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Caso clínico: Trombocitopenia púrpura

O suinicultor contactou com o veterinário devido a um aumento de hemorragias e hematomas subcutâneos na pele de vários leitões em oito ninhadas diferentes. Não se houve mortes atribuidas a este problema.

Introdução

Trata-se de uma exploração comercial de ciclo fechado com 400 porcas na Irlanda do Norte.

A unidade é negativa à gripa suína e ao PRRS.

O protocolo de vacinação utilizado é descrito na Tabela 1.

Tabela 1. Programa de vacinação

VACINA NULÍPARAS PORCAS VARRASCOS LEITÕES
Parvovirus Injecção de 2 ml à selecção Injecção de 2 ml 2 semanas após o parto
Erisipela Injecção de 2 ml à selecção e 2 semanas antes da cobrição Injecção de 2 ml 2 semanas após o parto Injecção de 2 ml duas vezes por ano
Colibacilose Injecção de 2 ml 6 e 2 semanas antes do parto Injecção de 2 ml 2 semanas antes do parto
PCV-2 Injecção de 2 ml 3 semanas antes da cobrição e 3 semanas antes do parto Injecção de 2 ml 3 semanas antes do parto Injecção de 2 ml duas vezes por ano
Pneumonia enzoótica 1 ml aos 7 dias e ao desmame

As porcas de substituição são produzidas na exploração. As nulíparas e as porcas são cobertas por inseminação artificial, sendo o sémen procedente de uma origem única.

História

O suinicultor contactou com o veterinário devido a um aumento de hemorragias e hematomas subcutâneos na pele de vários leitões em oito ninhadas diferentes. Não se houve mortes atribuidas a este problema.

A exploração tinha tido este problema nos últimos 3 anos, mas não na mesma proporção de agora. Os sinais clínicos aparecem de repente nalgumas ninhadas e desaparecem durante largos períodos de tempo.

Investigação

Investigação clínica

Durante a visita à exploração, 28 leitões de 8 ninhadas diferentes tinham hemorragias sub-epiteliais disseminadas (Figuras 1, 2, 3, 4 e 5). Os leitões desenvolviam os sinais clínicos a partir dos 7 dias de idade, após terem nascido normais. Os leitões afectados continuavam a mamar e não apresentavam qualquer atraso no crescimento. Nem todos os leitões das ninhadas afectadas apresentam sinais clínicos externos.

Figura 1. Marcas de briga e hemorragias sub-epiteliais disseminadas em leitões de 7 dias de idade. Observe o sangue seco nas almofadas térmicas 12 horas após o corte de caudas. Figura 2. Marcas de briga e hemorragias sub-epiteliais disseminadas em leitões de 7 dias. Observe o sangue seco nas almofadas térmicas e na parte traseira 12 horas após o corte de caudas..
Figura 1. Marcas de briga e hemorragias sub-epiteliais disseminadas em leitões de 7 dias de idade. Observe o sangue seco nas almofadas térmicas 12 horas após o corte de caudas. Figura 2. Marcas de briga e hemorragias sub-epiteliais disseminadas em leitões de 7 dias. Observe o sangue seco nas almofadas térmicas e na parte traseira 12 horas após o corte de caudas..
Figura 3. Marcas de briga e hemorragias sub-epiteliais disseminadas num leitão de 7 dias de idade.
Figura 3. Marcas de briga e hemorragias sub-epiteliais disseminadas num leitão de 7 dias de idade.
Figura 4. Hemorragias sub-epiteliais generalizadas e petéquias num leitão de 7 dias de idade.
Figura 4. Hemorragias sub-epiteliais generalizadas e petéquias num leitão de 7 dias de idade.
Figura 5. Marcas de briga e hemorragias sub-epiteliais disseminadas num leitão de 7 dias.
Figura 5. Marcas de briga e hemorragias sub-epiteliais disseminadas num leitão de 7 dias.

