Introdução
Trata-se de uma exploração comercial de 350 porcas em ciclo fechado na Irlanda do Norte.
A exploração é negativa a pneumonia enzoótica (Mycoplasma hyodysenteriae), pleuroneumonia suína (Actinobacillus pleuropneumoniae), gripe suína e PRRS.
A tabela 1 ilustra o protocolo vacinal:
Tabela 1. Programa vacinal.
Vacina | Nulíparas | Porcas | Varrascos | Leitões |
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Parvovirus + Mal rubro + Leptospirose | 2 ml injectados no momento da selecção e 2 semanas antes da cobrição | Injecção de 2 ml 2 semanas antes da cobrição | Injecção de 2 ml duas vezes por ano | |
Vacina autógena (Streptococcus suis e Staphylococcus hyicus) | 2 ml aos dias 65 e 95 após a cobrição | 2 ml ao dia 95 após a cobrição |
A reposição é produzida na própria exploração. Utilizam-se varrascos para despiste de cios. As nulíparas e as porcas são cobertas através de inseminação artificial com sémen proveniente de um único fornecedor.
A exploração mais próxima está a 6 km de distância.
História
O suinicultor contactou com o veterinário ao detectar, nos 3 dias anteriores, um aumento de dificuldade respiratória e mortalidade nos porcos de engorda..
Investigação
3.1. Investigação clínica
Durante uma visita à exploração, em Novembro de 2017, havia muitos porcos de 18 - 24 semanas com sinais clínicos de tosse (foto 1 e vídeo 1) e cianose nas partes mais distais do corpo. O comedouro com ração húmida não estava vazio, o que indica falta de apetite. Mediu-se a temperatura rectal de vários animais clinicamente afectados e verificou-se que apresentavam pirexia. A condição corporal dos animais era normal.
Vídeo 1. Porcos clinicamente doentes, com tosse.
Realizou-se uma segunda visita duas semanas depois para recolher amostras de sangue das porcas e da engorda.
Antes do surto, a mortalidade desde o desmame até final da engorda era de 3,5%, principalmente devido a animais que eram eutanasiados por causa de hérnias e/ou prolapsos rectais.
3.2. Investigações no laboratório
Em Novembro de 2017 foram necropsiados três porcos que morreram na exploração (figura 2).
Os três porcos necropsiados apresentaram petéquias múltiplas no parênquima pulmonar (figura 3). Foram recolhidas amostras que foram enviadas para o laboratório para análise.
A tabela 2 resume as investigações laboratoriais dos pulmões.
Tabela 2. Resultados laboratoriais dos três pulmões enviados.
Resultados bacteriológicos | Resultados biomoleculares | |
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Pulmão 1 | Sem crescimento. | Negativo a Mycoplasma hyopneumoniae e PRRS por RT-PCR. Positivo ao vírus da gripe tipo A por RT-PCR (CT:18.1) sub-tipo H1N1. |
Pulmão 2 | Sem crescimento. | Negativo a Mycoplasma hyopneumoniae e PRRS por RT-PCR. Positivo ao vírus da gripe tipo A por RT-PCR (CT:26.9) sub-tipo H1N1. |
Pulmão 3 | Sem crescimento. | Negativo a Mycoplasma hyopneumoniae e PRRS por RT-PCR. Positivo ao vírus da gripe tipo A por RT-PCR (CT:31.5) sub-tipo H1N1. |
Exame histológico do tecido pulmonar apresentando infiltração linfocítica da lâmina própria e da sub-mucosa dos brônquios (figuras 4 e 5).
A tabela 3 resume as investigações laboratoriais das 14 amostras de sangue recolhidas das porcas e da engorda.
Tabela 3. Resultados laboratoriais das 14 amostras de sangue enviadas.
PRRS (ELISA) | Gripe A (ELISA) | Actinobacillus pleuropneumoniae (ELISA) | PCV-2 (ELISA) | Mycoplasma hyopneumoniae (ELISA) | |
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3 porcos de 12 semanas com sintomas respiratórios | 3 (-) | 2 (+) 1 (-) |
3 (-) | 3 (-) | 3 (-) |
2 porcos recuperados | 2 (-) | 1 (+) 1 (-) |
2 (-) | 2 (-) | 2 (-) |
2 leitões com tosse de diferentes mães | 2 (-) | 2 (+) | 2 (-) | 2 (-) | 2 (-) |
7 porcas | 7 (-) | 7 (+) | 7 (-) | 7 (-) | 7 (-) |
Analisaram-se as amostras positivas à gripe A para procurar anticorpos contra sub-tipos H1N1, H3N2 & H1N2 e os sub-tipos pandémicos panH1N1 e panH1N2. Detectaram-se títulos muito elevados de anticorpos contra todos estes subtipos (≥ 320 to 2560) nos animais afectados, indicando uma infecção recente.
