 22,6 | 29,6 |
Açúcares (%) | 5,8-6,2 | 4,7-5,6 | 6,7-6,6 | - | - |
ED crescimento | 2230-2420 | - | 2230-2080 | 2420 | 2481 |
EM crescimento | 2110-2300 | - | 2110-1970 | 2318 | 2370 |
EN crescimento | 1430-1600 | 1182-1639 | 1500-1430 | 1646 | 1695 |
EN porcas | 1590-1765 | 1182-1639 | 1630-1570 | 1646 | 1870 |
Valor proteico | |||||
Digestibilidade proteína bruta (%) | 64-68 | 68-77 | 65-62 | 78 | 78,2 |
Composição aminoácidos (% PB) | |||||
Lys | 3,97 | 4,00 | 3,90 | 3,45 | 3,97 |
Met | 1,52 | 1,60 | 1,50 | 1,46 | 1,59 |
Met + Cys | 3,60 | 3,70 | 3,70 | 3,71 | 3,64 |
Thr | 3,18 | 3,30 | 3,20-3,10 | 3,98 | 3,38 |
Trp | 1,40 | 1,40 | 1,30 | 1,46 | 1,46 |
Ile | 3,18 | 3,20 | 3,20 | 3,12 | 3,12 |
Val | 4,57 | 4,70 | 5,50 | 4,38 | 4,64 |
Arg | 6,50 | 6,70 | 6,20-6,10 | 5,11 | 6,75 |
Digestibilidade ileal standartizada (% PB) | |||||
Lys | 72-73 | 68-77 | 68 | 73 | 72 |
Met | 78-79 | 73-78 | 76 | 72 | 77,1 |
Met + Cys | 75-77 | 72,5-79 | 74 | 74,5 | 75,1 |
Thr | 69-70 | 60-73 | 65 | 64 | 74,5 |
Trp | 76-76 | 75-81 | 76 | 73 | 70,9 |
Ile | 75-76 | 67-79 | 74 | 75 | 77,5 |
Val | 73-74 | 65-81 | 72 | 79 | 75,4 |
Arg | 84-85 | 87-91 | 84 | 90 | 86,4 |
Minerais (%) | |||||
Ca | 0,14-0,13 | 0,10-0,09 | 0,14 | 0,10 | 0,14 |
P | 1,00-0,90 | 1,23-0,81 | 0,99-0,97 | 0,99 | 0,94 |
Pfítico | 0,83-0,62 | 1,05-0,81 | 0,79-0,78 | 0,87 | 0,45 |
Pdisponível | 0,17-0,18 | - | - | - | 0,49 |
Pdigestível | 0,20-0,18 | 0,22-0,19 | 0,25-0,24 | 0,55 | 0,49 |
Na | 0,03 | 0,02-0,01 | 0,01 | 0,04 | 0,02 |
Cl | 0,08-0,07 | 0,07-0,06 | 0,09-0,08 | 0,07 | 0,07 |
K | 1,18-1,15 | 1,51-1,27 | 1,23-1,19 | 1,26 | 1,10 |
Mg | 0,38-0,32 | 0,52-0,38 | 0,42-0,27 | 0,52 | 0,43 |
1Para os sistemas de avaliação FEDNA e CVB é apresentado o intervalo de valores (mínimo e máximo) procedentes da integração das diferentes classificações que estes sistemas de avaliação consideram, essencialmente em função do conteúdo em amido, que difere principalmente pelo tipo de processamento e sistema de recuperação ou mistura de fracções categorizadas como sêmea e a quantidade residual de fracção fibrosa, sendo CVB quem mais categorias de produto apresenta associado a estas variáveis.
2O sistema de avaliação INRA considera apenas uma classificação em função do tipo ou variedade de trigo original, diferenciando apenas entre trigo brando e trigo duro considerando uma só qualidade como valor médio em função do tipo de trigo, mas não do processo.
3Para os sistemas de avaliação NRC e BRASIL é apresentado apenas o dado médio já que ambos os sistemas de avaliação só consideram uma categoria ou qualidade de ingrediente como valor médio.
É interessante notar que, apesar da grande variabilidade, FEDNA e CVB são os que consideram a maior faixa de classificações de acordo com a relação fibra:amido. O INRA foca-se basicamente na origem ou variedade do trigo utilizado, distinguindo entre sêmeas de trigo mole e de trigo duro, mas considerando para cada um deles um valor médio de caracterização e qualidade nutricional, semelhante ao NRC e BRASIL que, talvez por um menor uso ou consumo, eles consideram apenas um valor médio para todos as sêmeas.