No momento da visita, estavam a cortar as caudas aos leitões. A hemorragia da cauda era profusa e apresentava atraso na coagulação (Figuras 1 e 2).

Não se detectou febre após medir a temperatura rectal de 10 leitões afectados.

Investigações laboratoriais

Um leitão morto recentemente e outro vivo e afectado com 7 das de idade foram enviados para o laboratório. Foi solicitada a recolha de uma amostra de sangue heparinizado no laboratóriorio para hematologia. Os resultados laboratoriais são resumidos na Tabela 2.

As análises de hematologia e bioquímica não se puderam realizar já que os sangues, recolhidos no laboratório, estavam coagulados.

A evidência fotográfica post-mortem apresenta-se nas Figuras 6, 7, 8 e 9.

Tabela 2. Resultados laboratoriais dos dois leitões com 7 dias de idade.

POST-MORTEM HISTOLOGIA IMUNOFLUORESCÊNCIA BACTERIOLOGiA
LEITÃO 1 (Morto) • Hemorragias sub-epiteliais superficiais generalizadas com algumas petéquias na carcaça.

• Sangue diluído e aquoso.

• Algumas hemorragias petequiais no coração.

• Riñón pálido y con hemorragias petequiales.

• Fígado pálido e icterícia.
• Não se detectaram anomalias significativas. • Negativo para PSC e PCV-2. • Não se isolaram bactérias significativas.
LEITÃO 2 (Vivo) • Hemorragias sub-epiteliais generalizadas na carcaça.

• Sangue diluído e aquoso

• Hemorragias petequiais no rim e no pulmão.
• Não se detectaram anomalias significativas. • Negativo para PSC e PCV-2. • Não se isolaram bactérias significativas.

PSC = Peste Suína Clássica
PCV-2 = Circovirus Suíno tipo 2

Figura 6. Um leitão de sete dias de idade. Observe a carcaça pálida e as hemorragias e petéquias generalizadas na pele. O fígado tem icterícia. Todos os gânglios linfáticos tem ma aparência hemorrágica.
Figura 6. Um leitão de sete dias de idade. Observe a carcaça pálida e as hemorragias e petéquias generalizadas na pele. O fígado tem icterícia. Todos os gânglios linfáticos tem ma aparência hemorrágica.
Figura 7. O coração do leitão da Figura 3. Observe as hemorragias petequiais no coração e nos gãnglios linfáticos hemorrágicos.
Figura 7. O coração do leitão da Figura 3. Observe as hemorragias petequiais no coração e nos gãnglios linfáticos hemorrágicos.
Figura 8. Carcaça pálida e hemorragias sub-epiteliais na extremidade traseira esquerda. Observe o sangue diluído e aquoso na mesa. Figura 9. Carcaça pálida com gânglios linfáticos hemorrágicos e hemorragias sub-epiteliais. Observe o sangue diluído e aquoso na carcaça.
Figura 8. Carcaça pálida e hemorragias sub-epiteliais na extremidade traseira esquerda. Observe o sangue diluído e aquoso na mesa. Figura 9. Carcaça pálida com gânglios linfáticos hemorrágicos e hemorragias sub-epiteliais. Observe o sangue diluído e aquoso na carcaça.

Diagnóstico diferencial

De acordo com as investigações clínicas e laboratoriais, realizou-se o seguinte diagnóstico diferencial:

  • Trombocitopenia púrpura
  • Deficiência de ferro
  • Deficiência de vitamina K (intoxicação por rodenticida)
  • Peste Suína Clássica (PSC)
  • Circovirose suína (PCV-2)

Os agentes virais, tais como o vírus da PSC e do PCV-2, foram descartados devido à falta de sinais clínicos compatíveis com estas doenças e aos resultados negativos da análise de imunofluorescência.

A deficiência em ferro também foi descartada devido à administração de ferro dextrano que dá de forma rotineira a todos os leitões por via intramuscular aos 2 dias de vida e às hemorragias sub-epiteliais disseminadas.

