X
XLinkedinWhatsAppTelegramTelegram
0
Leia este artigo em:

Vírus da gripe suína tipo A: situação na Europa

A presença de H1N1dpm de origem humano nas populações suínas europeias obviamente que alterou o fino equilíbrio entre as três autênticas linhagens de vírus de gripe suínos europeus e levou ao aumento de eventos de reordenamento.

As infecções pelo vírus da gripe A (IAV) apresentam uma morbilidade significativa nas populações suínas de todo o mundo. A infecção está relacionada, basicamente, com sintomas respiratórios agudos que frequentemente estão acompanhados de co-infecções bacterianas que podem desencadear um aumento da mortalidade em porcos jovens, uma diminuição do crescimento na engorda ou abortos em gestantes. Por tudo isso, as perdas económicas podem ser consideráveis (Rajao et al., 2014; Vincent et al., 2014; Vincent et al., 2014).

Os vírus gripe A suínos pertencem à família Orthomyxoviridae, são RNA vírus de cadeia simples cujo genoma consta de 8 segmentos. Os sub-tipos são classificados segundo as características genéticas e antigénicas das glicoproteínas de superfície hemaglutinina (HA) e neuraminidase (NA) (Cheung et al., 2007).

Os grupos de glicanos com ácidos siálicos terminais agem como receptores para a adesão do IAV às células superficiais do tracto respiratório. A expressão dos receptores com ácidos siálicos em α-2-6 e α-2-3 no tracto respiratório superior dos porcos, faz com que sejam susceptíveis a vírus de gripe A, tanto de origem aviária como humano (Byrd-Leotis et al., 2014; Trebbien et al., 2011; Walther et al., 2013). Portanto, as co-infecções de células suínas com IAV avícolas e/ou humanos abrem a possibilidade de se produzirem reordenações genéticas (intercâmbio de fragmentos de genoma) entre estes vírus (Hass et al., 2011; Ma et al., 2009; Van Poucke et al., 2010; Zell et al., 2013). Tais reordenações podem levar a mudanças fenotípicas inesperadas ou difíceis de prever que afectem o tropismo de hóspedes e tecidos, a virulência e estrutura antigénica, em comparação com os vírus parentais.

Figura 1. História e origem dos vírus de gripe suína tipo A (IAV) que actualmente circulam na Europa. De notar que nenhum destes IAV suínos tem a sua origem no porco.
Figura 1. História e origem dos vírus de gripe suína tipo A (IAV) que actualmente circulam na Europa. De notar que nenhum destes IAV suínos tem a sua origem no porco.

A figura 1 mostra a origem e a história da reordenação dos IAV suínos que circulam actualmente nas populações suínas europeias. Até 2009, na Europa circulavam três subtipos de IAV, H1N1, H1N2 e H3N2. A linhagem mais antiga, o H1N1, foi introduzida na população suína no final dos anos 70 a partir de uma origem avícola e substituiu a linhagem H1N1 tipo clássico derivado do humano de 1918 que estava em circulação nos anos anteriores. Ao ser um vírus de gripe de origem aviária, à linhagem H1N1 posterior aos anos 70, denomina-se H1N1 "tipo aviar" (ou "av", do inglês "avian-like") (Brown, 2013; Simon et al., 2014). Em 1984, produziu-se reordenamento entre um vírus estacional humano H3N2 e o subtipo H1avN1av cujo vírus resultante contém todos os 6 fragmentos internos de origem aviar e os HA (H3) e NA (N2) do vírus humano (Kong et al., 2015). Este novo vírus estabelece-se como endémico nas populações de porcos de vários países europeus mas aparentemente não em todas. Em 1994, uma nova reordenação afectou o vírus H3N2 suíno, pelo que este vírus intercambiou o seu fragmento genómico HA com o outro vírus estacional humano H1N1 para gerar a linhagem H1N2. Este subtipo H1 denomina-se H1N2 "tipo humano" (ou "hu") (Brown, 1998). Estas linhagens circularam com uma relativa estabilidade nos países europeus com algumas restrições geográficas relativamente à sua prevalência (Brown, 2013; Kuntz-Simon et al., 2009). Os vírus da linhagem H1N1av pareciam ser os responsáveis da maioria das infecções em porcos na Europa (Brown, 2000).

Em 2009, um quarto actor entra em jogo: o vírus da gripe A H1N1 pandémico de 2009 (H1N1pdm). Este vírus é o resultante de múltiplos reordenamentos e é constituído por fragmentos originados a partir de vírus americanos tipo aviar (PB2, PA), humano (PB1) e suíno clássico (HA, NP, NS) e vírus europeus tipo suíno (NA, NP) (Neumann et al., 2009). Em referência à origem suína, pelo menos parcialmente, desta última pandemia de gripe, a infecção em humanos foi chamada de "gripe suína". Os porcos pareciam ser muito susceptíveis a este tipo de IAV e a transmissão zoonótica inversa de humanos infectados para porcos foi registada em vários locais em todo o mundo. Desde então produzem-se infecções por H1N1pdm em populações suínas em ciclos independentes das infecções em humanos (Brookes et al., 2010).