4. Diagnóstico diferencial
Com base na investigação clínica e laboratorial, preparou-se a seguinte lista para diagnóstico diferencial:
- PRRS (Síndroma Reprodutivo e Respiratório Suíno).
- Vírus Influenza tipo A (gripe).
- Pneumonia enzoótica (Mycoplasma hyopneumoniae).
- Pleuroneumonia suína (Actinobacillus pleuropneumoniae).
Com base no historial e na consistência das investigações clínicas e laboratoriais, diagnosticou-se vírus da gripe tipo A.
5. Programa de controlo
Implementou-se o seguinte protocolo de emergência para a gripe:
- Vacinação em massa de todas as reprodutoras: duas vezes, com um intervalos de 3 semanas entre vacinações.
- Os porcos foram vacinados ao desmame com 2 ml de uma vacina comercial contra a gripe assim que se diagnosticou a infecção.
- Medicação de todas as rações com 85 ppm de tartarato de tilvalosina por tonelada durante 20 dias para combater os agentes patogénicos respiratórios.
Uma vez imunizada duas vezes toda a reprodução, fez-se o seguinte:
- Vacinação das nulíparas: duas vezes antes da cobrição, com um intervalo de 3 semanas entre vacinações.
- As reprodutoras receberam um rappel 14 dias antes do parto (uma dose).
Infelizmente, no momento do surto, as vacinas disponíveis no país não cobriam os sub-tipos pandémicos panH1N1 e panH1N2. Como precaução, desde Setembro de 2018 foi introduzida uma vacina que cobre os sub-tipos pandémicos.
6. Resposta ao programa de controlo
Houve um aumento da mortalidade desde 3,5%, no início do surto para 11,5%, no pico de 4 semanas depois. A mortalidade reduziu-se gradualmente até atingir níveis normais 10 semanas após o início do surto.
A taxa de fertilidade caiu de 94% para 86% durante dois meses. Isto reflectiu-se numa redução da taxa de partos de 91% para 84% durante o mesmo período. Não houve abortos.
7. Discussão
A gripe suína é uma doença respiratória aguda, infecciosa provocada pelo vírus da gripe tipo A. A doença caracteriza-se por um início súbito, tosse, dispneia, febre e prostração, seguida por uma recuperação rápida. As lesões costuma desenvolver-se rapidamente no tracto respiratório e desaparecem rapidamente, mas nalguns casos uma pneumonia vírica severa pode produzir a morte (Easterday et al., 1999). Todos estes sinais clínicos foram observados neste caso.
A gripe suína é causada pelo vírus da gripe tipo A, da família Orthomyxoviridae. Há muita informação disponível sobre as características antigénicas, genéticas, estruturais e biológicas dos vírus gripe tipo A (Murphy et al., 1990; Lamb et al., 1996). As duas glicoproteínas de superfície do vírus, hemaglutinina (H) e neuraminidasa (N), são os principais antigenes para induzir imunidade protectiva no hospedeiro e, portanto, apresentam as maiores variações.
A vigilância levada a cabo na Irlanda do Norte entre 2011 e 2013 mostrou que o principal sub-tipo isolado em porcos foi o H1N1 pandémico, seguido por outros sub-tipos (H1N1, H3N2) com menor frequência (Borobia et al., 2015).
As condições meteorológicas eram favoráveis à disseminação do vírus no momento em que se aconteceu este surto. Houve humidade com temperatura flutuante durante os 3 meses anteriores e com períodos de fortes ventos.É provável que os humanos ou os estorninhos (figura 6) possam ter infectado os porcos por contacto directo ou por infecção aerógena devido à proximidade com outras explorações. Ambas as opções podem ter-se produzido neste caso.
A morbilidade da gripe suína é descrita como elevada (próxima a 100%) (Taylor, 1995; Easterday et al., 1999), como se vê neste caso. Taylor (1995) e Easterday et al., (1999) descreveram uma taxa de mortalidade inferior a 1% a menos que haja infecções concomitantes e/ou os porcos sejam muito jovens. Infelizmente, neste caso, a mortalidade superou o 1%, como se descreve acima.
Diferentes autores descreveram problemas reprodutivos, de partos e neonatais em casos de gripe suína (Taylor, 1995; Muirhead et al., 1997; Easterday et al., 1999; Jackson et al., 2007). Neste caso só se observaram efeitos na taxa de retornos e no índice de partos.
O uso de tartarato de tilvalosina na ração baseia-se em relatórios do Dr. David Brown e da Dr. Amanda Stuart do Departamento de Patologia da Universidade de Cambridge. O efeito deste antibiótico macrólido sobre o PRRS reduziu o número de células infectadas in vitro em comparação com outro antibiótico macrólido, a tilosina. A tilvalosina também reduziu o número de células infectadas por outros vírus, incluindo vírus da gripe humana e equina (Brown et al., 2006). Além disso, a tilvalosina tem uma acumulação intracelular e distribuição para tratar doenças que outros macrólidos (Stuart et al., 2007).