A deficiência em vitamina K (intoxicação por rodenticida) não se pode excluir do diagnóstico diferencial sem que se faça hematologia. Como se menciona no ponto 4.2., a amostra de sangue recolhida coagulou e não se pôde realizar a análise de hematologia/bioquímica. Não foi colocado veneno para ratos na maternidade.

Sugeriu-se um diagnóstico de trombocitopenia púrpura com base na história e nas investigações clínica e laboratorial.

Programa de controlo

Realizaram-se adopções cruzadas das ninhadas afectadas para outras porcas.

Recomendou-se que as porcas que tinham as ninhadas afectadas fossem eliminadas ou que fossem cobrertas com um varrasco diferente.

Resposta ao programa de controlo

Alguns dos leitões afectados transferidos para outras porcas, morreram poucos dias depois.

Nenhum outro caso foi referido pelo suinicultor desde então.

Discussão

A trombocitopenia púrpura é uma hipersensibilidade de tipo II (ou hipersensibilidade de tipo citotóxico) na que se formam auto-anticorpos contra os trombócitos. Isto resulta na sua redução e diátese hemorrágica como sinal clínico associado. Estes auto-anticorpos podem surgir devido a transfusões de sangue, ao uso de vacinas que contenham produtos sanguíneos ou em porcas multíparas que desenvolvam anticorpos contra os aloantígenes partilhados pelo pai e pelo feto. Neste último caso, não se espera que apareçam sinais clínicos na porca já que só produziria anticorpos contra antigenes de alotipo de superfície celular que não se encontram nas suas células (Straw et al., 1999). Diferentemente dos bebés e dos cachorros, na porca não se transferem anticorpos através da placenta para os leitões antes do nascimento. Os leitões nascem num estado vulnerável sem anticorpos humorais ou associados à mucosa, nem imunidade adquirida mediada por células (Muirhead et al., 1997a). Isto explicaria porque a gestação não acaba. A ingestão destes auto-anticorpos no colostro e a sua absorção por parte do leitão tem, como resultado, uma diminuição nos níveis circulantes de trombócitos em aproximadamente 200x109/l aos 2 dias de idade (normalmente maior, 250-300x109/l). A recuperação acontece aos 400x109/l aos 5 dias e a partir do 9º dia diminui para um nível de 50x109/l quando a púrpura aparece. Os megacariócitos e outras células na médula óssea vêem-se afectados e não substituem os trombócitos circulantes (Taylor, 1995).

As transfusões de sangue e as vacinas que contenham produtos sanguíneos, como a vacina de cristal violeta contra a Peste Suíina (Smith et al., 1990), não se usaram nesta exploração. Portanto, a única opção era que as porcas multíparas tivessem desenvolviedo anticorpos contra os aloantigenes partilhados pelo pai e pelo feto. As ninhadas afectadas provinham de um varrasco Large White. Todas as porcas que tinham produzido alguma ninhada com o problema tinham mais de um parto. De acordo com Taylor (1995), para que haja doença, o tipo de trombócito do varrasco deve diferir do da porca e esta deve ter tido, pelo menos, uma ninhada prévia com um varrasco com esse tipo de trombócito. Neste caso, as porcas afectadas tinham sido inseminadas com este varrasco numa cobrição anterior. Taylor (1995) afirma que este problema é mais frequente em porcos Large White e Landrace e é particularmente comum quando se usa um varrasco Large White com uma porca Landrace. Neste caso, utilizou-se um varrasco Large White para cobrir porcas Landrace ou Landrace x Large White. Por esta razão, recomendou-se alterar a I.A., o que melhorou a situação sem a necessidade de refugar as porcas ou o varrasco. Infelizmente, a contagem de trombócitos não se pôde realizar devido à coagulação da amostra de sangue recolhida no laboratório. Outra alternativa teria sido recolher o sangue na exploração. Contudo, desde então não houve mais casos.