Para a presente revisão, foram considerados os valores máximos e mínimos contemplados nas tabelas dos sistemas de avaliação para as categorias de co-produtos de trigo compatíveis com sêmea e sêmea fina (novamente destacando a grande variabilidade).
Como ingrediente fibroso, é lógico que grande parte de suas características nutricionais girem em torno do teor de fibra e das características da mesma. O tipo de processamento e eficiência do sistema de extração do amido e a mistura final com outras fracções ou origens determinam o teor de fibra e amido. As proporções entre o teor de fibra e amido variam entre 0,3 e 1. As proporções inferiores a 0,5 geralmente indicam que a concentração residual de amido é> 20% (observando-se valores entre 12,6 e 29,6%). Associado ao teor de amido residual, uma relação positiva com o valor EN é observada tanto para leitões como para porcos adultos (R2> 0,70), sendo esta relação claramente negativa no caso de fibra (R2 = -0,79 e - 0,56 para leitões e porcos adultos). Isto explica as diferenças observadas em termos de energia neta (EN), onde BRASIL, NRC e CVB (ratios <0,5) no seu intervalo alto de amido apresentam valores mais altos de EN o resto de sistemas de avaliação (ratios >0,5) (>230 kcal/kg de média). Os valores EN para o resto dos sistemas FEDNA, INRA e CVB (nos seus diferentes intervalos de avaliação) é claramente dependente do intervalo observado entre fibra e amido semelhante e claramente dependente da quantidade de amido residual, indicando uma clara relação inversamente proporcional entre o ratio e o valor de EN (R2 >0,85).
O conteúdo em gordura oscila entre 2,9 e 4,7%, sendo um dos parâmetros claramente condicionados pelo nível de fibra, com uma relação inversamente proporcional (R2 =0,46) que explica ~15% da variação em energia. Os valores mais extremos (>4,4) são observados para o NRC e INRA (trigo duro) de INRA e os mais baixos para CVB, FEDNA e BRASIL.
No entanto, o conteúdo em proteína é muito estável (entre 14,6 e 15,4%, à excepção de CVB que numa das suas categorias dá um valor de proteína inferior) e apresenta pouco intervalo de variação (<5%). Essencialmente, à excepção de BRASIL, NRC e CVB (na sua categoria com rácio mais baixo), que dá um coeficiente de digestibilidade da proteína mais baixo que a média (-20%), o resto dos sistemas FEDNA, CVB e INRA apresentam coeficientes de digestibilidade muito semelhantes entre eles (entre 62 e 68%), embora, com excepção de CVB (ratio fibra:amido alto) é observada uma resposta inversamente proporcional entre os ratio fibra:amido e os coeficientes de digestibilidade da proteína (R2 >0,50), indicando o impacto negativo da proteína ligada à fibra sobre a sua digestibilidade. Em termos de aminoácidos totais, tomando como referência a lisina e os sulforados totais como maioritários, pode observar-se que não há grandes diferenças entre os diferentes sistemas de avaliação, embora em termos de digestibilidade de CVB apresenta valores de digestibilidade 12 e 6% superiores para lisina e sulforados totais para a categoria com maior conteúdo de amido (caso similar para o resto dos AA).
Descobertas recentes
1. Energia líquida de sêmea de aveia, sêmea de trigo e extracto de semente de palma fornecidos a porcos em crescimento calculada mediante calorimetria indirecta.
O objectivo da experiência foi determinar os efeitos do aumento da fibra alimentar na produção de calor e determinar a energia líquida (NE) da sêmea de aveia (OB), sêmea de trigo (WB) e extrato de palmiste (PKE) fornecidos a porcos em crescimento usando calorimetria indirecta (IC). A digestibilidade aparente do tracto total (ATTD) da fibra em detergente neutro (FDN) foi menor (p <0,01) em suínos alimentados com dieta WB em comparação com aqueles alimentados com as dietas basal, OB ou PKE. O DATT do extrato etéreo (EE) nos suínos alimentados com a dieta PKE foi maior (p <0,01) em relação aos alimentados com as demais dietas. Os conteúdos de NE de OB, WB e PKE foram de 10,93, 7,47 e 8,71 MJ / kg de MS, respectivamente.
2. A sêmea de trigo reduz as concentrações de energia digestível, metabolizável e líquida nas dietas para porcos, mas os valores de energia na sêmea de trigo determinados pelo procedimento de diferença não são diferentes dos valores estimados a partir de um procedimento de regressão linear.