Devido ao que foi denominado como "gripe suína" foi constituído um programa de vigilância para a gripe suína na Europa desde 2013 a 2015, através do projecto ESNIP3 (Watson et al., 2015). Os resultados mostraram que o H1N1dpm está presente em vários países europeus e, em particular, com uma elevada prevalência na Grã-Bretanha e Irlanda. A presença de H1N1dpm de origem humano nas populações suínas europeias obviamente que alterou o fino equilíbrio entre as três autênticas linhagens de vírus de gripe suínos europeus e levou ao aumento de eventos de reordenamento. Entre os vírus emergentes derivados dos reordenamentos dos fragmentos H e/ou N, na Alemanha surgiu a linhagem H1pdmN2, a qual já circula à vários anos com baixa prevalência (Starick et al., 2012; Watson et al., 2015). A proteína HA deste vírus emergente sofreu alterações significativas e pode ser diferenciada antigenicamente do H1pdm de origem humano (Harder et al., 2013). Foram descritos outros reordenamentos (H1huN1av, H1dpmN1av, H3N1pdm) que não se mantiveram em circulação (Watson et al., 2015). Além disso, também foram descritos reordenamentos que intercambiaram todos ou alguns de seis dos fragmentos internos do genoma com vírus H1N1pdm (Kong et al., 2015; Watson et al., 2015). Nos E.U.A. os vírus H3N2 ou H1N1 portadores do fragmento M do H1N1pdm foram associados a uma maior transmissão de suínos para humanos em feiras agrícolas (Schicker et al. 2016). Estas “variantes” de vírus também foram descritas esporadicamente na Europa mas não foram associadas a infecções em humanos. A prevalência do H1N1dpm nas populações suínas europeias varia consideravelmente (figura 2). De modo distinto do que sucede nas ilhas Britânicas, o subtipo suíno H1N1av ainda conta com a maior prevalência na Europa continental enquanto que os subtipos H3N2 e H1huN2 apresentam prevalências menores (figura 2). O subtipo H3N2 não foi detectado na Dinamarca, Polónia ou Reino Unido e foram apenas reportados pequenos surtos na França (Watson et al. 2015).

Figura 2. Restrições geográficas dos subtipos HA dos IAV que circulam actualmente na Europa. Os dados baseiam em referências e nos nossos estudos de monitorização passiva que começaram em 2015.
Figura 2. Restrições geográficas dos subtipos HA dos IAV que circulam actualmente na Europa. Os dados baseiam em referências e nos nossos estudos de monitorização passiva que começaram em 2015.

Vários países da Europa Central e do Este começaram estudos de monitorização passiva quando acabou o projecto ESNIP3 em 2015 que foram realizados no nosso laboratório. Os dados preliminares do primeiro ano de monitorização revelam um aumento da frequência do H1N1pdm e os seus reordenamentos. Além disso, é evidenciada uma maior frequência de co-infecções e mais actividade de reordenamento nas três linhagens H1 suíno europeus que se encontram a circular. Não está muito claro em que medida estas descobertas estão influenciados pela implementação de ferramentas de diagnóstico precisas desenvolvidas pelo nosso laboratório: a detecção de IAV suíno e a caracterização de linhagens e subtipos HA (H1av, H1hu, H1pdm, H3) e NA (N1av, N1pdm, N2) é conseguido através de um set de três RT-qPCR em tempo real. A maior sensibilidade destes testes permite uma análise directa sobre amostras de campo (em particular zaragatoas nasais) de forma independente do isolamento vírico nas culturas celulares (Henritzi et al. 2016). Estes estudos continuarão até pelo menos final de 2017.

A contínua monitorização das populações suínas na Europa é essencial para continuar a evolução do IAV suíno. Dito vírus pode jogar um papel importante na formação de vírus pandémicos em humanos tal como se demonstrou pelo aparecimento do vírus H1N1 2009. O melhor conhecimento das alterações genotípicas constantes e do aparecimento de novos fenótipos de IAV com maior propensão zoonótica é a chave da política "OneHealth".

Agradecimentos

Os estudos recentes sobre IAV suíno no laboratório dos autores foram financiados pela IDT, Dessau, Alemanha. Os autores agradecem o excelente apoio técnico brindado por Aline Maksimov e Carl Sell.

Comentários ao artigo

Este espaço não é uma zona de consultas aos autores dos artigos mas sim um local de discussão aberto a todos os utilizadores de 3tres3
Insere um novo comentário

Para fazeres comentários tens que ser utilizador registado da 3tres3 e fazer login

Não estás inscrito na lista Última hora

Um boletim periódico de notícias sobre o mundo suinícola

faz login e inscreve-te na lista

Artigos relacionados

Não estás inscrito na lista A web em 3 minutos

Um resumo semanal das novidades da 3tres3.com.pt

faz login e inscreve-te na lista