Nem todos os leitões das ninhadas afectadas apresentaram sinais clínicos. De acordo com Straw et al. (1999) e Taylor (1995), o efeito aleatório da condição numa ninhada parece estar relacionado com o crescimento e a ingestão de colostro, sendo os leitões mais desenvolvidos, que mamaram mais colostro, os que se viram mais gravemente afectados. Todos os animais afectados tinham boa condição corporal, estavam bem desenvolvidos e não perdiam o apetite.

Os leitões afectados parecem normais quando nascem (Straw et al., 1999). Diferentes autores referiram distintos tempos para a primeira manifestação da doença, 7 – 21 dias de idade (Muirhead et al., 1997b), 10 – 20 dias de idade (Straw et al., 1999) ou 14 – 30 dias de idade com um menor pico aos 3 dias de idade (Taylor, 1995). Neste caso, a doença apareceu aos 7 dias de idade, como refere Muirhead et al. (1997b).

Pode dar-se a morte do animal sem sinais clínicos (Muirhead et al., 1997b; Taylor, 1995). Se se observa com atenção a pele dos leitões mortos, notam-se as hemorragias em todas as contusões, dentadas ou traumatismos (Muirhead et al., 1997b). Neste caso não se pôde correlacionar as mortes súbitas causadas por trombocitopenia púrpura e outras causas de morte, como o esmagamento. Contudo, os leitões afectados frequentemente são pálidos e observa-se uma pele púrpura, com marchas, hemorragias principalmente no ventre e marcas claras de aranhões. As mucosas, geralmente, são pálidas e não há febre (Straw et al., 1999; Taylor, 1995). Observam-se hemorragias de diferentes tamanhos no epicárdio, no miocárdio, na pleura, nas articulações e nos músculos esqueléticos. Todos os gânglios linfáticos estão cheios de sangue (Muirhead et al., 1997b; Taylor, 1995). Todas estas características são consistentes com o quadro clínico visto neste caso.

A castração durante o período de trombocitopenia púrpura pode aumentar, em grande medida, a taxa de mortalidade (Straw et al., 1999). A castração não se realizaba nesta exploração. Contudo, como se indica na investigação clínica, após o corte das caudas, a hemorragia era profusa e havia atraso no tempo de coagulação.

A incidência desta problemática é baixa, menos de 1% según Taylor, 1995.

O diagnóstico realiza-se por um quadro clínico e post-mortem característico (Muirhead et al., 1997b; Taylor, 1995). Pode-se confirmar o diagnóstico mediante contagem de plaquetas (Taylor, 1995). Neste caso, seguiram-se todos estes procedimentos. Contudo, as contagens de plaquetas não se puderam realizar pelas razões indicadas nas investigações laboratoriais.

Não se conhece outro tratamento que não seja uma boa lactação (Muirhead et al., 1997b; Taylor, 1995). Não foi referido o uso de vitamina K (Taylor, 1995) mas seria interessante usá-la em futuros surtos. Nas primeiras etapas da doença, vale a pena fomentar a adopção cruzada das ninhadas para eliminar a exposição a qualquer anticorpo persistente no leite da porca (Muirhead et al., 1997b), como se levou a cabo neste caso. A alimentação artificial também se pode realizar (Taylor, 1995). Não obstante, a mortalidade é bastante elevada.

A trombocitopenia púrpura foi descrita noutras espécies, como no gado bovino e ovino em consequência da intoxicação por fetos (Barlow, R., 1983). Em humanos produz-se como consequência de uma etiologia infecciosa, auto-imune, maligna ou idiopática (Wei, A. et al., 2007).

Quando uma porca tem uma ninhada afectada, deve ser eliminada ou coberta com um varrasco diferente na gestação seguinte (Muirhead et al., 1997b; Taylor, 1995). Neste caso, optou-se por cobrir as porcas afectadas com um varrasco diferente em vez de as abater. Esta medida teve êxito já que não houve mais casos de trombocitopenia púrpura desde então.

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