Hoje, apesar dos esforços documentados para alcançar uma fertilidade e prolificidade aceitáveis após a IA, a sobrevivência de espermatozóides suínos continua a ser baixa, devido aos danos produzidos durante um processamento relativamente antiquado que é lento (8-9 h), caro (necessita centrifugadoras refrigeradas, etc.) e que produz poucas doses por ejaculado (frequentemente apenas para 5-8 porcas com 2 IA/cio). O número de leitões nascidos continua a ser mais baixo que com sémen refrigerado ou puro, levando a que a vida útil dos espermatozóides, o local de deposição e a proximidade da ovulação conspirem contra o êxito do processo. Tudo isto faz com que o sémen congelado não seja uma alternativa na produção suína, ainda que seja necessário para os bancos de genes e a exportação.
Este artigo apresenta um processo alternativo baseado nas características in vivo do ejaculado, usando a primeira porção da fracção espermática do varrasco, apenas 10 ml, para congelar pequenas doses (de 0,5 ml cada uma), enquanto o resto dos espermatozóides ejaculados (mais de 75%) são usados para a produção rotineira de doses líquidas, combinando deste modo a produção e o armazenamento. A fertilidade / prolificidade destas pequenas doses congeladas/descongeladas é aceitável se for utilizada IA intrauterina profunda durante um cio espontâneo.
O que se sabe sobre o ejaculado
O ejaculado suíno consta de 3 fracções que podem ser diferenciadas visualmente durante a recolha manual: fracção pré-espermática (aquosa, com alguns coágulos gelatinosos, sem espermatozóides e com cerca 10-20 ml), a fracção espermática (mais densa, com espermatozóides, sem coágulos, com cerca de 30-50 ml) e a pós-espermática (outra vez aquosa, com coágulos e cerca de 150-200 ml). Os nossos estudos demonstraram que os espermatozóides contidos nos primeiros 10 ml da fracção espermática (também chamada pico espermático, que contém 15-20% de todos os espermatozóides, Fig 1) é mais resistente ao maneio (da diluição à refrigeração) e à criopreservação que o resto dos espermatozóides do ejaculado. Considera-se que o facto dos primeiros espermatozóides virem acompanhados por uma secreção específica (epidídimo/próstata), que contém proteínas associadas à fertilidade, explica a maior resistência ao maneio.
Figura 1: Um típico ejaculado de varrasco apresenta 3 fracções distintas dependendo –entre outros parâmetros– da concentração espermática (representada aqui com uma linha vermelha). O pico espermático costuma estar contido nos primeiros 10 ml da fracção espermática. Quando congelado, o pico espermático pode produzir 20 doses para IA intrauterina profunda, enquanto que o resto do ejaculado (a fracção espermática) ainda pode produzir umas 25 doses seminais líquidas para IA convencional.
O protocolo de congelação pode ser simplificado?
Normalmente a congelação utiliza toda a fracção espermática eliminando, por diluição e centrifugação nas centrifugadoras refrigeradas, o plasma seminal. Então, os espermatozóides do sedimento são diluídos de novo, refrigerados e congelados, com frequência em palhetas médias (2,5 ml) ou Flat-bags de 5 ml (Fig 2). As doses de IA costumam conter 5.000x106 espermatozóides, pelo que um ejaculado produz um máximo de 16 doses para IA cervical (ou seja, 8 porcas a 2 IA/cio). Foi comparado sémen congelado da fracção espermática (controlo) com o do pico espermático (os primeiros 10 ml da fracção espermática) utilizando congelação convencional (CC) frente a um processo simplificado (CS). O sémen do pico espermático foi manejado em forma concentrada (900x106 espermatozóides/dose) para um eventual uso em IA intra-uterina profunda (1-2 doses por cio, suficiente para 10 porcas). As células do pico espermático eram mantidas durante 30 minutos no seu próprio plasma seminal e depois, sem centrifugação (ou seja, sem extrair o plasma seminal), foram diluídos com lactose-gema de ovo (LEY, pelas suas siglas em inglês) e, durante 1,5 h, foram refrigerados até alcançar os + 5°C, antes de ser misturados com LEY+glicerol (3%) e OEP (Orvus ES Paste, um detergente sintético) e embalados em Mini Flat-bags de 0,5 ml (Fig 2). A congelação utilizada foi, em todos os casos, a uma taxa de arrefecimento de 50°C/min. O processo simplificado completo (CS) durou 3,5 h em comparação com a congelação convencional (CC) que durou 8 h; ambos tiveram uma criosobrevivência igualmente boa (mais de 60% das células processadas).
Figura 2: Representação esquemática das principais diferenças entre as mini-palhetas plásticas de 0,25 ml, com Flat-bags simples (5 ml) e múltiplos (de 0,5-0,7 ml). À direita apresenta-se uma fotografia de um Flat-bag cheio e selado), cortesia do Dr. Fernando Saravia).
Quais são as vantagens que tem?
Várias; utilizando este protocolo simplificado e mais curto não é necessário o uso de centrifugadoras refrigeradas. Por outro lado, a variação intra-macho é minimizada utilizando espermatozóides da primeira porção (P1) que não só são os "melhores" para ser criopreservados, mas também é utilizada a parte da fracção espermática onde está documentado que se encontram as proteínas associadas à fertilidade. Finalmente, este procedimento libera o resto dos espermatozóides recolhidos (75-80% da contagem total) para um processamento adicional de umas 25 doses para IA convencional (Fig 1). Este protocolo simplificado pode ser uma alternativa interessante em centros de inseminação para –usando o mesmo ejaculado– congelar sémen suíno para armazenamento, repovoamento ou distribuição comercial e produzir doses para IA convencional com sémen líquido, usando o resto do ejaculado. Este processo não interfere na rotina de maneio dos varrascos nem dos seus ejaculados.
Mas estas doses tão pequenas (0,5 ml, 500x106 espermatozóides) são férteis?
Sim, aceitavelmente férteis, inclusive após uma única IA intrautrina profunda num cio espontâneo. As inseminações intrauterinas profundas duplas (às 24 e 36 h após a detecção do reflexo de imobilidade) feita em 120 porcas (de segundo parto) com sémen do pico espermático congelado como foi descrito mais acima (CS), produziu 42 % de partos com 8 leitões vivos por ninhada. As doses complementares de sémen líquido (2,3 x 109 espermatozóides) produziram cerca 80% de partos, com 13 leitões vivos por ninhada (M Wallgren, resultados não publicados). Apesar de não ser uma alternativa frente ao sémen líquido para uso comercial, esta técnica de congelação é uma boa opção para os bancos de genes e controlos de biossegurança sem interferir na produção de doses comerciais líquidas ou no maneio dos varrascos.