Os efeitos da adição de 15 ou 30% de sêmea de trigo a uma dieta de farinha de milho e soja sobre DE, ME e NE para suínos em crescimento foram avaliados e comparados com os valores calculados pelo procedimento de diferença com os valores obtidos usando uma regressão linear. Após a realização do estudo, concluiu-se que aumentar a inclusão de sêmea de trigo a uma dieta à base de farinha de milho e soja reduziu a digestibilidade de energia e nutrientes e a produção de calor, bem como a DE, EM e NE das dietas, mas os valores DE, ME e NE para sêmea de trigo determinados pelo procedimento de diferença não foram diferentes dos valores determinados por regressão linear.
3. A sêmea de trigo e as cascas de aveia têm efeitos dependentes da dose sobre o consumo de alimento ad libitum em porcos, que estão relacionados com a hidratação do conteúdo digestivo e a fermentação do cólon
Foram adicionados a uma dieta à base de amido altamente digestível cinco níveis de sêmea de trigo (WB) ou casca de aveia (OH) que foi fornecida ad libitum a porcos para estudar os efeitos funcionais e fisiológicos da inclusão e do tipo de fibra. Em geral, as dietas WB apresentaram um consumo médio diário (ADFI) 8-11% menor do que as dietas OH. As dietas WB produziram mais de 20% a mais de ácidos gordos de cadeia curta (AGCC) do que as dietas OH ou Controlo. O WB 25% produziu 22% mais AGCC do que qualquer outra dieta. As dietas com WB a 25 e 35%, apresentaram maior capacidade de hidratação do que qualquer outra dieta. Com o aumento dos níveis de OH, o consumo da dieta base foi 7% maior do que o controlo com 5% OH, mas 8% menor do que o controlo com 20% OH. Com o aumento do teor de WB, o consumo da dieta base diminuiu. Concluiu-se que há um aumento inicial da taxa de passagem e do consumo de alimentos a baixas concentrações de fibras que não incham, queda no consumo devido ao alto volume de fibra e uma redução no consumo de ração por estimulação dos mecanismos de freio ileal e colônico.
4. Efeitos do nível de fibra dietética e peso corporal dos porcos sobre a digestibilidade dos nutrientes e a energia disponível numa dieta alta em fibra baseada em sêmea de trigo ou bagaço de girassol
Os objectivos do presente trabalho foram (a) investigar o efeito do peso corporal (PC) sobre a energia disponível em dietas ricas em fibras contendo dois níveis de fibra em detergente neutro (FDN) e (b) avaliar o efeito do tipo de fibra e do nível de FDN na digestibilidade dos AA. A concentração de energia digestível (ED), energia metabolizável (ME) e ATTD de energia bruta (GE), proteína bruta (PB), FDN e fibra ácido-detergente (FDA) nas dietas foi maior quando administrada a suínos de 90 kg em comparação com suínos de 30 kg. O ME nos ingredientes não foi afectado pelo peso corporal. O ATTD de NDF foi negativamente correlacionado com o conteúdo de CF (r = - 0,98), FDA (r = -, 99) e lignina em detergente ácido (ADL, r = -, 96). O EM das dietas foi negativamente correlacionado com o ATTD de CF (r = - 0,98). A adição de bagaço de girassol aumentou a digestibilidade ileal padronizada (SID) de Met. Portanto, conclui-se que as dietas ricas em fibras apresentaram diferentes valores nutricionais nas diferentes fases do peso dos suínos. A digestibilidade do AA depende principalmente da composição química das dietas.
5. Variação dos níveis dietéticos das farinhas zootécnicas de trigo e sêmea de trigo em porcos em crescimento: efeito sobre o crescimento e as características da carcaça
O presente estudo foi realizado com o objectivo de avaliar o efeito do aumento dos níveis de farelo de trigo em substituição ao farelo de trigo sobre o crescimento e as características de carcaça de suínos em crescimento. Diferenças significativas na taxa de crescimento e na eficiência do uso da ração foram descritas entre os tratamentos. A dieta afectou significativamente o peso do fígado, pulmões e intestino delgado. A disponibilidade de nutrientes não foi um factor limitante para suínos em crescimento e a substituição do sêmea de trigo por sêmea de trigo em 60% melhorou o ganho médio diário dos suínos e a eficiência alimentar.
Referências
FEDNA: http://www.fundacionfedna.org/
FND. CVB Feed Table 2016. http://www.cvbdiervoeding.nl
INRA. Sauvant D, Perez, J, y Tran G, 2004, Tables de composition et de valeur nutritive des matières premières destinées aux animaux d'élevage,
NRC 1982. United States-Canadian Tables of Feed Composition: Nutritional Data for United States and Canadian Feeds, Third Revision.
Rostagno, H,S, 2017, Tablas Brasileñas para aves y cerdos, Composición de Alimentos y Requerimientos Nutricionales, 4° Ed.